terça-feira, 11 de novembro de 2014

BEM-VINDA À LIMA


Cheguei hoje cedo em uma Lima acizentada, com cara de domingo de inverno lá em casa. Nas primeiras horas o dia estava bem abafado. Depois esfriou. Esfriou mais um pouco. E comecei a perceber que Lima tem essa cara de cidade litorânea do Reino Unido. Uma luz fosca pela cidade inteira. Há algo na luz dessa cidade. Não brilha como o amarelo que pinta o Tejo de Lisboa. É mais um filtro que esfria tudo, e deixa a vida com uma cara de estar longe do Equador, longe dos Trópicos. Cara de uma melancolia cortante no ar. Até nas pessoas dá para sentir isso. Existe uma força na identidade das pessoas pelas ruas. Bem diferente do que eu conheço de América Latina. Só por isso, Lima já teria me fascinado logo de cara. Mas tem mais. Muito mais. Uma metrópole engajada. Lima foi a capital do Império Inca, e da dominação colonial espanhola. Uma cidade que se destruiu e se reconstruiu inúmeras vezes, e sofre uma devastação programada a cada 25 anos com o fenômeno do El Niño, que causa chuvas maciças, inundações e some com os peixes do litoral. Lima hoje tem 9 milhões de habitantes. É gente pra caramba!

O trânsito é caótico e os congestionamentos se arrastam pela cidade toda. Você, enquanto pedestre, disputa na raça espaço com carros, motos e bicicletas. Aqui ninguém tem adesivinho no carro de “Trânsito mais gentil”. Ninguém para para você atravessar, mesmo que você esteja na faixa. Os carros nem diminuem. Aceleram em cima dos pedestres, que parecem não se importar. Nas calçadas, ondas de pessoas desviam de skates, patins e bicicletas. Tem ciclovia. Ciclovia de verdade. Daquelas planejadas, estudadas, feitas com tinta que não desbota. Com isolamento das vias de tráfego de carros, na pista interna para não atrapalhar ônibus, pedestres ou o fluxo do comércio. A cidade tem a maior pinta de ser bem administrada. Ou não. Tem seu próprio Malecón, sobre falésias duras sobre o mar do Pacífico. As cores lavadas, lindas, que me fizeram sentir bem longe de onde estou. Não estava preparada para isso. 

O B&B que eu reservei é uma graça. Um sobrado em uma vilinha super charmosa, em uma região tranquila e agradável de Miraflores. A dona morou no Brasil, está adorando praticar o português e tem uma gatinha branca de 3 meses que chama Sansa. Ela também, viciada em GOT. Para não perder tempo, deixei a mochila no quarto, tomei um banho e fui para a rua. 

O charmoso Café del Museo. Dá para casar nesse gramado!


Confesso que estou passando por uma crise para decidir quais museus visitar em minha curta estada. Lima tem tanta opções tentadoras de museus, que não sei nem por onde começar. Resolvi seguir o conselho do meu guia favorito, o Lonely Planet, e comecei pelo considerado um dos highlights da cidade: o Museu Larco. Um casarão incrível em Pueblo Libre, cercado de primaveras floridas e gatos vagando pelos muros. Nos fundos funciona o Café del Museo, onde aproveite para almoçar meu primeiro ceviche e meu primeiro pisco sour da viagem. Divinos! O ambiente é maravilhoso. Uma longa varanda em L, toda aberta para um jardim interno, com sofás descontraídos para você se abastecer antes (ou depois) da exposição. Seria lindo fazer um casamento ali! (Tenho essa mania de lugares de sonhos para realizar festas de casamento...) O atendimento é super gentil, e eu fechei a refeição com um cappuccino tirado com perfeição. 

O primeiro Pisco Sour.

O primeiro ceviche.

Depois fui encarar a exposição, sem muitas expectativas. O Museu Larco é um museu de cerâmicas encontradas nas escavações arqueológicas das diferentes regiões do Peru. Vamos combinar que não é a coisa mais empolgante do mundo pensar em passar uma tarde vendo cerâmica em um museu. Ledo engano! O museu é fantástico! A qualidade da curadoria, da organização da exposição faz com que esse seja um museu de altíssimo nível. Através da evolução das técnicas de confecção de peças de cerâmica, eles constroem uma linha do tempo dos diferentes povos que viveram nessa região, desde a época pré-colombiana, passando pelo império Inca e o período colonial. Existe uma sala especial sobre a confecção de tecidos, uma impressionante sala de apetrechos ritualísticos de sacrifício humano (que é toda vermelha! Muito impactante!), e finaliza com três salas contando a evolução das jóias e acessórios de ouro e prata usados pelos Incas e outros povos. Tão legal quando a gente não tem muitas expectativas quanto a algo, e sai completamente arrebatado. 

A difícil arte de transformar cerâmica em um assunto fascinante.

A impactante sala dos artefatos de sacrifício humano.

Curadoria feita com esmero.

Em um prédio à parte há ainda uma Galeria Erótica, só com cerâmicas de representações  sexuais. O mais interessante é ver a qualidade do acervo do museu, e o excelente estado de conservação. Dá muita vontade de virar arqueóloga e trabalhar em um lugar onde a pesquisa é feita com tanto esmero. 

Fornicação no período Inca.


Saindo do Museu Larco você pode ir andando até o Museu Nacional de Antropologia. Há uma linha azul pintada na calçada marcando o caminho que dura cerca de 20 minutos entre um museu e outro. A proposta é divertida. Tem uma atmosfera de “caça ao tesouro”. Você sai andando pelo bairro, seguindo a linha azul, cruzando ruas, parques. Às vezes a linha fica falha, quase desaparece, e você precisa encontrar a outra ponta em algum cruzamento. Divertidíssimo! Além do passeio em si, o caminho traz algumas surpresas da paisagem urbana de Lima. Cruzando um bairro de classe média, com crianças brincando em balanços e velhinhas carregando suas compras nas calçadas. Tirei fotos como uma louca. As linhas dos prédios de apartamentos, as placas que me remetiam à cidades de suburbio dos EUA, para cair em uma avenida movimentada, com supermercados, farmácias e toda uma vida de comércio te arrancando de volta para o Terceiro Mundo. O final da trilha é na porta do museu, que infelizmente estava fechado. Um casarão colonial amarelo, que ocupa todo um lado da praça onde fica a prefeitura de Pueblo Libre. Uma fonte no centro, uma enorme bandeira tentando embalar com o pouco vento. O busto de alguma grande personalidade peruana. Cafés e restaurantes convidativos para todos os lados. 







Paisagens na "Caça ao tesouro" entre um museu e outro. 


Voltei para Miraflores de taxi e fui explorar o bairro em que estou hospedada. Abundância de comércio, casas de câmbio, restaurantes, embaixadas, cassinos. Ruas limpas, mas cheias de gente. Casas de souvenirs, hostels, gringos sentados no café. Andei pelas ruas durante três horas. Sem tirar fotos. Sem me distrair. Só sentindo a cidade. Folheei livros em livrarias. As pessoas amam seus celulares. Os bancos ficam abertos até às 19h. Não há ostentação. 

Sofrendo com o jetleg (Lima está -3h de SP), e exausta da caminhada, eu me dei de presente uma pequena orgia gastronômica no Maido. Restaurante japonês fusion do chef nascido peruano Mitsuharu Tsumura. Foram 5 pratos e uma sobremesa que me arrebataram em cada garfada. Sabe quando seu paladar é surpreendido com cada coisa que você coloca na boca? De tudo que eu provei, destaques para o Niguiri de Paracas com emulsão de maca e o bacalhau de altitude marinado no missô - que me tirou as palavras da boca durante uns 5 minutos até eu conseguir processar a surpresa do sabor. 

O bacalhau de profundidade marinado em missô, com purê de camotillo (um tipo de batata peruana) e conserva de rabanete. Surpreendente. 

Voltei para o B&B satisfeita com o dia. Pronta para desmaiar. Com essa sensação boa de ter feito valer à pena. Sabe quando o dia não podia ser mais perfeito? Então. Acho que, até agora, Lima e eu estamos nos dando muito bem. 

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