sábado, 30 de julho de 2011

PERGUNTA



Por que? Por que eu deliberadamente escolhi desligar meu celular hoje? Deitar no sofá de roupa? Abrir uma garrafa de Chardonnay decidida a beber inteirinha sozinha? Por que eu tenho predileção aos filmes do TC Cult? Por que minhas relações pessoais estão cada vez mais no Twitter e no Skype do que na vida real? Por que eu aprecio cada vez mais o silêncio e a reclusão? Nem sempre eu fui uma pessoa caseira. Juro que saí na balada de segunda à segunda. Já emendei 72 horas non-stop com direito de ir trabalhar com a roupa da pista. Foram auros tempos. Principalmente na minha capacidade de não dormir e no meu metabolismo abençoado. Faz tanto tempo que nem me lembro de ser eu. Hoje eu sinto uma falta física de ficar em casa. Sozinha em casa. Gosto do acolhimento. Da sensação de fechar a porta e então, finalmente, poder começar a pensar e ser eu. Adoro a acústica da música clássica reverberando pela sala. De afofar as almofadas. Ir até a geladeira para encher o copo de vinho. Gosto de deitar na cama cedo e ficar lendo um livro até cair no sono. Depois de acordar e permanecer acordada na cama. Sentindo a textura dos lençóis. Ouvindo as notícias na TV. Gosto de café na cama. De ler o jornal ainda de pijama. Depois descer e esticar meu mat na sala, e meditar até sentir câimbras. Gosto de descobrir coisas que só fazem sentido para mim. E ir buscar no escritório alguma explicação. Me perder em notas até esquecer o que mesmo eu procurava. Gosto de calça de moleton. Salada de salmão defumado feita de improviso. De deixar o fogão respingado de café. Gosto de desistir de qualquer programa que me obrigue a sair de casa. Eu sei. É horrível. Mas eu gosto. Adoro pular fora na última hora.  Andei por muito tempo por aí para saber que não existe nada de muito incrível na rua acontecendo que não pudesse estar acontecendo dentro de mim mesma. Acho que o segredo é que eu gosto da minha própria companhia, então ficar sozinha para mim é um grande prazer. Não que eu despreze a companhia dos meus amigos. Sou uma garota de sorte, cheia de amigos muito legais. Mas a maravilha e a completude de estar consigo, é insuperável na minha opinião. A segurança de se saber completa, inteira. Autônoma. São todas palavras tão lindas. Eu gosto. Eu sei que eu devia aproveitar a vida, aproveitar a cidade maravilhosa em que eu moro. Eu sei que eu devia um monte de coisas. Mas no final do dia não importa muito o que eu devia fazer, e sim o que eu gosto. Então acho que essa seja a resposta. Abri um Chardonnay e fiz questão de silêncio. Porque eu gosto. E esse é o tipo de motivo para o qual não temos argumentos.                                       

segunda-feira, 25 de julho de 2011

RETRATO


Tem um poema da Cecília Meireles que eu gosto muito.

"Eu não tinha este rosto de hoje, 
assim calmo, assim triste, assim magro, 
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força, 
tão paradas e frias e mortas; 
eu não tinha este coração que nem se mostra. 
Eu não dei por esta mudança, 
tão simples, tão certa, tão fácil: 
Em que espelho ficou perdida a minha face?"

Quando eu era adolescente a professora de literatura promovia recitais de poesia na escola. Eu e minhas amigas nos acabavam em Cecília, Vinícius, Drummond, Augusto dos Anjos... Tantos e tantos outros. Lembro de muitas poesias até hoje. Ontem à noite, já alta madrugada, quando eu finalmente terminei de preparar uma apresentação, uma reunião e todo o conteúdo da semana de um dos meus clientes, já eram 3h30 da manhã. Eu passei o final de semana em um esquema bem caseiro. Ontem nem botei o nariz para fora de casa! Nem uma gota de álcool. Nada. Mas lá estava eu acabada. Juro. Eu sentia como se tivesse tomado uma surra. Minhas articulações doíam. Meu globo ocular doía. Eu mal conseguia combater o sono, que por tantos anos era um acessório descartável. O sono que por tantos anos eu perseguia em noites de insônia. Então lá estava eu, saindo do banho no meio da madrugada. Espancada de fazer o que alguns anos atrás não era nada. Subi na balança e descobri que meu peso estava maior também. Como pode??? Eu malho, eu faço dieta. Nunca foi tão difícil perder peso como agora. Afinal o que é isso, hein? O que está acontecendo? Minha audição anda falha. Eu esqueço o nome das coisas. Eu esqueço o nome das pessoas! Então veio inteira na minha mente. Olhando no espelho. “Eu não tinha esse rosto de hoje”. Aposto que Cecília estava tentando perder peso, se matando de trabalhar e sem flexibilidade nenhuma na aula de ballet quando escreveu essa poesia.
Então vai ser assim? Eu estou entrando no meu inferno astral em 10 minutos. Contagem regressiva para fazer 35 anos. Assumindo oficialmente que, talvez, tenha alguma poesia em envelhecer.

domingo, 24 de julho de 2011

REHAB

Eu fiquei muito triste hoje com a notícia da morte da Amy. Eu estava organizando meus livros em ordem alfabética na minha estante nova, quando ouvi no rádio. Morte anunciada. Todo mundo sabia que era questão de tempo que algo assim acontecesse. É como parente velhinho. A gente sabe que vai a qualquer momento, mas quando vai... É triste. Ver alguém tão talentoso ter uma morte idiota. Eu acho que todo mundo deveria morrer dormindo. Velhinho. Cansado, cheio de lembranças. Rodeado de gente. Cheio de amor. Eu sou caretinha, tradicional. Para mim as pessoas deviam nascer, crescer, se reproduzir e morrer. Daí quando o script é outro eu sinto pela pessoa. A Amy era uma garota com um dom incrível. A primeira vez que ouvi o CD dela foi um alívio. Um frescor no meio de uma geração que parecia afundar em fórmulas comerciais e medíocres. Então tinha essa garota cantando com o útero na voz, e isso é bonito, né!? É algo que me emociona. Mas essa garota devia ter vivido mais amor, ter construído uma família. Ela devia ter visto seus filhos crescerem e descobrirem o mundo. Ela devia ter envelhecido até ver a nova geração se reproduzir. E descobrir a maturidade. As limitações naturais do corpo. O desafio de envelhecer. Devia ter acumulado sabedoria e multiplicado sua obra. É isso que as pessoas deviam fazer. Não apenas ela, que era famosa e por isso mais exposta. Mas eu acho que todo mundo devia fazer isso. Porque eu acho que o maior barato da vida é passar de cabo a rabo, e experimentar cada etapa da jornada. Refeição completa. Aperitivo, couvert, entrada, três pratos harmonizados com vinho, sobremesa, licor e café. Eu acho que todo mundo tem talentos extraordinários. Mesmo que nunca ganhe um Grammy por isso. E ver qualquer pessoa desperdiçando a vida me deixa triste. Eu nunca entendo que tipo de sofrimento faz com que as pessoas queiram passar mais tempo anestesiadas por drogas do que de olhos bem abertos vivendo tudo. Mas a gente nunca vai saber o que é estar na pele daquela que precisa se anestesiar. É engraçado isso. Tanta gente querendo ser extraordinário na vida, mas parece que os mais “extraordinários” são aqueles que mais sentem necessidade de não sentir nada. Hoje eu trabalhei, levei meus sobrinhos na Feirinha da Benedito Calixto, comi em barraquinha com amigos queridos, inaugurei minha máquina de café nova. Então eu fui à padaria, comprei pão, leite e manteiga. Sentei com o Ozzie e ficamos horas conspirando sobre nossa pequena empresa. Cozinhei, limpei a cozinha, lavei roupa. Já meio tarde da noite, eu sentei na sala e assisti a novela que estava gravada. Mandei email para o meu príncipe, e quando eu já estava tomando banho, me flagrei pensando “Como eu gosto da minha vida como ela é hoje”. Simples assim. Comum. Cotidiana. Sem grandes eventos sociais. Sem acontecimento de mudar o curso da história. Gosto de saber que minha vida não é extraordinária. Que eu não vou revolucionar nada, nem sair na capa da revista, nem ganhar um Grammy. Gosto de pensar em reciclar o lixo, em procurar o fecho do brinco que caiu no chão, na taxa de colesterol. Não sei se isso me livra de ser encontrada no chão da sala com overdose algum dia, mas com certeza é uma vida que não me faz ter vontade alguma de me anestesiar. É uma vida inteira. De verdade. Ser humana, estar viva, já é algo extraordinário o suficiente para mim. Durante muito tempo eu tive tanto medo de ser comum que não prestava atenção na parte mais extraordinária da vida. Aquela em que nós apenas somos. Eu fico triste que a Amy não tenha conseguido enxergar isso. Não apenas a cantora excepcional (que talvez tenhamos que esperar uns 30 anos para surgir outra igual), mas o ser humano com um potencial ilimitado de amor que todos somos. Como eu disse, é muito triste ver alguém tão talentoso ter uma morte idiota. Eu escolhi viver minha vida comum, cheia de talento, na esperança de encontrar a morte dormindo, velhinha, de forma extraordinária.


Que loucura! Faz dois meses que não passo por aqui...
Andei cuidando de algumas partes de mim, e esse blog sempre foi um prazer. Nunca uma obrigação.