terça-feira, 30 de dezembro de 2014

CPF NA NOTA?

Já repararam nos atendentes de caixa das lojas? 
Eles perguntam se queremos Nota Fiscal Paulista, e daí ficam parados, com a mão no teclado, olhando para a nossa cara, esperando o número do CPF. 
Eu sempre fico tensa quando isso acontece. A pessoa fica te olhando como se fosse um duelo. Só esperando para ver quem saca a arma primeiro. 
Então eu começo a falar os números. A pessoa digita rapidamente, sem tirar os olhos de mim. Tipo, tenso! Só dá para ouvir o "tec tec" no teclado. Aqueles dedos super ágeis, e a pessoa nem olhou para baixo um segundo. Ela quer que você saiba que ela pode fazer aquilo de olhos fechados.
Eu começo a gaguejar. "1... er, meia... 4...". A pessoa bufa. Eu gaguejo muito devagar para a velocidade de digitação. E não dá nem para piscar. O caixa está lá, olhando fundo nos seus olhos. Nada de sorriso, nada de nada. Só aquela exibição pública de destreza.
Eu fico nervosa. Não gosto de gente que eu não conheço me encarando. Na verdade eu não gosto de gente que eu não conheço, ponto. E sinto um incomodo gigantesco com intimidade.
Então eu falo o restante dos números bem rapidinho, sem respirar, quase sem fôlego, só para acabar logo com aquilo. E depois fico repassando mentalmente para ver se dei meu CPF corretamente, ou se dei o número de telefone. Confundo os dois o tempo todo.
Eu prefiro quando as pessoas olham para o teclado. Ou para o celular. Ou para um espaço vazio além da minha cabeça. Tenho um problemão com gente olhando para mim. Mas acredito que isso faça parte de algum ritual sádico ao qual os atendentes de caixa se permitam. Algo que eu faria também se fosse eles. Só para experimentar ver quanto tempo as pessoas demoram para olhar para o outro lado.

sábado, 27 de dezembro de 2014

SÁBADO


Há 10 dias eu recebi uma notícia que virou minha vida de cabeça para baixo. Uma notícia maravilhosa, coisa que eu estava esperando e torcendo para acontecer. Mas ainda assim, tirou o chão de baixo. Com um email todos os meus planos recentes, meus projetos, tiveram que ser deletados e eu precisei tomar fôlego e reestruturar totalmente minha vida. Na verdade eu tomei um porre de tequila e não fôlego. Troquei o dia pela noite, parei de malhar, comi um monte de porcaria, fumei. Baguncei completamente a minha rotina, porque não fazia ideia de por onde começar o tanto de mudança que vou ter que fazer na minha vida. Agora acalmou. Caiu a ficha de que um ciclo se fechou. Foi um ciclo maravilhoso. Voltar para São Paulo, construir uma nova carreira, reencontrar um círculo social. Os primeiros anos foram bem difíceis. Me senti muito solitária, um pouco desgostosa com a vida. Depois vieram algumas provações, problemas de saúde, corações partidos. Esse ano foi o encerramento de um ciclo extremamente dolorido. Fechei questões que me acompanham desde que nasci e, pela primeira vez na vida, me senti livre. Esse ano cumpri um dos meus karmas, e dá um alívio danado conseguir isso. Agora me preparo para um novo ciclo, uma nova vida, um novo sonho. Estou empolgada e feliz como não me sentia desde a adolescência e entrei na faculdade de cinema. Passei a fase do medo. Resisti à tentação de ceder à minha vontade de controlar o mundo, e estou aceitando as etapas desse processo como elas se apresentam. Até por isso hoje acordei às 12h30, demorei na cama jogando poker no celular, desci de calcinha e passei o dia em frente à TV vendo filmes no Netflix e comendo frutas da geladeira. Mentira. Comi uma caixa de chocolate também. O que também é bom. Sinto falta da minha rotina, de reencontrar meu equilíbrio. Mas ele volta, naturalmente. Ainda tenho muitas estruturas para destruir antes de começar meu novo ciclo. Uma nova rotina para construir depois. Faz parte. A vida é feita dessas coisas. Dos começos e finais de ciclos, das coisas que perdemos e desconstruímos para que possamos iniciar sempre novas coisas. Não dá para saber onde a vida vai nos levar. Eu torço, faço minhas apostas, mas no final do dia são escolhas e merecimento. Nem que de vez em quanto eu só queira merecer terminar um dia preguiçoso com vinho, deitada na minha cama com a janela do quarto aberto, pensando que o calor todo do verão (que também eu não controlo agora), será uma grande saudades em breve. 

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

DAS PEQUENAS OPRESSÕES QUE A GENTE NEM SABE QUE SOFRE


Eu, em toda minha meiguice...

Tem uma cena no livro “Comer, Rezar, Amar” da Elizabeth Gilbert, em que ela está na Índia e resolve fazer um voto de silêncio. Ela não quer ser mais a pessoa tagarela, que não para quieta e está sempre envolvida em tudo. Ela quer ser a pessoa plácida e contemplativa no fundo da sala, que nada fala e só observa tudo com sabedoria. Seu projeto de fazer voto de silêncio vai por água abaixo porque em seguida ela é escalada para ser a representante de acolhimento de uma nova leva de pessoas que chegavam para o retiro. Uma função que exige toda sua comunicação e tagarelice. O que ela aprende com isso é que o Universo tem um plano para você, do jeitinho que você é. 

Eu me identifiquei tanto com essa cena! Minha vida inteira oscilei entre minha personalidade forte e espaçosa, e um desejo de controle, de me transformar em uma pessoa contida, recatada, sutil. Em me transformar em alguém que eu não sou. Eu nunca vou ser a garota silenciosa no fundo da sala. 

Nas últimas semanas ando pensando muito sobre pequenas cobranças que sofro na rotina de relacionamentos que tenho. É muito comum ouvir de algum amigo, ou colega, ou familiar; sempre pessoas muito bem intencionadas e que são movidas por um desejo genuíno de me ver bem: “Adriana, você é muito tagarela!”, “Você tem que ser mais delicada”, “Você não pode ser assim. Assusta as pessoas.”, “Adriana, você é meio barraqueira.”. 
Quer saber se eu falo muito? Falo, quando estou feliz e em um ambiente que me sinto segura, falo pra caramba. 
Se eu sou barraqueira? Não, não sou. Na verdade tenho horror à escândalos. 
Se eu saio por aí agredindo as pessoas? Não, não saio. 
Agora, quer saber se eu sou uma garota de fala mansa, com opiniões diplomáticas e controladas e que se esforça para conquistar a aprovação e o carinho de todo mundo? Também não, não sou. 

Eu sou uma garota espaçosa. Tenho essa sede, essa gana de vida que aspiro todo o ar à minha volta. Falo, penso, conto história, questiono. Tenho uma sinceridade cortante que costuma pegar as pessoas de surpresa, e nenhum problema em ser contraditória. Não tenho medo de polêmica e acho um tesão quando tem gente discordando. Se eu discordo, vou discordar de verdade. Não largo a coisa no meio do caminho só para fazer a fofa. Não sou do tipo que coloca panos quentes para mudar o assunto para o clima no final de semana e pedir mais uma taça de chardonnay. Eu demorei muito tempo (muito mesmo) para aprender que, para a maioria das pessoas, não é legal ser assim como eu sou. Invariavelmente alguém vai dizer que isso incomoda, que é desagradável. Que “você é uma menina tão bonita”, as pessoas gostariam mais de mim se eu não fizesse isso. E, sabe? Isso é bem desconcertante. Porque geralmente esses comportamentos são pontuados quando você está se sentindo mais inteira, mais autêntica. Acabam sendo um balde de água fria. E daí dá um sentimento bem ruim quando dizem essas coisas. Eu me sinto culpada, inadequada. E dá vontade de fazer voto de silêncio e ficar quietinha no fundo da sala. 

Comecei a perceber que de certa forma era isso que eu fazia. Me fechava na ostra, fugia do mundo. Passava a achar as relações humanas difíceis e sofríveis. Afundava por alguns dias no sofá, até tentar sair novamente. Ficava por um tempo controlando meus gestos, minhas palavras, minhas expressões. Repetia tudo o que eu dizia mentalmente para ver se não tinha nada ali que pudesse assustar as pessoas, que pudesse fazer de mim uma pessoa horrível. Depois de um tempo, relaxava. E voltava a ser um vulcão. 

A ideia de que uma mulher tenha um conjunto de gestos de conduta que ela deva seguir para ser agradável para a sociedade é tão opressora quanto tantas outras formas físicas de submissão. Quando se cobra de alguém que ela seja mais delicada, mais feminina, mais suave (como alguma personagem de Downtown Abbey), está se castrando o selfie dessa pessoa, sua maior essência.

Claro, existem habilidade sociais, educação, gentileza. Essas são coisas que devem sim ser cobradas e incentivadas. São muito bem-vindas e necessárias. Não estou falando disso. Estou falando de personalidade. Eu demorei muitos anos para entender que, se uma pessoa se assusta com minha sinceridade, é ela quem está assustada e eu não tenho nada a ver com isso. Se uma pessoa se choca com minha espontaneidade, o problema é dela e eu não tenho nada a ver com isso. Principalmente, se uma pessoa me sugere ser mais contida e delicada, ela está oprimindo as coisas que fazem de mim quem sou. 

Lembrei de um velhinho japonês que lia mão na Liberdade uma vez, e me disse que eu não me casaria porque eu tinha a boca muito grande. Que homem não gostava de boca muito grande. Que eu devia ficar de boca fechada para arrumar um homem. Acho que talvez o velhinho esteja certo. Talvez ainda tenhamos uma sociedade em que a maioria dos homens não estejam preparados para alguém como eu sou, e para esses seja necessário esconder isso. Mas exatamente por ser quem eu sou, eu prefiro ficar sozinha a ter que fechar a boca para atender expectativas. As mulheres também. Talvez de tanto ouvirem que devem falar menos, ter menos opinião e serem mais delicadas, nem percebem que estão reproduzindo comigo as opressões que sofreram. 


Eu acredito que o Universo tem um plano para mim, do jeitinho que eu sou. Um pouco espalhafatosa, faladeira, cheia de opinião. É assim que eu sou. Por favor, não me peça para ser mais delicada,  mais contida. Não me peça para ser a pessoa plácida e contemplativa no fundo da sala, que nada fala e só observa tudo com sabedoria. Não me peça para ser menos do que eu sou. É agressivo, e atrapalha os planos do Universo para mim.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A TRILHA INCA


Eu fiz. Eu consegui. Eu sobrevivi à Trilha Inca. Acho “sobreviver” um verbo adequado para a experiência. Não foi nenhum passeio no shopping. A trilha é puxada e exige muito, não apenas fisicamente, mas principalmente psicológicamente. Vale à pena? Muito! Muito mesmo! É uma peregrinação transformadora, e por mais que eu tivesse me preparado anos para fazer esse caminho, nada me preparou para o que ele realmente é. 

Ainda estou assimilando a experiência. Cheguei ontem à noite de Machu Picchu e hoje cedinho entrei em um ônibus que ficou 10 horas na estrada até chegar em Puno. Estou mancando e não consigo descer escadas sem parecer que fui atropelada. Foram 4 dias, mas a sensação que eu tenho é de uma vida inteira. Impossível passar por isso sem sair transformado. 

Em síntese: São 4 dias de trilha. Os Incas utilizavam várias trilhas na região, mas essa é considerada a mais sagrada, e é a única que chega diretamente em Machu Picchu. Por isso recebe o nome de Trilha Real (ou Royal Trail). Ao longo da trilha vamos cruzando vilarejos e ruínas de templos estrategicamente construídos e que comprovam a teoria de que o caminho era usado como uma forma de peregrinação religiosa até Machu Picchu. E peregrinação nesse sentido tem tudo a ver com merecimento. A trilha é uma prova de fogo. São 43Km, repleto de escadarias de pedras irregulares e altitudes que variam dos 2600m aos 4215m. A trilha é bem controlada, e por isso também é segura. Cada dia de caminhada passa por um posto de controle, onde eles checam o nome e passaporte de cada pessoa que foi dado no momento da reserva (no meu caso, em abril desse ano). São permitidas apenas 500 pessoas na trilha por dia. Isso incluindo carregadores e guias. Para vocês terem uma ideia, meu grupo tinha 15 pessoas, 2 guias e 19 carregadores, incluindo um cozinheiro. O trabalho deles é impressionante e seria totalmente impossível realizar essa trilha sem eles. A estrutura dos carregadores e o papel deles na trilha merece um post à parte. Foi uma das coisas mais impressionantes e surpreendentes que testemunhei.

O começo da trilha. Nosso grupo em sua primeira foto de família. 


O primeiro dia é o mais tranquilo. Parte-se de Ollantaytambo à 2600m, um caminho agradável, repleto de vegetação, sem muita exigência e com poucos trechos íngremes. Ainda assim, são 12Km e acampamos à 3000m de altura. A altitude já faz o fôlego ficar bem curto, e apresenta algum mal-estar. No caminho vimos nossa primeira ruína, de pedras polidas e construída com precisão astronômica como tudo o que os Incas fizeram. Nesse caminho ainda encontramos vários povoados, quechuas vendendo água e gatorade, animais e plantações. 

Wilfredo, nosso maravilhoso guia, apresentando a super equipe de carregadores e cozinheiros que possibilitaram que a gente fizesse a trilha. Gratidão eterna a cada um deles. 


O segundo dia é a prova de fogo, e é o dia também em que muita gente desiste da trilha. Acordamos às 4h30. Os nossos guias são tão gentis que nos levam chá quentinho na barraca na hora de acordar. Tomamos café, empacotamos e caímos na trilha. O desafio hoje é fazer 12Km, subir 1215m, e depois descer 600m para o acampamento. Então o que nos espera são longos trechos de subida acentuada e um ar cada vez mais rarefeito. Até a hora do nosso segundo café da manhã, que foi na última vila habitada da trilha por vota das 10h da manhã, o caminho estava puxado, mas administrável. Depois dessa pausa foram 2h30 de subida íngreme em uma escadaria de pedras irregulares até chegar à “Passagem da Mulher Morta” (nome dado por causa de uma lenda andina. Alguém carregadores dizem que encontraram o corpo de uma mulher morta uma vez à noite nesse pico, e quando o socorro foi resgatá-la, ela tinha desaparecido. Hoje eles acreditam que ela vaga à noite pelos acampamentos atrás do homem ideal.), que fica à 4215m. Só para ter uma comparação, o Pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil, tem 2994m. Esse foi o trecho mais desafiador. Fisicamente eu achei que ia morrer. Sentia meu coração na boca e qualquer movimento exigia todo o ar dos meus pulmões. Psicológicamente, toda sua vida passa em sua mente. Amaldiçoei os Incas, me questionei porque estava fazendo aquilo, duvidei, chorei, ri, briguei muito com os degraus. Foi o momento que me caiu a ficha que essa não era só uma aventura na montanha, um passeio para fazer aos finais de semana. Foi quando me dei conta de que essa é uma jornada espiritual. Quando pisei no summit percebi que não tinha como voltar atrás. Agora era ir até o fim. Depois disso ainda descemos 1h e 600m de escadarias íngremes e escorregadias até o acampamento, onde almoçamos. O resto do dia foi de cochilos e recuperação. 

A conquista da "Passagem da Mulher Morta". 4215m e toda minha capacidade de superação.


O terceiro dia foi lindo. Acordamos mais cedo ainda, às 4h20, para evitar filas no posto de controle. Todos os músculos da minha perna doíam. A panturrilha, o extensor, o quadríceps, os glúteos. Muita dor nos ombros também, pelo esforço feito com os bastões de hiking (que, aliás, são imprescindíveis.). A dor fez o ritmo fica mais lento. O terceiro dia é o mais longo. 15Km, mas a variação de altitude não era tanta. Subimos um pouco, mas descemos de novo para acampar nos mesmos 3600m do segundo dia. Esse é o dia com mais ruínas para explorar no caminho, cavernas, túneis de vegetação, montanhas cobertas de neve e lagos de água cristalina que aparecem no meio do nada. Lindo! Esse foi o dia em que aprendi a parar de brigar com o caminho. Aceitei a dor. Aceitei a irregularidade das pedras. Aceitei um ritmo mais lento. Aceitei, simplesmente. Depois do almoço caiu um temporal, e tivemos que descer até o acampamento embaixo de chuva pesada. Foi intenso. As pedras deslizavam, a água ensopava tudo. Os carregadores passavam voando em nossa volta e eu me sentia totalmente insignificante no meio daquela natureza. Acalmou apenas quando chegamos nos terraços da última ruína, perto do acampamento. Eu estava febril e vomitando, mas não de um jeito que me nocauteasse. Era como se os Incas estivessem me forjando para merecer Machu Picchu. Tomei remédios, me sequei, meditei. Pedi que fizesse um dia perfeito. Que a febre passasse. Que estivesse muito Sol. E que eu conseguisse chegar.

Em uma das ruínas pelas quais passamos no terceiro dia. Cada conversa, cada descoberta, mais e mais surpreendida com os Incas.

O quarto dia já é uma benção só por se chegar à ele. Acordamos às 3h30, a febre tinha passado. A fila do posto de controle já estava grande. Foi o caminho mais agradável de todos. Gentil e suave, como se os Incas me dissessem: “Muito bem! Passou no teste!”. Foram 1200m de descida em apenas 5Km de trilha. Fomos vendo o dia amanhecendo, as nuvens subindo para o céu. Quando chegamos ao Portal do Sol, ele também surgiu brilhante em um céu lindo, azul e imaculado. Os Incas tinham me ouvido. Subi as últimas escadarias, passei pelas colunas de pedra do Portal e, lá estava ela! Machu Picchu!!! A cidade perdida dos Incas. Deslumbrante no meio das montanhas. Parecendo estar intocada desde sempre, esperando que a gente chegasse a ela. É uma emoção indescritível. Ri. Chorei. Senti todo o ar do mundo voltar aos meus pulmões.

A conquista de Machu Picchu!


Uma opinião unânime entre meu grupo foi que ficou muito difícil imaginar chegar à Machu Picchu sem passar pela trilha, sem avistá-la do Portal do Sol. Mais ainda, enquanto arrastávamos nossos corpos sujos e machucados, cruzando com uma infinidade de turistas que chegavam arrumadinhos de ônibus, sentimos que havia algo deslocado. Peregrinar por 4 dias até chegar em Machu Picchu me deu pertencimento. É como uma cicatriz que vai ficar eternamente em mim. Machu Picchu me pertence. Eu a conquistei. Você pode visitar Machu Picchu mil vezes, você pode fazer fotos, decorar guias. Mas só tem uma forma de fazer com que ela se torne parte de você. E isso aconteceu nos outros 3 dias. 


domingo, 16 de novembro de 2014

CUSCO


Cheguei em Cusco no sábado. Não precisa ser muito inteligente para saber que Lima é uma bolha no Peru, e o verdadeiro país iria se mostrar conforme eu fosse me afastando da capital. Cusco é isso. Tudo o que se imagina de Peru e mais um pouco. Muito turística, obviamente, mas logo se nota porque essa cidade há 3.600m de altura era considerada pelos Incas o umbigo do mundo. Dá mesmo a sensação de estar no topo dele. A cidade vive do turismo, e por isso é bem segura. Claro que batedores de carteira podem se aproveitar de turistas desavisados, mas a cidade é bem segura para circular, andar com a câmera pendurada no pescoço, fazer cara de gringa pelas esquinas tentando se localizar no mapa. À noite também uma paz. Circulei bastante sozinha, virando esquinas só para ver onde dava e a sensação de segurança pode ser cortada com uma faca. 

A cidade gira em torno da Plaza de Armas. Uma pequena jóia cercada por duas igrejas estonteantes, e de onde se pode ver subir ao horizonte o contorno das montanhas coalhadas de casas, torres e um céu lindo. Tudo tem cara de estar pedindo uma foto. Como toda cidade turística, o assédio é exaustivo. Nas ruas mais movimentadas tentam te vender de tudo. Pinturas, massagens, tours para Machu Picchu, passeios à cavalo, aulas de espanhol, câmbio de dólares, city tour, restaurantes. Há também quechuas paramentadas com roupas típicas, carregando filhotes de lhamas e alpacas e pedindo trocados para tirar fotos. Os filhotes de alpacas são as coisas mais fofas do mundo. Juro que se fosse permitido, levava uma para casa. As melhores agências não são as oferecidas em hotéis, ou nas casas ao redor da Plaza (que vendem ponchos, botas de hiking, Inka Cola, selos postais, câmbio de dólares, revelações de fotos e pacotes turísticos. Tudo ao mesmo tempo agora.)

É legal pesquisar na internet as empresas com tratamento ético de guias antes de sair fechando pacote com o primeiro que aparece. Existe muita exploração dos guias e portadores na região. Acho legal assumir a parcela de responsabilidade sobre o impacto da sua visita ao lugar. O roteiro da trilha Inca que vou fazer fechei no começo do ano depois de pesquisar umas 5 empresas diferentes, todas certificadas. A trilha clássica é controlada e é impossível fazer na última hora. São 4 dias de caminhada, subindo e descendo as montanhas, para ser presenteada ao final com Machu Picchu e um joelho detonado. 

A empresa que contratei foi a Peru Treks. Até agora, impecáveis. O briefing e a preparação que fazem é super detalhista e perfeccionista. No sábado fui até o escritório deles, conheci os guias, recebi um briefing completo dos quatro dias e orientação sobre a preparação. Depois tirei esses dias para descansar, me habituar à altitude e preparar os últimos detalhes para a trilha. Água, snacks, baterias, sistema de purificação de água e remédios para altitude e diarréia. Normalmente não tenho problemas com intoxicação alimentar, mas a água no Peru é um problema, e mesmo purificando, nunca se sabe. 

O pacote contratado inclui cozinheiro e alimentação em todo o percurso, tickets de entrada em Machu Pichu, trem de volta para Águas Calientes e transfer de ida e volta para Cusco. Passei o dia hoje tentando trocar dinheiro para levar. Troco é uma dificuldade  no Peru. Algumas vezes as pessoas preferiam não fazer a venda por não ter como fazer troco. Para a trilha, aconselha-se levar cerca de S/300-400, que serve para tudo. Gorjetas dos guias e portadores, compra de água, snacks, café da manhã em Ollantaytambo antes de começar a trilha, almoço no último dia, souvenirs e até uma massagem ao final da trilha em Águas Calientes para se recuperar. 

Vou confessar que ver o tanto de coisas que tem para se fazer nas redondezas em deu uma vontade danada de sair igual a uma louca, fazendo trilhas, SUP, yoga, andando de quadriciclos, cavalos, mountain bike. É muita coisa para se fazer. Mas é preciso ter foco. De nada adianta tentar fazer tudo e depois não conseguir terminar a trilha, meu grande sonho. Então peguei leve. Muito tempo descansando. Passeios leves. Muitas fotos. Nenhuma invenção gastronômica. Hoje à noite fiquei no hotel. Tomei um longo banho de banheira, assisti um filme na TV, arrumei a mochila. Afinal, vão ser 4 dias sem banho, sem cama e de muito esforço físico. 


O hotel que escolhi é ótimo. Estou bem feliz com a escolha. É uma rede peruana chamada Tierra Viva. Quarto espaçoso, confortável. Lençóis e toalhas macios e impecáveis. O serviço é super atencioso. E eles começam a servir o café da manhã às 5h! O que significa que eu vou ter uma “última refeição” bem servida amanhã cedinho, antes de partir às 5h20. É isso. Amanhã às 5h20 começo a famosa Trilha Inca. Durante 4 dias vou percorrer 44Km, chegando à 4600m de altura. Nada de computador, nada de internet, obviamente. Dizem que é a experiência de uma vida. Não vejo a hora de começar. 

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

LIMA, DE UMA VEZ


Hoje estou encerrando minha pequena temporada na capital peruana. Surpreendida positivamente com a cidade, as pessoas, a atmosfera. Antes de seguir viagem para Cusco, vamos a um post grandão com tudo sobre Lima.


BAIRROS


Eu, nas ruínas de Huaca Pucclana. Um sítio arquiológico bem no meio da cidade. 

Bonecos ilustrando como o espaço era usado nas ruínas.

Lima é uma metrópole, que cresce vertiginosamente. Uma cidade bem espalhada, com gente e carros para todos os lados, e você não vai (nem quer) conhecer cada cantinho para conhecer Lima. O importante é se concentrar onde estão as atrações e onde se pode ler melhor a cidade, como fazemos em qualquer cidade cosmopolita. 




Miraflores é o bairro mais central, não geograficamente, mas da vida urbana de Lima. É onde se concentram a maior parte dos hotéis e restaurantes. Muitas casas de câmbio, embaixadas e consulados, lojas, escolas, empresas, tudo o que você precisa. É de longe o bairro mais conveniente de Lima, e de fácil acesso para tudo o mais que você quiser visitar. Abundância de taxis e transporte, mas não é um bairro charmoso em si. Exatamente por ser tão central, concentra um fluxo intenso de pessoas de todas as partes de Lima, turistas, gringos e vendedores. É em Miraflores que fica uma das melhores atrações de Lima: Huaca Pucclana. Uma pirâmide pré-inca utilizada como centro de rituais religiosos e cerimônias funerárias. O passeio é muito legal. Os peruanos tem uma coisa de ilustrar os sítios arqueológicos então colocam bonecos e réplicas para encenar os hábitos e costumes da época no lugar. O tour dura pouco mais de 1 hora, os guias são muito bem informados e parecem gostar muito do que fazem. Tem até uma horta e criadoro de animais para exemplificar a dieta dos povos que viviam ali. Vi cuys, lhamas e o raro cão sem pelo peruano. Acho fascinante estar em um sítio arqueológico vivo. Ao mesmo tempo que você vê um grupo de crianças uniformizadas subir a pirâmide em excursão, do outro lado há uma barraca com arqueólogos ainda trabalhando nas escavações. No pequeno museu há até uma múmia. De frente para as escavações funciona um restaurante bem sofisticado. Pode-se jantar olhando as ruínas iluminadas. Descendo até o mar, tem um calçadão sobre as falésias de onde se pode saltar de parapente também. As pessoas sobrevoam os carros congestionados no final do dia.

Salão do Malabar. Sofisticado e maravilhoso.


San Isidro é o bairro mais sofisticado de Lima. Casarões, prédios de luxo, lojas de grife e restaurantes requintadíssimos. Tem algumas amostras interessantes de arquitetura, praças muito charmosas e bem cuidadas, e um enorme golf club. Ótimo para bater pernas, tomar um café em alguma das cafeterias chics e terminar o dia no Malabar, por exemplo, e ter uma super experiência gastronômica. 

Praça central de Pueblo Libre. 

Pueblo Libre é o bairro do Museu Larco, do qual já falei no post abaixo. Um bairro de classe média, legal para sentir como é a vida do limenho médio. Muitas escolas, comércio e opções de restaurantes legais e baratos. Só a “caça ao tesouro” entre um museu e outro já vale a diversão de um dia inteiro. 

Entrada do Bairro Chino. 



O Centro é o lugar de Lima onde se pode sentir mais o período colonial e a influência arquitetônica espanhola. É onde fica também a sede do governo peruano. Um tanto decadente e bem perigoso, tomando os devidos cuidados é um bairro bem interessante. Aqui você vai encontrar o peruano de verdade, o povo que batalha, trabalha e pega as conduções lotadas. Restaurantes simples e baratos, lojas populares, prédios decadentes e pequenas jóias históricas esquecidas entre placas de promoções de roupas chinesas e autofalantes de músicas duvidosas. O fluxo de pessoas é intenso. As duas praças principais são vestígios de um tempo em que Lima foi a capital espanhola da América Latina, e tem troca de guarda em frente ao palácio do Governo todos os dias às 12h. Não dá para ficar explorando as ruas aleatoriamente. Saindo das vias mais turísticas, o centro pode ser bem violento. Ficam ali perto o MALI, Museu de Arte de Lima, com exposições temporárias de arte peruana e um café/restaurante bem charmoso e barato. E o imperdível Museu da Inquisição, ao lado do Congresso. É um casarão onde funcionava a inquisição espanhola. O tour conta a história, anda pelas catacumbas onde (de novo) bonequinhos ilustram pagãos sendo torturados. Divertidíssimo! Vale também entrar no Barrío Chino, a Chinatown limenha. Como uma 25 de março apinhada em véspera de Natal, as ruas são fechadas para carros e o mar de pessoas circulam entre lojas baratas, camelôs e restaurantes tradicionais e generosos. Comi maravilhosamente ao lado de um aquário que exibia o Nemo, a Dory e dois peixes-leões. 

Tortura ilustrada com bonequinhos no Museu da Inquisição.

Ainda, bem perto de Miraflores, mas sem entrar muito no bairro, vale um pulo em Surquillo para visitar o Mercado. Flores, frutas, grãos e pedaços de animais pendurados ficam em barraquinhas ao redor desse pequeno mercado. Pode comer ceviche fresco feito com peixes e frutos do mar que você escolhe na hora na banca, e comprar frutas que as mulheres descascam e vendem em sacos. Paguei R$2 por meio quilo de morangos muito doces. Tentaram me vender corações de alcachofra também, limpinhos e cortados. 

Mercado de Surquillo.

Abaixo de San Isidro, caminhando em direção da praia, fica Magdalena del Mar. Não há nada nesse bairro para ver, mas eu me arrependi de não ter ido todos os dias tomar café da manhã na El Pain de la Chola. Uma padaria super modernosa e descolada. Fazem pães integrais de casca dura e fermentação natural e servem cafés orgânicos amazonenses com técnica barista perfeita e de latte arte. O público é alternativo, muita gente descolada, muitas bikes, roupas de ginástica, computadores e kindles. Dá para sentar nas mesas e escrever um livro inteiro. 


Amor à primeira vista pelo El Pan de la Chola!


Por último, mas não menos importante, o meu favorito bairro: Barranco. Se eu voltar a Lima um dia, esse seria o bairro que eu escolheria para me hospedar. Cheio de restaurantes alternativos e galerias de arte adaptadas em antigos casarões, o bairro é um charme e uma atração por si só. As ruelinhas tem um ar de balneário mediterrâneo. Muitas escolas de arte, teatros, música ao vivo e livrarias. Ah, gente linda para todos os lados. 

O fofo bairro de Barranco. Cara de baneário mediterrâneo. 

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

TRÊS TAXISTAS


Taxista #1

Ele era todo sorrisos. Disputava os turistas na saída do desembarque no aeroporto. De empresa credenciada. Crachá no pescoço. Terno e gravata. Carro executivo, em excelente estado. Me alertou dos roubos nos faróis e guardou toda minha bagagem no bagageiro. Bancos de couro, mas nada de ar condicionado. Logo puxou conversa, simpático. Qual era meu nome. O que me trazia à Lima. De onde eu era. “AH, Brasil!”. Acha que os brasileiros e os peruanos são parecidos. São povos alegres. Me perguntou do calor e do carnaval. “É uma festa muito erótica, muito sexual, não é mesmo?”. Respondi que não sabia. “Não gosta de carnaval?”. Não. “Mas achei que toda brasileira se fantasiasse, soubesse dançar o samba”. Não. Não sei. Fechei a cara, abri meu livro e encerrei o papo.

Taxista #2

Parei o carro, negociei o preço. Em Lima os taxis não tem taxímetros. O motorista era um homem grade. A barriga protuberante batia no volante, embaixo de uma camisa azul clara manchada, de tecido ralo. Os cabelos brancos despenteados combinavam com o bigode cinza. Logo reconheceu, pelo meu sotaque, que eu era do Brasil. “De onde? Blumenau? Florianópolis? Curitiba? Porto Alegre? Goiânia?”. Me surpreendeu que ele não tivesse tentado nenhum dos centros óbvios para estrangeiros: São Paulo, Rio e Salvador. “Você votou em Dilma ou Aécio?”. Assim, na lata. Conhecia toda o contexto político brasileiro. Me perguntou de Lula, do Fome Zero, de Brizolla, de Jânio. Depois falamos de corrupção. Do impeachment de Collor, do mensalão, da Petrobrás. Ele me deu uma aula sobre a corrupção endêmica da América Latina, falando do histórico de governos desde o México até a Argentina. Quando eu achava que ele já sabia demais, passou a analisar a corrupção nos BRICS, falando dos governos da Rússia, China e Africa do Sul. Parou em um posto de gasolina para ir ao banheiro e abastecer. Pediu o pagamento da corrida adiantado para pagar pelo tanque. O carro tinha a porta amassada, e partes da pintura enferrujada. Me deixou em frente ao Museu Larco desejando “Boa sorte!”. Deixei sua gorjeta dobrada.

Taxista #3


O carro caía aos pedaços. Negociamos um preço baixo e sentei no banco torto. Durante a viagem toda ele não emitiu uma palavra. Lia um tablóide enquanto o carro parava no congestionamento, e ouvia uma seleção pop dos anos 80. Information Society, Depeche Mode, New Order, The B52’s, Eurythmics. O fim de tarde deixava o céu com uma concretude assustadora. Pensei como Lima é uma cidade literária. Cheia de histórias para contar. Em “Bizarre Love Triangle”, assobiamos juntos. 

terça-feira, 11 de novembro de 2014

BEM-VINDA À LIMA


Cheguei hoje cedo em uma Lima acizentada, com cara de domingo de inverno lá em casa. Nas primeiras horas o dia estava bem abafado. Depois esfriou. Esfriou mais um pouco. E comecei a perceber que Lima tem essa cara de cidade litorânea do Reino Unido. Uma luz fosca pela cidade inteira. Há algo na luz dessa cidade. Não brilha como o amarelo que pinta o Tejo de Lisboa. É mais um filtro que esfria tudo, e deixa a vida com uma cara de estar longe do Equador, longe dos Trópicos. Cara de uma melancolia cortante no ar. Até nas pessoas dá para sentir isso. Existe uma força na identidade das pessoas pelas ruas. Bem diferente do que eu conheço de América Latina. Só por isso, Lima já teria me fascinado logo de cara. Mas tem mais. Muito mais. Uma metrópole engajada. Lima foi a capital do Império Inca, e da dominação colonial espanhola. Uma cidade que se destruiu e se reconstruiu inúmeras vezes, e sofre uma devastação programada a cada 25 anos com o fenômeno do El Niño, que causa chuvas maciças, inundações e some com os peixes do litoral. Lima hoje tem 9 milhões de habitantes. É gente pra caramba!

O trânsito é caótico e os congestionamentos se arrastam pela cidade toda. Você, enquanto pedestre, disputa na raça espaço com carros, motos e bicicletas. Aqui ninguém tem adesivinho no carro de “Trânsito mais gentil”. Ninguém para para você atravessar, mesmo que você esteja na faixa. Os carros nem diminuem. Aceleram em cima dos pedestres, que parecem não se importar. Nas calçadas, ondas de pessoas desviam de skates, patins e bicicletas. Tem ciclovia. Ciclovia de verdade. Daquelas planejadas, estudadas, feitas com tinta que não desbota. Com isolamento das vias de tráfego de carros, na pista interna para não atrapalhar ônibus, pedestres ou o fluxo do comércio. A cidade tem a maior pinta de ser bem administrada. Ou não. Tem seu próprio Malecón, sobre falésias duras sobre o mar do Pacífico. As cores lavadas, lindas, que me fizeram sentir bem longe de onde estou. Não estava preparada para isso. 

O B&B que eu reservei é uma graça. Um sobrado em uma vilinha super charmosa, em uma região tranquila e agradável de Miraflores. A dona morou no Brasil, está adorando praticar o português e tem uma gatinha branca de 3 meses que chama Sansa. Ela também, viciada em GOT. Para não perder tempo, deixei a mochila no quarto, tomei um banho e fui para a rua. 

O charmoso Café del Museo. Dá para casar nesse gramado!


Confesso que estou passando por uma crise para decidir quais museus visitar em minha curta estada. Lima tem tanta opções tentadoras de museus, que não sei nem por onde começar. Resolvi seguir o conselho do meu guia favorito, o Lonely Planet, e comecei pelo considerado um dos highlights da cidade: o Museu Larco. Um casarão incrível em Pueblo Libre, cercado de primaveras floridas e gatos vagando pelos muros. Nos fundos funciona o Café del Museo, onde aproveite para almoçar meu primeiro ceviche e meu primeiro pisco sour da viagem. Divinos! O ambiente é maravilhoso. Uma longa varanda em L, toda aberta para um jardim interno, com sofás descontraídos para você se abastecer antes (ou depois) da exposição. Seria lindo fazer um casamento ali! (Tenho essa mania de lugares de sonhos para realizar festas de casamento...) O atendimento é super gentil, e eu fechei a refeição com um cappuccino tirado com perfeição. 

O primeiro Pisco Sour.

O primeiro ceviche.

Depois fui encarar a exposição, sem muitas expectativas. O Museu Larco é um museu de cerâmicas encontradas nas escavações arqueológicas das diferentes regiões do Peru. Vamos combinar que não é a coisa mais empolgante do mundo pensar em passar uma tarde vendo cerâmica em um museu. Ledo engano! O museu é fantástico! A qualidade da curadoria, da organização da exposição faz com que esse seja um museu de altíssimo nível. Através da evolução das técnicas de confecção de peças de cerâmica, eles constroem uma linha do tempo dos diferentes povos que viveram nessa região, desde a época pré-colombiana, passando pelo império Inca e o período colonial. Existe uma sala especial sobre a confecção de tecidos, uma impressionante sala de apetrechos ritualísticos de sacrifício humano (que é toda vermelha! Muito impactante!), e finaliza com três salas contando a evolução das jóias e acessórios de ouro e prata usados pelos Incas e outros povos. Tão legal quando a gente não tem muitas expectativas quanto a algo, e sai completamente arrebatado. 

A difícil arte de transformar cerâmica em um assunto fascinante.

A impactante sala dos artefatos de sacrifício humano.

Curadoria feita com esmero.

Em um prédio à parte há ainda uma Galeria Erótica, só com cerâmicas de representações  sexuais. O mais interessante é ver a qualidade do acervo do museu, e o excelente estado de conservação. Dá muita vontade de virar arqueóloga e trabalhar em um lugar onde a pesquisa é feita com tanto esmero. 

Fornicação no período Inca.


Saindo do Museu Larco você pode ir andando até o Museu Nacional de Antropologia. Há uma linha azul pintada na calçada marcando o caminho que dura cerca de 20 minutos entre um museu e outro. A proposta é divertida. Tem uma atmosfera de “caça ao tesouro”. Você sai andando pelo bairro, seguindo a linha azul, cruzando ruas, parques. Às vezes a linha fica falha, quase desaparece, e você precisa encontrar a outra ponta em algum cruzamento. Divertidíssimo! Além do passeio em si, o caminho traz algumas surpresas da paisagem urbana de Lima. Cruzando um bairro de classe média, com crianças brincando em balanços e velhinhas carregando suas compras nas calçadas. Tirei fotos como uma louca. As linhas dos prédios de apartamentos, as placas que me remetiam à cidades de suburbio dos EUA, para cair em uma avenida movimentada, com supermercados, farmácias e toda uma vida de comércio te arrancando de volta para o Terceiro Mundo. O final da trilha é na porta do museu, que infelizmente estava fechado. Um casarão colonial amarelo, que ocupa todo um lado da praça onde fica a prefeitura de Pueblo Libre. Uma fonte no centro, uma enorme bandeira tentando embalar com o pouco vento. O busto de alguma grande personalidade peruana. Cafés e restaurantes convidativos para todos os lados. 







Paisagens na "Caça ao tesouro" entre um museu e outro. 


Voltei para Miraflores de taxi e fui explorar o bairro em que estou hospedada. Abundância de comércio, casas de câmbio, restaurantes, embaixadas, cassinos. Ruas limpas, mas cheias de gente. Casas de souvenirs, hostels, gringos sentados no café. Andei pelas ruas durante três horas. Sem tirar fotos. Sem me distrair. Só sentindo a cidade. Folheei livros em livrarias. As pessoas amam seus celulares. Os bancos ficam abertos até às 19h. Não há ostentação. 

Sofrendo com o jetleg (Lima está -3h de SP), e exausta da caminhada, eu me dei de presente uma pequena orgia gastronômica no Maido. Restaurante japonês fusion do chef nascido peruano Mitsuharu Tsumura. Foram 5 pratos e uma sobremesa que me arrebataram em cada garfada. Sabe quando seu paladar é surpreendido com cada coisa que você coloca na boca? De tudo que eu provei, destaques para o Niguiri de Paracas com emulsão de maca e o bacalhau de altitude marinado no missô - que me tirou as palavras da boca durante uns 5 minutos até eu conseguir processar a surpresa do sabor. 

O bacalhau de profundidade marinado em missô, com purê de camotillo (um tipo de batata peruana) e conserva de rabanete. Surpreendente. 

Voltei para o B&B satisfeita com o dia. Pronta para desmaiar. Com essa sensação boa de ter feito valer à pena. Sabe quando o dia não podia ser mais perfeito? Então. Acho que, até agora, Lima e eu estamos nos dando muito bem. 

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A MOCHILA

Holly e Sabrina, fiscalizando os últimos preparativos. 

Chegou a hora de fazer a mochila! Hora de drama para muita gente. Êxtase absoluto para virginianas de plantão. A maneira de arrumar a mala diz muito sobre quem você é, e o tipo de viajante que você é. Tem gente que é super metódica, gosta de deixar a mala arrumada com uma semana de antecedência. Eu sou mais desencanada. Sempre deixei a mochila para arrumar em cima da hora. Um pouco antes de ir para o aeroporto. Uma das vantagens de ficar muito tempo na estrada de uma vez é a praticidade em fazer as malas. Em pouco tempo aprendi o que é excesso, o que é útil, o que precisa ficar sempre à mão. Uma vez minha irmã chegou em casa para me dar uma carona até o aeroporto, em uma das viagens que eu ia fazer. Tínhamos que sair em 1 hora. Ela quase surtou quando viu que eu não tinha nada preparado. Sentei para comer alguma coisa com ela, tomei um banho e fiz a mochila em tempo. Puro exibicionismo! 

Hoje preparo a mala na manhã, ou na véspera de sair. Mas confesso que prefiro mil vezes fazer uma mochila para ficar 2 meses na estrada do que uma mala para uma semana em uma cidade com eventos e compromissos. Em junho fui para Lisboa para o casamento da Lícia e do Ivan e quase enlouqueci pensando em roupas para almoços, cerimônia, etc. Minha alma mochileira quer resolver tudo com duas calças e três camisetas. 

Com o tempo eu aprendi que viajar bem é viajar light. Levar roupas práticas, funcionais, que ocupem pouco espaço, sejam resistentes e sequem rápido. Gosto de usar roupas de marcas outdoor. The North Face é minha favorita. Gosto de Columbia e Marmot também. A Solo tem excelentes roupas térmicas, para usar por baixo de tudo quando se vai para áreas muito frias, ou subir montanhas como nessa viagem. A Curtlo também tem ótima qualidade, e ótimos acessórios de viagem. É deles minhas bolsas organizadoras e minha necessaire de primeiros socorros. Material feito para quem acampa, pega condições extremas. Então são bem duráveis. Vale investir em um equipamento de viagem de boas marcas. 

Tudo pronto para entrar na mochila. 


Nessa viagem minha bagagem consiste:

2 calças de hiking impermeáveis
1 calça jeans
4 camisetas de manga comprida térmicas
2 camisetas de manga curta dry-fit
2 calças térmicas
1 camisa manga comprida viajante
1 camisa manga curta viajante
2 fleeces
1 jaqueta water e wind proof light
1 jaqueta water e wind blocker revestida para baixas temperaturas
1 cachecol
1 gorro
1 luva
5 meias especiais para trekking
5 jogos de roupa íntima básica e confortável
1 chinelo
1 bota de hiking
1 toalha de viagem
1 cantil
1 garrafa dobrável
2 lanternas
1 canivete
1 saco de dormir
2 hiking poles
1 boné


É uma mochila até que grande para 15 dias. Posso ficar meses viajando com essa bagagem. Juntando a necessaire de toillet, o saco de dormir e tudo mais, a mochila ficou com 13Kg. É um bom peso, um pouco no limite para o meu tamanho. Quando se fecha uma mochila é preciso pensar que você vai carregar a bichinha nas costas por vários trajetos. Mesmo que tenham transfers agendados, qualquer bagagem extra pode ser um pesadelo depois de um tempo na estrada. 

Uma vez minha irmã caçula preparava a sua primeira mochilada e me pediu ajuda. Tive que tirar vestidinhos, sapatos e bolsas “caso eu vá em uma festa ou algum barzinho”. Mesmo assim ela deixou muita coisa e acabou encurtando o trajeto porque não aguentava mais carregar a mochila para todos os lados. Não que seja um problema querer se arrumar e estar bonita para aproveitar algumas atividades sociais durante a viagem, mas esse é outro tipo de viagem. Quando estou mochilando, assumo o figurino para todas as ocasiões. Se é uma viagem mais urbana até incluo um macacão básico e prático, que possa dar um ar mais elegante para visitar um restaurante ou alguma situação social. Mas em viagem com trilha e floresta, mantenho apenas uma das calças limpa para poder entrar nos restaurantes sem parecer o Indiana Jones. 

A maneira de colocar as coisas na mochila também pode fazer esse espaço que parece tão pequeno, ficar gigante. As roupas eu organizo nas bolsas enroladinhas. Ocupam muito menos espaço assim, e chegam mais organizadas e sem estar amassadas. Necessaires e sapatos na base da mochila, roupas mais leves em cima. Isso é importante. Deixar os itens pesados na base ajuda a manter o equilíbrio quando se carrega a mochila. 

À parte a mochilona, que será despachada nos trajetos, tenho uma mochila de ataque que levo comigo no avião, ou nos passeios durante o dia. Para o trajeto da viagem é nela que ficam minhas câmeras, documentos, programação e vouchers, um moleskine de diário, livro e computador. Todos os carregadores vão comigo também, em uma bolsinha separada. A parafernália de foto aumenta consideravelmente o peso total da bagagem, mesmo não sendo despachado. Estou com mais 5Kg de equipamento no ataque. Foi uma escolha bem consciente, porque quero me esbaldar de fotografar Machu Picchu e Titicaca. 

Meu equipamento de foto está bem exagerado. Minha Canon DSLR, uma automática Panasonic Lumix e a GoPro. O computador não vai para a trilha. 

Marca de mochila também é importante. Primeiro porque você vai usar bastante. Segundo porque, uma mochila vagabunda vai te deixar na mão no meio da viagem. E aí, acredite, é o tipo de pesadelo que você não precisa. A minha é uma Deuter. Melhor investimento que se possa fazer. Sempre recomendo. São as melhores do mundo. Não é uma mochila barata, mas você pode esperar usá-la por uns 30 anos. Se pensar assim, excelente custo-benefício. Tenho algumas de ataque. Essas troco sempre. As que mais uso ultimamente são, uma da North Face para viagens curtas, de final de semana; e a que vou usar amanhã, uma Jansport que comprei esse ano e estou apaixonada. Bonita, serve para estrada e para a cidade. 


Agora que está tudo pronto, hora de dormir. Amanhã às 4h chega um taxi aqui em casa para me pegar. Que comece a aventura! 

domingo, 9 de novembro de 2014

ORGANIZANDO O ROTEIRO



Ontem postei essa foto da programação da viagem impressa, e causou certa comoção no Instagram pela organização. Bom, eu sou virginiana, então eu vim nessa vida com o gene da organização ativado. Mas a coisa não é assim sempre, não. Quem der um pulo no meu escritório não acredita que é a mesma pessoa da foto aí de cima. Eu não sou tão organizada quanto parece, mas viajando acho que organização pode ser uma grande aliada. Quem se organiza evita imprevistos, controla melhor o orçamento da viagem e otimiza melhor o tempo. Claro que imprevistos vão acontecer, mas estando organizada eu consigo improvisar melhor caso, e quando, acontecerem. 

O que consiste essa programação organizada: bilhetes aéreos e de ônibus, emails e vouchers de hotéis impressos, cópia de comprovantes de pagamento e informações de tours pré-contratados. Junto faço um arquivo em word com a programação da viagem dia-a-dia. Qual transporte, horários, hospedagem, e passeios agendados. Em Lima vou fazer uma exploração gastronômica, e como muitos restaurantes são concorridíssimos, também imprimi a confirmação de reserva de todos eles. 

Mas daí você pensa, “poxa, precisa imprimir tudo?”. Olha, eu não costumava imprimir. Confiava que estavam na caixa de emails, no celular, e eu poderia usar se precisasse. Até uma viagem em que quase perdi meu vôo e tive que pagar uma nova passagem porque eles não conseguiram localizar meu nome pelo passaporte e eu não tinha o número localizador da passagem anotado em lugar nenhum. Isso acontece com frequência? Não. Mas quando acontece, melhor estar organizada para não detonar a viagem. 

Outra coisa legal de manter um roteiro organizado e impresso, é que depois eu posso fazer um  arquivo da viagem. Gosto de fazer pastas com as pesquisas, folhetos de empresas, lojas, hostels, restaurantes. Manter o roteirinho todo pronto ajuda muito quando algum amigo vai viajar para o mesmo lugar e te pede dicas. Claro, a pessoa vai fazer a viagem dela, mas uma das coisas mais importantes para se fazer antes de uma viagem é exatamente ouvir experiências de outras pessoas. Ajuda a pessoa a personalizar a própria viagem dentro de seu gosto pessoal. 

Para essa viagem eu li muito, guias e artigos sobre o Peru. Conversei com algumas pessoas que já tinham feito a trilha e peguei sugestões de restaurantes com amigos gourmets. O resultado é o que está impresso. Gosto de deixar um tanto de informações surpresas, para ir descobrindo pelo caminho. Tem muita coisa que vou ler só no aeroporto, esperando para o embarque. 

Claro que se organizar não quer dizer que a viagem vai ficar engessada. Tenho pavor desses pacotes que cronometram cada segundo do passeio. “1h30 livres para compras e almoço”. Gosto de viajar com alguns pontos de referência. Entre uma coisa e outra, vou sentindo para onde a cidade me leva. Em Lima tenho reservas praticamente em todas as refeições em restaurantes. Isso já define bem a rotina do dia. Durante o dia gosto de explorar. Adoro ficar horas tirando fotos. Tenho uma mania de museus, então sempre visito alguns. E sou louca por mercados. O de Lima está prometendo ocupar um dia inteiro. Mas isso são coisas que vou sentir na hora. Às vezes dá vontade de esticar em uma cafeteria fazendo “people watching”, outras vezes descubro algum spa e resolvo fazer uma massagem. Gosto de descobrir shows ou concertos e já até acabei pintando paredes em uma comunidade com essa coisa de deixar a cidade me levar. Quando a gente está aberto, as coisas acontecem. 

Outra vantagem de fazer esse roteiro, principalmente para mim, que viajo sozinha, é poder deixar uma cópia com a minha mãe para emergências. Acho que ela nem lê, deve deixar perdido na caixa de emails, mas, por mais que o roteiro possa sofrer alterações, é bom ter alguém sabendo qual o rastro que se pretende deixar. Costumo dizer que, se acontecer alguma catástrofe, fica mais fácil para a embaixada me localizar. 


Brincadeiras à parte, esse processo de preparação é um dos mais gostosos da uma viagem. É como começar a viagem antes de sair de casa. Quando se tem pouco tempo, ou um orçamento reduzido, ou ambos; começar a viagem com essa antecedência garante que você possa viajar muito mais, com bem menos. E depois, porque dispensar as preliminares? Elas são divertidas e ajudam que a gente chegue no gran finalle... feliz e relaxada.  

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O DRAMA DA HOSPEDAGEM


Às vezes as pessoas acham que eu tiro de letra organizar viagens. Sim. Eu também acho isso às vezes. Mas daí sempre aparece um desafio, um obstáculo novo e eu me vejo naquela situação de sempre, de ter de lidar com algo pela primeira vez. A verdade é que cada destino é único, e não pode ser tratado como algo habitual, que se tira de letra. Claro que a experiência de estrada me ajuda a prevenir roubadas. Fico mais atenta em detalhes que passariam em branco para turistas leigos. Tenho maior facilidade de organizar um plano B e sou mais flexível quando as coisas dão errado. As coisas sempre estão sujeitas a darem errado. Não adianta se apegar ao erro. Desvia e segue em frente, ou você pode perder a viagem. 

Mas isso não é um dom divino que eu tenha e outras pessoas não. É só que eu tive mais tentativas e erros e fiquei calejada. Tem gente com muito mais tempo de estrada e que é ninja nesse negócio de organizar viagem. Outras ainda estão construindo seus caminhos. É assim que funciona. Eu, por exemplo, ando até um tanto relapsa com o conforto que a experiência tem me trazido. Já faz algumas viagens que largo tudo para a última hora, faço as malas 30 minutos antes de ir para o aeroporto, e ignoro algumas informações. Secretamente acho que meu inconsciente quer um pouco de desafio, e faz de propósito para ter mais emoção. Mas esse não é um hábito legal de se criar. Excesso de confiança te coloca em risco. Então estou fazendo tudo “by the book” nessa trip. Mesmo assim me deparei com um desafio que nunca imaginava que passaria: que tipo de hospedagem ficar. 

Hospedagem para mim nunca foi algo que eu gastasse mais do que 15 minutos pensando. Durante o sabático meu foco era óbvio. Precisava de hospedagens baratas para poder viabilizar tanto tempo na estrada. Basicamente eu procurava nos sites de hostels, verificava as reviews de outros viajantes e fazia a reserva. Sem dor, sem pena, sem olhar para trás. Poucas vezes o hostel era uma roubada e tive que sair pela cidade procurando outro lugar para ficar. Algumas vezes as condições eram bem diferentes do que o esperado, mas eu sempre penso no custo-benefício da situação. Se vou ficar pouco tempo na cidade, se a localização é boa e o preço baixo, não me importo em fugir da zona de conforto e continuar curtindo minha viagem. Hospedagem é para dormir, basicamente. Sou daquelas que madruga cedinho, passa o dia batendo perna pela cidade e só volta à noite para desmaiar na cama. Então, pouco importa se o lugar tem um mega café da manhã, se a área de lazer deixa a desejar, ou se os lençóis não são de algodão egípcio de 1600 fios. Para mim, se os banheiros forem limpos, o quarto arejado, e o lugar seguro, está ótimo. 

Isso foi assim, até recentemente. Na Patagônia, me peguei questionando porque diabos eu estava em um hostel, vendo 3 adolescentes cozinharem miojo no meio da sala, de meias e um chulé terrível, enquanto eu tentava terminar meu vinho e meu livro em paz. Podem colocar a culpa na idade, mas o fato é, se a sua viagem não vai durar um ano inteiro ao redor do mundo, será mesmo que o custo de alguns trocados economizados vale tanto assim o benefício do conforto? 

Particularmente não sou muito fã de hotéis. Acho muito impessoais. (A menos que sejam resorts, mega luxuosos e cheios de mordomia... daí, até eu que sou boba também quero!) Nas minhas últimas viagens tenho optado por B&B e o meu novo amor da vida: AirBnB! 

Os B&B são excelentes opções, dependendo do destino. Tem a vantagem de você se hospedar na casa de algum local, com privacidade e atenção. Acho um charme! Mas precisa ver bem o destino. É um charme se hospedar em um B&B nas Highlands escocesas. Não é um charme tentar se hospedar em um B&B na Bolívia.

O AirBnB é a nova (não tão nova assim) sensação entre viajantes. Você pode alugar quartos, ou mesmo um apartamento inteiro, direto com os proprietários, pelo período que vai ficar. Acho perfeito para quem não gosta de experiências muito turísticas (como eu!), daquelas com cara de pacote de CVC. Ficando em um apartamento "civíl", você dá um pulo no supermercado, abastece a geladeira para sua estadia. Compra jornal na banca da esquina e toma café no bairro como se fosse um morador da cidade. Mesmo que por poucos dias, consegue ter uma experiência mais autêntica da cidade que você visita. E costumava ser bem mais barato do que um hotel. 

Mas a onda parece que já está passando. Nessa viagem, as pesquisas que fiz no AirBnB apareceram com preços tão altos, que eu podia ficar hospedada em hotéis de 4-5 estrelas pelo mesmo valor. As opções mais acessíveis eram bem mais afastadas. Às vezes eu até curto fazer uma estadia fora do centro, mas é preciso estar no clima. Ficar em uma localização não tão central implica em depender obrigatoriamente de ônibus ou metrô para se locomover, perder bastante tempo de locomoção todos os dias de estadia, que poderiam ser usados para explorar mais a cidade. E, invariavelmente, segurança mais frágil. 


Eu tive um trabalho danado para definir minhas hospedagens nessa viagem para o Peru. Em Lima vou ficar em um B&B. Em Cusco e Puno optei por hotéis mesmo. As opções de hostels não me pareceram ruins. Vi vários que, acredito, seriam excelentes estadias, e certamente cortariam os custos da viagem em 1/3 (Hostels são bem baratos no Peru). Mas como eu tenho 42Km para encarar no meio da floresta, à 4215m de altura, o quesito conforto é um benefício demasiadamente necessário. E nisso, vou botar a culpa na idade. ;-)

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

FOCA EM GRU!


Eu não tenho aqueles empregos convencionais. Desses com fundo de garantia, décimo terceiro e férias + 1/3. O que é um problema, porque quando se resolve viajar, saber que vem aí férias remuneradas + 1/3 é um negócio legal pacas! Também não tenho ninguém cobrindo minhas férias. Sei que para muita gente tirar férias significa já ir pegando leve na semana antes de sair. Na última sexta-feira pré-férias fazer um almoço longo com os colegas, naquela cantina italiana perto da firma, tomar um vinho e emendar com o happy-hour de despedida. A pessoa deixa programado uma resposta automática no webmail da empresa (Estarei fora do escritório entre os dias X e X. Em caso de emergência favor contatar Fulana pelo email...). E Fulana dá conta da bronca enquanto você pede mais uma marguerita em alguma praia de Punta Cana. 

Pois é. Mas quando eu tiro férias não é assim. Eu sou freelancer, o que significa que não tenho nenhum privilégio de CLT. Nada de fundo de garantia, nem de férias remuneradas. Muito menos +1/3! Quando eu quero tirar férias eu preciso dar conta do trabalho todo sozinha, porque não dá para colocar a Fulana quando eu estiver fora. Mas nem tudo são espinhos na vida do home-office. As vantagens já começam por aí: home-office. O que significa que eu tenho mais flexibilidade de horários, e posso tirar uma tarde para pesquisar preços de hotéis, sem ficar com medo do chefe me pegar no flagra. Também posso deixar metade da papelada, minha mochila e meu saco de dormir esticados no meio do escritório até ter tempo de arrumar a bagagem, pois a única pessoa que vai achar ruim é a Jô. As gatas estão se divertindo. Mas além de todas as vantagens e a flexibilidade de, praticamente, trabalhar quando e como eu quiser, o que mais gosto dessa minha vida autônoma é que, posso até não ter CLT, mas também não tenho apenas 30 dias de férias por ano. 

Esse é um dos maiores segredos de se poder cair na estrada várias vezes ao ano: não estar engessada em um formato tradicional de emprego. Claro que isso demanda mais disciplina e organização. Tem dias que eu tenho que trabalhar dobrado. Épocas de pegar todos os jobs que te oferecem. Bursite no ombro, olheiras de noites mal-dormidas. A máxima vale: no pain, no gain. Acredito que tudo nessa vida é merecimento. Quando quero tirar uns dias para viajar, eu construo o meu. 

Minha programação nessa véspera de viagem inclui deixar todo o trabalho encaminhado, para que ninguém note minha falta nos 15 dias que ficarei fora. Também para que eu possa ter tranquilidade para aproveitar de fato, e não ficar surtada resolvendo problemas de longe. Agendei algumas reuniões essa semana, para manter os clientes em follow up. E tenho 15 dias de programação para deixar adiantada. Hoje consegui fechar a semana. Até domingo tenho que fechar a programação até o dia 24. 

Eu mantenho uma “Foca List” ao lado do computador. Separo todas as pendências nas listas de cada dia e o segredo é focar. Dá vontade de ficar vendo o vídeo fofinho que alguém postou na internet, ou esticar um almoço mais preguiçoso no meio da tarde, mas não pode tirar o olho da bola. No meu caso, a bola é chegar tranquila e pronta no Terminal de Embarque de Guarulhos na terça de manhã. Eu foco em GRU! Pego um item da lista, sento e trabalho até terminar e riscar a foca da lista. Hoje dei conta de 14 itens da minha lista. Foquinhas todas riscadas! 


Amanhã tenho que fechar a programação da viagem. Confirmar as últimas pendências, comprar dólares e imprimir todos os tickets e vouchers. Mas o maior desafio tem sido manter o treinamento de corrida no meio dessa pauleira. Normalmente eu abandonaria o treino, mas a trilha vai exigir bastante condicionamento físico e eu não estou muito bem nesse quesito. Na verdade, essa é a minha maior preocupação agora. Ontem e hoje não corri. Acho que vou pegar minha “Foca List” a abrir logo com a corrida amanhã. Olho na bola, foco e disciplina! 

(Essa é minha "Foca List" de amanhã. Se eu conseguir manter a organização, não tem como dar errado.) 

terça-feira, 4 de novembro de 2014

CONTAGEM REGRESSIVA




Contagem regressiva para a minha grande viagem do ano! Verdade que já viajei bastante esse ano, mas tenho a proposta de realizar alguns sonhos de viagem. Desde que voltei do sabático (em que realizei muitos sonhos de uma vez), estou buscando ir para, pelo menos, um lugar dos meus sonhos por ano. 

Fui para a Patagônia em 2011. Para Bolívia, Noronha e Africa do Sul em 2012. Ano passado foi a vez de Cuba, sonho bem antigo. E esse ano vou - finalmente - realizar o sonho de fazer a Trilha Inca para Machu Picchu. 

A trilha Inca é um desses roteiros almejados durante a vida inteira. Desde a adolescência, muito antes de criar coragem de comprar minha primeira mochilona (uma "Trilhas e Rumos" azul, que era um sacão e eu usei até arrebentar no carrossel de bagagens de um aeroporto), eu queria ir para a Índia e fazer a trilha Inca. Curiosamente, depois de tantos anos na estrada, não realizei nenhum dos dois. 

Já tentei fazer a trilha algumas vezes no passado, cheguei a abortar em cima da hora em 2011. Quase que não rola esse ano também. É preciso reservar com bastante antecedência, e nisso fica uma das maiores dificuldades. A trilha é controlada. Permitem que apenas 500 pessoas estejam na trilha por dia, incluindo os guias e portadores. Veja bem, não são 500 pessoas entrando na trilha por dia. São 500 pessoas no total, do início ao fim. Levando em conta que a trilha leva 4 dias para ser completada, são cerca de 125 pessoas apenas entrando todos os dias. Também, só se faz a trilha com guia. Por mais que você seja experiente, não rola de chegar lá de alegre e subir pelo clássico caminho que os Incas usavam para chegar até Machu Picchu. Claro, existem trilhas alternativas, que também eram usadas pelos Incas, mas quem é montanhista sonha em um dia fazer a trilha clássica. É quase um ISO9000 no currículo de qualquer mochileiro que se preze. Viajantes do mundo inteiro tem essa viagem em seus “To do lists”. 

Esse ano fiz minha reserva em Março (o ideal mesmo é reservar com um ano de antecedência). Conseguir encaixar na agenda não foi fácil. As vagas para junho ou julho, que é a alta temporada da trilha, estavam esgotadas. Tive que me organizar para ir agora, em Novembro. Mesmo assim, quase fico sem essa vaga também. 

Daqui uma semana vou estar em Lima, começando quinze dias de uma viagem que sonho há muito tempo em fazer. O roteiro fechei todo no último final de semana. Alguns dias em Lima, visitando restaurantes - e provando o que a Condé Nast Traveller elegeu como a capital gastronômica da América Latina. Cusco por alguns dias, para me adaptar à altitude. Quatro dias da clássica trilha, na floresta, acampando e tirando fotos. Machu Picchu, que vem com a promessa de ser um dos lugares mais impressionantes que se pode visitar na vida. Depois Puno, por dois dias, apenas para conhecer o maior lago da América do Sul, o Lago Titicaca. (Gente, tenho crises de riso com o nome desse lago... muito boba!) 

Ultimamente eu não tenho atualizado muito esse blog, mas se tem uma coisa que eu adoro fazer é escrever sobre minhas viagens. Então, abrindo a contagem regressiva para a aquisição de uma das figurinhas mais ambicionadas do meu passaporte, vou fazer uma coisa que nunca fiz por aqui: Nos próximos dias vou falar sobre a preparação da viagem, planos, reservas, as pesquisas e expectativas, antes do diário de bordo que vai começar dia 11, terça-feira que vem. 

Como toda véspera de viagem, eu estou atolada de trabalho, varando noites para dar conta de preparar tudo para poder sair. Muito do “caminho das pedras” para realizar esses sonhos está exatamente nesses 7 dias que antecedem o embarque. 

Então, acompanhem. De certa forma, a viagem já começou. ;-)