sexta-feira, 30 de abril de 2010

SURFING

Agora estou na Espanha. Acabei de sair de Madrid e estou indo para Barcelona. Em Madrid tive minha primeira experiência no Couch Surfing. Eu nunca tinha ouvido falar do Couch Surfing, mas aqui na Europa ele é bem popular e usado por todo mundo. Vou tentar explicar o conceito. Sabe aquela amiga que você tem que mora em… Fortaleza, por exemplo? E quando você vai tirar férias, resolve ficar na casa dela? Ela deixa uma cópia da chave com você, dá dicas do que vale a pena e do que é roubada na cidade, sai para trabalhar enquanto você passeia, e depois vocês pedem uma pizza à noite no jantar? Nem sempre essa amiga tem um quarto de hóspedes, e às vezes você dorme no sofá, certo? Agora, imagina uma rede online em que você pudesse “pegar emprestado” amigos que liberassem o sofá de suas casa para você se hospedar quando estiver viajando. Esse é mais ou menos o conceito do Couch Surfing (na tradução “Surfando em Sofás”). Até os anos 90 a moda dos mochileiros era o Europass. Você comprava um passe com viagens de trem ilimitadas pela Europa, assim fazia as locomoções durante a noite, dormia na cabine do trem, economizava na estadia e conhecia várias cidades de uma mochilada só. Hoje, com a abundância de cias aéreas de low cost, viajar de trem virou um luxo, e o Couch Surfing permite baratear a aventura (com muito mais conforto do que dormir torto no trem, convenhamos). Mas antes de achar que é como “hotel de graça” vou explicar como funciona o sistema: você cria um profile no site. Esse profile é verificado pela administração da ONG que gerencia o site, eles checam se você é você mesmo, se o endereço que você inscreveu na sua ficha existe ou e inventado, e coisas assim. Nesse profile você procura colocar o máximo de informações sobre você (é importante, afinal é através dele que seus potenciais hosts vão decidir se te aceitam ou não em seus sofás), tais como gostos, manias, temperamento, hobbies, profissão, lugares que já morou, lugares que já viajou e, obviamente, línguas que fala (para possibilitar comunicação entre host e guest). Você pode escolher ser host, guest, ambos ou apenas uma companhia para um café, caso algum surfer esteja na sua cidade. Quando você faz uma busca por cidade que você pretende visitar, o site apresenta os hosts que estão afim de emprestar seus couchs e você dá uma olhada no perfil de cada um. Neles dá para sentir que tipo de pessoa é e escolher aqueles que você gostaria de ser hospedada. Por exemplo, se você é alérgico a cachorros, já elimina aquele que tem animal de estimação. Se você é uma pessoa baladeira, não vai pedir para ficar no couch de um host que diz que gosta de ler e de dormir cedo, e assim por diante. Quando você encontra uma pessoa que você acha que tem a ver com você, manda uma mensagem com as datas que você pretende usar o couch e uma pequena apresentação falando dos seus projetos de viagem e porque você seria um surfer legal. O host então vai receber sua mensagem, analisar seu profile e, dependendo do que ele achar e da disponibilidade do couch, vai te convidar para ficar na casa dele. Pode parecer um pouco estranho e arriscado (pois é Y, sei que seus cabelos estão de pé até agora), mas esse sistema é antes de tudo um veículo de troca cultural. É uma possibilidade de aprender, conhecer outra cultura, experienciar uma cidade sob os olhos de quem mora nela, e, principalmente, fazer amigos. Ok, você deve estar pensando “Mas como assim? Você fica na casa de uma pessoa que você nunca viu na vida? E se for um louco? Se for um tarado, psicopata?”. Bom, vou contar para vocês. Minhas experiências com loucos sempre vieram de pessoas com referência, amigos em comum, nunca de estranhos. Mas essa é uma opinião subjetiva. Para sermos mais práticos, o Couch Surfing geralmente tem em seus integrantes pessoas com alma de viajante. E isso já é um grande parâmetro de seleção. Viajantes tendem a ser pessoas mais adaptáveis, mais tolerantes e abertas às diferenças. São pessoas de espírito livre, generosas, que sentem prazer em vivenciar experiências de troca. Por isso abrem a porta de suas casas e adoram receber gente de todos os lugares do mundo, fazem questão de que você se sinta em casa, aproveite e tenha uma ótima experiência como seu hóspede. Claro que como hóspede essa reciprocidade é desejada. Coisas básicas que mamãe nos ensinou quando éramos crianças e íamos brincar na casa da amiguinha, são úteis nessa situação:


- Diga “Porfavor” e “Obrigada”.

- Mantenha suas coisas organizadas.

- Respeite as regras da casa.

- Ofereça-se para ajudar. (Não precisa virar a faxineira do lugar, mas lave as louças que utilizar pelo menos.)

- Procure interagir e passar tempo com seu host. Ele não está te hospedando pelos seus lindos olhos, ou porque está afim de contribuir para suas economias. Ele está te hospedando principalmente porque está interessado em te conhecer, conhecer sua cultura, entender como funciona seu país.

- Não se chega na casa de ninguém de mãos vazias. Dentro do Couch Surfing aconselha-se levar ao seu host um presente típico do seu país, como uma forma de intercâmbio. (Eu, como não tenho espaço na mochila e já estou longe de casa há algum tempo, tenho levado chocolatinhos do Duty Free e me oferecido para fazer caipirinhas.)

- Confie. (Na pior das hipóteses você ganha um amigo.)

O site também mantém um arquivo com todas as mensagens trocadas entre surfers e hosts para questões de segurança de ambos. Após um contato ou uma visita, tanto surfer como host escrevem um depoimento um para o outro que fica gravado no perfil e serve de referência para futuros contatos. Assim você vai carregando seu histórico de relacionamento no Couch Surfing. E as pessoas são bem sinceras. Se você for problemática, faltar com respeito, desrespeitar regras, abusar da confiança, ser desonesto na sua apresentação só para conseguir um sofá ou tiver só interessado em economizar no hotel, o seu host vai (além de pedir para você sair da casa dele) deixar um depoimento negativo a seu respeito, e fica bem difícil continuar na comunidade com depoimentos negativos. Em caso de abusos do sistema, um integrante pode até ser expulsos. Então, aqueles que estavam achando meio absurda essa ideia de eu estar me enfiando na casa dos outros por aqui, podem guardar as armas. O sistema se auto-regulamenta, a rede de participantes é selecionada pela própria natureza da brincadeira (Vamos combinar? Não é qualquer pessoa que tem a generosidade suficiente para abrir a porta de casa para os outros pelo simples fato de que gosta de fazer amigos e de ser útil.) Carol e Viriato foram os primeiros a me falar do Couch Surfing. Fazem questão de ter um quarto de hóspedes todo arrumadinho e já receberam gente de todo lugar do mundo. É como viajar sem sair de casa. Eu vou muito emprestar meu sofá (assim que tiver um novamente…) Meu host em Madrid foi um engenheiro alemão de 32 anos, que passou a infância no Brasil e toca bateria em uma banda de blues. Ele fala um excelente português e estava louco para conversar com alguém com as mesmas referências de infância que ele teve. Logo que eu cheguei me convidou para patinar (Bem… na verdade foi mais uma sessão de tombos absurdos na ciclovia e completa humilhação na frente de meninas de 6 anos equipadas com patins cor de rosa da Hello Kitty…), ele ainda me ligava no final da tarde para saber o que eu queria jantar, me convidou para o show da banda dele ontem à noite, me levou ao aeroporto hoje de manhã e disse que faz questão de me hospedar novamente sempre que eu estiver em Madrid. Diz? Não é uma experiência incrível? Acho sim, que sempre tem alguma coisa que pode dar errado, que às vezes a química não bate e a gente não é obrigado a se dar bem com todo mundo. Mas acho também que se você planta desconfiança, colhe medo. Se você planta generosidade, colhe amor.

http://www.couchsurfing.com/

segunda-feira, 26 de abril de 2010

SALDO

Dois meses. Foram sessentas dias que passaram assim, ó. Eu nem me dei conta. Eu estava com uma sensação enorme de tudo ser o mesmo. Mas agora, parando para olhar, foi um monte de coisas. No saldo geral contabilizo 3 países. 13 cidades. 5 aeroportos. 3 escovas de dentes. 2 potes grandes de shampoo. Uma porção de amigos novos. Outro tanto de amigos antigos que estavam ficando empoeirados no meu coração mas foram devidamente curtidos, abraçados, beijados e amados no tempo que foi possível. E devidamente devolvidos ao meu coração, de onde nunca vão sair. As saudades batendo de casa (casa?), do amigos que ficaram, dos poucos que só falo por MSN agora, e daqueles que nunca dá tempo de falar. De mim, uma bagunça fenomenal. Me sinto desconstruída, mas ainda não completamente. Algumas paredes ainda para serem implodidas. Estou descobrindo restos de civilizações dentro de mim mesma. Como uma auto-arqueologia de quem eu sou. Entendo o que estou fazendo. Sei exatamente porque a vida me colocou nesse caminho. Porque o astral me trouxe até as pessoas que tenho encontrado. São minhas ferramentas de demolição. Estão me ajudando entender de onde sai, por onde passei e como cheguei até aqui. Tudo sendo desconstruído aos poucos. Para que eu possa decidir para onde ir. Era exatamente isso que eu queria. Não posso construir um castelo em cima de areia, e eu sou uma princesinha. Preciso de um castelo. É muito reconfortante me encontrar no caminho certo. Só não sei ainda para onde ele está me levando, e nesse sentido dois meses é muito pouco. Só o comecinho do caminho, não dá para ter ideia do que eu vou encontrar no final. Mas não se julga o destino. Alcança-se. O importante é o caminho. Amanhã embarco para Madrid. Quinze dias de Espanha e depois uma pequena loucura. (Conto depois.) Língua nova. Comida nova. Pessoas novas. Estou bem empolgada. Mais ainda agradecida. Me sinto a pessoa mais sortuda do mundo. Tenho tudo do jeito que eu quero, faço exatamente o que eu quero. E, sim. Como eu havia decidido. Esse está sendo o melhor ano da minha vida. Hoje, empacotando mochila, malas, e deixando bagagem armazenada na casa da Kika, fui me dando conta de como algumas coisas que eram bem importantes para mim mudaram. Não compro mais cosméticos pelas marcas. Agora só olho o tamanho das embalagens. Todas com menos de 100ml. Não subi em uma balança todos esses dias, e parece que isso me emagreceu. As calças estão largas (largas de verdade! Muito mesmo!!!), embora eu coma uma quantidade indecente de açúcar, gordura, e todo tipo de maravilha proibitiva em uma vida saudável. Estou experimentando dormir até tarde sem me sentir culpada (tive uma criação tão traumatizante pelo meu pai, que não consigo acordar tarde sem me sentir o pior ser humano do mundo). Também estou aprendendo a deixar as coisas se acertarem pelo destino, e constatar que (por mais que eu queira controlar tudo) nossa visão de nossas próprias vidas é tão limitada que não podemos mesmo saber o que é o melhor para a gente. Descobri que um dia é muito tempo para se jogar fora. E que dinheiro é algo completamente virtual. Que pacotes de lenços de papel podem salvar sua vida (literalmente!). E que nem sempre meu Ipod vai me oferecer uma trilha sonora melhor do que o som da vida a minha volta. Pelo mesmo motivo quase não peguei em um livro desde que saí do Brasil (isso é um peso extra que sempre me questiono quando empacoto). Descobri que a vida é sábia e na maioria das vezes nós ignoramos portas que estão escancaradas a nossa volta para ficar forçando a fechadura de outras que só nos vão tornar infelizes. Que felicidade é algo contagiante e funciona como um imã. A gente acaba atraindo pessoas e situações que só se somam infinitamente. Aprendi que amor é um exercício. Essencial como hábitos de higiene, tem que ser praticado várias vezes ao dia. E que uma pessoa incapaz de amor não consegue ficar ao seu lado muito tempo se a sua vibração estiver alta. Nem que seja por um final de semana a mais. E essa talvez seja a condição mais triste do ser humano. A incapacidade de aceitar amor na vida. O meu saldo é positivo. Azul marinho. Arrisquei tudo. Mas apliquei no mais rentável fundo de investimento possível.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Esses dias me disseram que "uma vez mochileira, sempre mochileira". Cara, isso está na minha cabeça até agora! Por dois motivos. Dúbios, como tudo em mim. Eu espero mesmo que seja verdade, porque me imagino no futuro trocando fraldas em estação de trem. Acho incrível essas famílias de viajantes que a gente tromba nos aeroportos. Me imagino daqui há 30 anos viajando com o meu marido (ele mais velhinho do que eu, lóóógico!!!), pegando barcos para cruzar países e contratando guias para nos apresentar a tribos africanas. E eu espero mesmo que não, pelos mesmo detalhes aí de cima. Porque eu também me imagino casada, com filhos. Morando em alguma casa grande, com jardim. Em alguma cidade de poucos mil habitantes (mas que seja perto o suficiente de alguma metrópole para eu descarregar meu eu urbano de vez em sempre). E eu vou ter um cachorro, vários gatos. Vou ficar escrevendo na varanda e cuidar da minha horta de ervas para fazer chá fresco todas as tardes. No inverno, a gente vai acender a lareira e eu vou contar para minhas filhas histórias dos lugares e das pessoas que eu conheci. E tudo vai estar calma, certo e verdadeiro. Eu digo isso porque passei alguns dias surtando com roupas espalhadas na mochila, e a falta de estrutura, e looouca para chegar logo na Itália e me assentar por um tempo. Ter rotina, horário para refeições. Organizar meu shampoo no banheiro em vez de carregar minha necessarie todos os dias. Usar salto alto. Coisas do meu lado princesinha, que adora brincar de casinha. Tenho mesmo uma primeira-dama aprisionada dentro de mim. Então eu estava esperando meu trem na Santa Apolônia em Lisboa, e a estação estava um caos. Gente de tudo quanto é lado tentando alternativas para o vôos que perderam. Pessoas dormindo na sala de espera, uma fila kilometrica no guichê. Mochileiros sentados na plataforma comendo salada de frutas e executivos com cara de precisarem de um banho. Me deu uma vontade. Uma vontade de agarrar a mochila, chegar no guiche e perguntar "Tem passagem para onde?". Saudades daquela sensação de "roubada" que só os viajantes passam, quando você não faz idéia de como sair de um lugar, ou como fazer para chegar no seu destino, e um "anjo da guarda" aparecer e as coisas se resolverem milagrosamente. Vontade de não fazer a mínima idéia do que vai ser da minha vida daqui dois dias. Então cheguei no Porto e já baguncei todos os planos que tinha daqui para frente. Atrasei minha ida para a Itália (meu curso só começa dia 25 de maio, tenho um tempinho...) e arrumei algumas sarnas para me coçar. À noite, conversando com a Van, que depois de Dublin ainda foi para Amsterdam. "Dri, acabei de chegar no Brasil, mas só de ver suas fotos me dá vontade de arrumar a mochila denovo e ir te encontrar." Talvez seja verdade. Eu nunca vou deixar de ser mochileira. Talvez, quando eu estiver escrevendo e tomando chá na varanda da minha casa, meus olhos se percam no horizonte e minha alma viaje para estações de trem caóticas e cidades que eu nunca venha a conhecer. Mas eu acredito que dê para ter tudo. Pedi à "papai do céu" uma coisa: que eu encontre alguém incrível, com uma mochilona como a minha. Que tenha muitas histórias para contar a nossas filhas na lareira, mas esteja segurando minha mão quando a gente chegar à tribo na África.

domingo, 18 de abril de 2010

DIVÃ

Ok, vou fazer uma coisa muito íntima e pessoal aqui. Uma coisa que é quase como, fazer xixi de porta aberta na frente de quem entra nesse blog. Ou seja, o cúmulo da íntimidade. Vou postar uma pequena troca de emails que tive com o meu terapeuta hoje. Ex-terapeuta. Whatever. A questão é que, ele foi o cara que me acompanhou nos últimos 7-8 anos, e a quem eu devo a pessoa que eu sou hoje. Virou um amigo e, mesmo não tendo mais minhas sessões semanais, eu ainda abuso à distância (mesmo porque ele está habituado, pegou amor, sabe? A gente não pode cortar a relação assim, do dia para a noite, senão ele pode sofrer...)
Mandei um email essa semana para o Victor, contando de um sonho que eu tive. Victor adora sonhos e eu nunca levava sonhos para a sessão porque tinha preguiça de lembrar. Mas quando ele resolvia trabalhar questões que eu não tinha muito saco para abordar, eu lançava mão de uns sonhos para dar uma distraída na sessão... Bom. Eu tenho alguns sonhos recorrentes.Que sempre aparecem, a mesma temática, mas de diversas maneiras e em diversos momentos da minha vida. Trabalhamos alguns desses sonhos em sessões, que sempre representavam manifestações do meu inconsciente com a minha incapacidade de manifestação de sentimentos, meu pavor de envolvimento emocional, minha visão de relacionamentos como coisas perigosas e ameaçadoras e meu medo de me envolver e me machucar, e blábláblá (Vejam bem, claro que todas essas questões são inconscientes e eu não consigo controlalas racionalmente. Senão eu não precisaria passar quase uma década da minha vida com o Victor me explicando como minha cabecinha trabalha e o porque de eu boicotar tão sistematicamente minha vida.)  Essa semana tive dois desses sonhos seguidos na mesma noite. Mas, pela primeira vez na minha vida, eles tiveram finais diferentes do que sempre tive. Mandei os sonhos toda feliz, assim que acordei, porque entendi que uma vez que os sonhos mudaram, talvez meu inconsciente também tenha mudado a sua forma de trabalhar minha cabecinha zoada.

Victor -
"Eu estava me perguntando qual teria sido o fator capaz de provocar este break-through no teu inconsciente. E foi lendo o teu blog - coisa que não fazia há semanas, admito - que me ocorreu uma pista. Você se sente tão múltipla e indefinida como sempre, mas - tem se sentido amada. Amada por pessoas que não tem nenhum motivo para te amar, mal te conhecem, talvez nem te vejam de novo. Portanto: vc tem provado do chamado amor incondicional, aquela rara matéria-prima que se transforma depois em fé, e em seguida em auto-confiança. Isto é o que tem acontecido com você: nenhuma resposta, mas a certeza de que as perguntas tem valido a pena. E isto quer dizer também: o meu caminho, completa e unicamente meu, valerá a pena. Não preciso me preocupar, não preciso obedecer, não preciso...
Os vínculos familiares sobrevivem, mas vão se tornando menos importantes (é isto que vejo no primeiro sonho). E quanto ao rio pinheiros - bem, lembra-me de sonhos que eu tinha com trombadinhas quando morava por aí. Acho que vc está num momento de afastar-se do Brasil; como se ele fosse ficar guardado numa gaveta, um biquini a ser usado novamente apenas no verão, sei lá.
E as cinzas do vulcão, o que te evocam? o céu está de outra cor?
Grande beijo
V."
 
Eu -
"pois é. acho que agora as "águas" vão clarear tb. ainda me pego, dia sim dia tb, louca para ter algum controle na vida, pensando em me assentar em algum lugar. mas daí fico angustiada e não adianta. dura uma horinha e depois passa. mas estou aprendendo, tentando ser um pouco mais espontânea. não vou te dizer que isso vai acontecer do dia para a noite, mas eu chego lá.
estou achando um barato essa coisa de fumaça de vulcão. um barato mesmo. todo mundo em pânico e milhões de planos destruídos por uma coisa que ninguém pode controlar/prever/culpar/processar. rsssss. é hilário, não é?
estou em oeiras e aqui o céu está limpinho e azul. fui andar hoje à tarde na praia e estava um dia lindo. amanhã vou subir para o porto buscar uma mala na carol, vamos ver se mais para o norte as coisas estão melhores. tenho passagem marcada para dia 27 para a espanha (comprei há um mês em uma tentativa de fazer algum planejamento e ter controle de alguma coisa), acredito que até lá as coisas estejam melhores. dizem que a última erupção durou dois anos. isso sim seria engraçado. dois anos com o espaço aéreo europeu bloqueado. hoje na mina horinha de caos e angústia estava pensando sobre isso. vai que fecham o aeroporto de madrid no dia do meu vôo, e o de roma depois, e todos os mínimos planos que eu tinha feito na tentativa de me organizar um pouco vão-se por água abaixo (olha a água aí). Mas depois pensei direito, e daí? Né. Penso outro lugar para ir. Ou fico aqui. Ou vou de trem. Ou não vou. A verdade é que não existe caos. Quando não é para ser, não é. Nem que um vulcão tenha de ficar em erupção por dois anos. E sim. Estou me sentindo muito amada. E estou vivendo muito amor. E o mais legal. Estou trazendo muito amor e conforto para as pessoas com quem tenho me encontrado, e isso me faz sentir melhor. é aquilo. acordo todo dia tentando ser uma pessoa melhor. no final do dia constato que estou conseguindo. cá entre nós, acho que vou alcançar a iluminação ainda nessa vida!!! hahahahah! mas não espalha, é segredo.
mesmo porque ainda não decidi nem o que vou fazer ao certo depois de amanhã, quanto mais se eu quero mesmo encontrar a iluminação. dá que algum vulcão entra em erupção....

PS.: só para saciar sua curiosidade latente (porque sei da sua alma alcoviteira), ainda não me apaixonei, mas continuo querendo me apaixonar. me apaixonei por dublin, mas acho que isso não conta. acho mesmo que, nesse momento, eu sou uma encrenca. ocupada demais para me apaixonar, e arriscada demais. para se apaixonarem por. mas isso tb, vai mudar. quando não é um vulcão, é tsunami ou furacão. o mundo está cheio de catástrofes naturais. ;-)
te beijo
d."

sexta-feira, 16 de abril de 2010

COMER


Eu não tinha pensado exatamente em me empanturrar em Portugal, mas a comida daqui... Hum!!! Me faz ter vontade de engordar 20Kg e ainda pedir sobremesa. Além do bacalhau, que é uma paixão nacional e eu tenho comido dia sim, dia também para ir à forra dos preços absurdos no Brasil, tem os doces também. Muito ovo, açúcar e massa folhada. Bases de pão de ló recheadas com cremes melecados maravilhosos, pastéizinhos, bolos, queijadas. Tudo daquelas coisas que a gente lambe os beiços e ainda fica com os dedos grudentos por um par de horas. Meu favorito, que já virou um hábito, é a “nata”. Uma versão genérica dos divinos pastéis de Belém. Não é em todo lugar que elas são boas, mas no geral é só olhar a cara da pastelaria que dá para sentir o potencial. Não passo uma tarde sem pedir um café e uma nata, e ficar olhando a vida pela janela de alguma pastelaria. Das diversas receitas de bacalhau, minha favorita é a de Bacalhau com Natas. Uma tijelona de bacalhau desfiado, refogado com cebola e temperos e colocado para assar com batatas raladas, creme de leite e molho bechamel. Vem com a superfície gratinadinha e muito azeite… ainda não povei um que não fosse um desbunde.


À parte das informações básicas da culinária portuguesa, precisava muito falar aqui de uma das melhores refeições da minha vida. Sempre que dou umas voltinhas, reservo uma grana para fazer uma boa refeição completa no local. Nem sempre é caríssima, quase nunca na verdade. Mas sempre procuro um restaurante que seja muito bem indicado, quase uma unanimidade; e que traga muito da culinária local. Em Évora fui à “Tasquinha do Oliveira”. Mega recomendado pelo Lonely Planet (e eles nunca erram!), e mega recomendado por 10 entre 10 pessoas que você cruzar no Alentejo. A “Tasquinha do Oliveira” é um micro-restaurante, são 5 mesas apenas, e todo o serviço é feito pelo Sr. Oliveira e sua esposa. Ela na cozinha, e ele fazendo as honras da casa. Abriram o local em 96, com a intenção de vender vinhos e petiscos apenas, mas o boca-a-boca foi rápido e os clientes exigentes, então ampliaram o menu e se tornaram um dos melhores restaurantes de Évora. Cheguei na hora do almoço decidida a seguir qualquer recomendação que o Sr. Oliveira me desse. Para entrada ele tinha exposto no balcão algumas saladas para escolha (acho que vem daí nossa cultura de aperitivos de balcão em botecos). Fui em uma de cogumelos paris frescos curtidos em azeite e vinagre com folhas de hortelã, e pedi um queijo de ovelha feito na região. O queijo, servido em pedacinhos individuais ainda com o tecido envolto, era curado na parte externa e por dentro extremamente cremoso e suave. Feito de leite fresco, o sabor era do azedo da coalhada, só que mais doce e macio na língua. O vinho que Sr. Oliveira me sugeriu foi o Herdade do Pombal, da região de Estremoz. Tão perfeito que se abria em sabores super complexos junto com o queijo e o vinagre. Então ele começou a me trazer várias opções de entrada para eu experimentar. Pataniscas de bacalhau, uma espécie de tempurá feito de massa muito leve de farinha, bacalhau desfiado e bastante salsinha. Parecia um floco de neve gigante de tão leve. E uma outra versão dos cogumelos paris, só que assados com lascas de paio. Como prato, segui a proposta da Rota dos Sabores do Alentejo (um projeto organizado pelo Turismo que estipula um sabor alentejano por mês e que é o grande foco nos restaurantes participantes). Abril é o mês do borrego (carneiro). Então fui de Borrego Assado à Alentejana, que são pedaços de perna e mão de carneiro assados em forno com batatinhas inteiras douradas e servido no molho da própria gordura e saladinha de couve picada. Para acompanhar, Sr. Oliveira me trouxe bolinhas de melão geladíssimas e super doces, que junto com a carne (que parecia uma manteiga de tão perfeita) explodiam na minha boca despertando algumas papilas gustativas que não são sempre exigidas. Cada garfada era um orgasmo, te juro! E enquanto eu estava lá, mastigando borrego e me encharcando com a complexidade frutada da trincadeira (uma casta comum nos vinhos do Alentejo, e a que mais agrada meu paladar), eu resolvi que nunca mais iria comer por come, só para me alimentar e pronto. Decidi que daquele momento em diante toda refeição seria um acontecimento, ou não seria. Quero me maravilhar com a comida, vibrar com os encontros do meu paladar, mesmo que seja um fast food, mesmo que seja pipoca no cinema. Cada refeição deve ser incrível em seu contexto. O ser humano é o único animal que desfruta as nuances da gastronomia, todos os outros apenas se alimentam. É um desperdício negar a si mesmo essa experiência. Acho até que é pecado! Na sobremesa fui superlativa e pedi Sericaia e Encharcada. Sericaia é um doce típico alentejano, uma espécie de pudim feito de farinha, ovos, canela e servido com uma ameixa em calda, e a Encharcada é um doce de ovos, açúcar e canela curtido em calda. Para acompanhar fui de vinho licoroso Mouchão, que é um vinho muito próximo no paladar ao Porto (produzido pela mesma técnica), mas da região. Como toda refeição deve ser terminada com um café (e café ainda é minha paixão), Sr. Oliveira me serviu um espresso bem tirado, com espuma caramelo na superfície e paus de canela fresca para mexer e deixar o aroma. Muito tímido, Sr. Oliveira puxa conversa aos poucos, fala baixo, sorri de lado, e parece ter muito carinho pelo Brasil. Se ele pensa em ampliar as 5 mesinhas para aumentar o faturamento? De jeito nenhum! Está preocupado mais em nunca perder a qualidade. Vai mantendo a vidinha com a esposa, de forma despretenciosa, simples e muito bem cuidada. Espero mesmo que a ganância capitalista fique bem longe de Évora. Enquanto eu flutuava pelas calçadas, ainda anestesiada dessa experiência deliciosa, cheguei a conclusão do seguinte. Comendo do jeito que eu comi, já entendi como foi que a esposa do Sr. Oliveira arrumou o marido.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Ando completamente relapsa com o blog. Sei disso. Recebi cobranças também. Desculpe. Hoje entrei em uma loja de celular no meio de Évora e comprei um desses minimodens portáteis. Agora posso acessar com mais tranquilidade, até de dentro do ônibus. Mas não vou me esconder atrás dessa desculpa. Não foi apenas a falta de net. Estava em Lisboa e tinha tanta coisa para fazer. Depois voltávamos para casa e, minha nova prima e eu ficávamos até horas falando, e falando. Muito papo mulherzinha, que eu amo. E a última coisa que eu pensava era em vir aqui escrever. Só confirmando minhas suspeitas de que blog é coisa de quem não tem mais o que fazer (e umbiguistas assumidas como eu).
Ok, de onde eu parei? Eu estava em Lisboa com amigos tão amados e ganhei uma prima nova.
Além disso preciso registrar que havia esquecido de como os portugueses são grossos quando querem. AFE!!! Às vezes tenho a sensação de estar participando de alguma pegadinha, que horror!!! Lóóógico que recebo manifestações deliciosas de gentileza (e que, de acordo com a "Lei do Bom Retiro"*, essas manifestações tornam-se ainda mais carinhosas com a falta de cortesia que reina absoluta nesse país), mas no geral o português é grosso. Eu é que não vou criar caso com isso e estragar meu dia, então já acostumei, dou risada e guardo no diário para se tornarem ótimas histórias de viagem.
Essa semana fui um pouco de Lisboa e resolvi dar uma voltinha pelo Alentejo. Fui para Évora. Agora estou em Reguengos de Monsaraz (fala isso rapidinho, três vezes!). Évora é uma fofura de cidade, tombada pela UNESCO e blábláblá, mas só chove esses dias e tudo o que se há para fazer é ao ar livre. Então vim para Reguengos procurar vinículas para visitar. Ah, essas cidaddes são cheias delas! Fui em uma hoje em Évora. Me falaram que era perto, que dava para ir andando. Eu com a mochilona nas costas. Atravesso a muralha (já que Évora é uma cidade muralhada) e sigo pela estrada. Anda, anda. Anda mais. Chove. Eu com o meu guarda-chuvinha de poá preto e branco e barra pink comprado na Renner e com a resitência daquelas sombrinhas de papel vegetal que vendem na Liberdade. Carros buzinado ao meu lado na estradinha da largura de um corredor. Sério. Se passa carro, nem bicicleta cabe ao lado. Se for um SUV então, eu sou obrigada a pular no meio do mato. Mas tudo bem, super adventure. Meu cabelo que está parecendo palha de tão ressecado, depois de tomar chuva e secar o dia inteiro parecia a peruca do Bozo. Cheio de personalidade. Calça molhada. Mas cheguei até a Vinicula. E depois de fazera visita, voltei. À pé. E achei a Rodoviária sozinha, sem ajuda de mapa. Toda orgulhosa de mim. De ter explorado a Zona Rural de Évora (hahahah). Estava quase desistindo de vir para cá, quase voltando para Lisboa (porque Kika é uma linda e fica me ligando para dizer que está com saudades, e que me adora, e que minha estadia na casa dela fez muito bem a ela. Eu fico feliz, faço de tudo para colocar meus amigos para cima. Às vezes não dá certo, mas é muito legal quando funciona. Então ela grita no telemóvel "Vê logo o que tem para ver aí e volta pra cá, Gordaaaaa!". Kika adora chamar todo mudno de gorda.), mas chegando à rodoviária o ônibus para Reguengos de Monsaraz está pronto para sair. Então eu pulo dentro e venho para aqui. Cheguei na rodoviária, sentei na guia da calçada para atachar minha mochila de ataque na mochilona e me dou conta de que são 20h. Ainda estava claro, mas estou em uma cidade de 11mil habitantes. As ruas estão desertas. A rodoviária nada mais é do que uma garagem com um teto de cimento, e aparentemente estou completamente sozinha ali (todos os outros passageiros e o motorista desapareceram misteriosamente). Eu estou sozinha, em uma cidade deserta e que eu não conheço, com um endereço de um hotelzinho barato que eu não faço idéia de onde fica (ou se eu serei a única coisa respirando no quarto), molhada, totalmente descabelada, sentada na guia. E eu penso em como eu devo agradecer ao astral por tudo isso. Como eu sou sortuda, e abençoada, e feliz, e plena; eu penso em como eu tenho uma vida perfeita e conquisto tudo, exatamente como eu quero. Chega a me dar frio na barriga, certa angústia, porque como toda brasileira eu sou programada genéticamente para reclamar de tudo, a sempre esperar o pior, a diminuir meus méritos, e a achar que se algo bom me acontece, ele tem prazo de validade. Mas não. Não é assim. Engulo o calafrio e agradeço porque eu estou vivendo todas as experiêcias que eu queria. Joguei a mochila nas costas, sai andando pelas ruas embaixo de chuva e, como tudo está sendo perfeito, óbvio e natural, ando duas quadras e acho o hotelzinho que estou. Assim. Sem mais nem menos. Porque as coisas devem ser assim. O quarto uma graça. Cama confortável. Chuveiro quentinho. Horas abusando da minha internet, agendando detalhes dos próximos destinos, conversando com minha mãe. Cuidando da minha "quinta" no Farmville. Parabenizando o meu sobrinho lindo que faz aniversário. Sempre que eu acho que o caos se instala, a vida me inunda. Me enche de água até o nariz. Eu gosto de fazer bolhinhas. Só para garantir uma cereja no bolo, vou dormir bem tarde, depois de falar meia hora com meus sobrinhos. Eles receberam hoje meus postais de Dublin e ficam me contando tudo o que fazem. Antes de desligar, Bia me fala "Muitas saudades, Tia Dri. Eu não consigo viver sem você.". Eu também não, Bibi. Eu também não. Sorte nossa que temos uma à outra.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

EU VEJO AMOR


Adoro essa foto. Tirei no Kilmahain Goal em Dublin. É um presídio que conta muito da história dos rebeldes irlandeses. Você viaja por celas e paredes onde aconteceram algumas das cenas de maior miséria, dor, sofrimento e desumanidade que aquele povo viveu. Mas gosto da idéia de que, décadas depois, somos capazes de trazer amor, mesmo sem perder a memória das atrocidades.

RESSACA

Nem. Não é uma ressaca etílica. De dias de esbórnia e falta de bom senso. Nada disso. Tenho recebido tantas informações, e lugares, pessoas, tanto contato, que estou de ressaca. Com dor física até. Me dói o osso. Uma dor boa, foi desejada inclusive. Mas ainda assim, não pode ser ignorada.
Queria falar muito mais de Dublin, que foi mesmo incrível. Mas foi tudo uma loucura, fiquei dias sem internet, e quando tive acesso, estava cansada demais para qualquer coisa. Cheguei em Lisboa segunda à noite. Ivan, que é sempre a pessoa mais atenciosa, carinhosa do mundo, fez questão de me pegar no aeroporto. Ainda fomos passear pela cidade, tomar uns drinks e comer pão com chourizo e caldo verde. Meu corpo imediatamente se lembrou de todas as maravilhas gastronônimas de Portugal e lá vou eu ganhar vários kilos de volta. Eu que estava até feliz com as calças largas. No dia seguinte andei muito por toda Lisboa. Comi sardinhas assadas com batatas e sangria, diversos doces de ovos. À noite fomos para a casa da Kika (que eu não via desde alguns anos que podem denunciar minha idade...) e Ju estava lá também. Entramos noite rindo, contando histórias e bebendo muito vinho. É tão bom estar no meio de pessoas queridas, do bem, amadas. É muito bom estar no meio de pessoas que lembram como você era muito tempo atrás, mesmo que você mesma não se lembre. Mesmo que você mesma queira esquecer. Kika está me hospedando aqui. Ela mora em Oeiras, que é outra cidade, mas dentro dos meus padrões metropolitanos é a distância da Vila Madalena e da minha ex-casa (era a distância que eu e MH percorríamos para um café), e ela é uma anfitriã deliciosa. Sempre bem humorada, engraçada. Rimos e contamos histórias o tempo todo, e falamos besteiras, e fazemos planos de viajar pelo mundo. E nessas conversas acabamos descobrindo que somos primas. De verdade. A bisavó dela é parente da minha bisavó, ambas Cervantes, da cidade de Granada. Achamos uma justificativa cosanguinea para tanto amor, e agora nos chamamos de "priminha" e damos risada de como o mundo é mesmo uma kitinete mal frequentada. Ju também está sendo incrível. Ela estava de férias essa semana então me levou para conhecer Sintra, Estoril, Cascais; para comer pastéis de Belém e, óbvio, fizemos uma tarde mulherzinha e fomos às compras. Aliás, os pastéis de Belém.... são uma coisa única na terra!!! Dane-se a celulite. Não vou sair dessa vida sem experimentar todos os sabores de que sou capaz.
Estou me sentindo tão querida, e bem quista e amada aqui. Muito carinho e amor. Até minhas habituais discussões com o Ivan (porque a gente adora discutir!) são deliciosas e me fazem deitar à noite (ou melhor, quase de manhã) e agradecer com meu coração transbordando.
Minha cabeça está confusa. Chega a ser ensurdecedor. Está tudo uma bagunça, malas, roupas espalhadas nas casas de amigos pelas cidades, e eu não faço idéia do que fazer da minha vida em si. Estou muuito longe de chegar minimamente perto do que vim buscar, e parece até que tudo ficou pior, mais bagunçado e confuso. Mas com tudo isso, tenho tido dias incríveis, de muita felicidade. Relações preciosas, com pessoas preciosas. Conversar que me salvam com minha rede de proteção no Brasil. Tudo tão perfeito que me faz pensar se, talvez, a bagunça da minha cabeça não seja algo para se deixar como está. Se não é para ser assim mesmo. Não sei para onde estou indo, mas sei que não volto tão cedo. Todos os sinais me dizem que estou no caminho certo.

sábado, 3 de abril de 2010

AS SURPRESAS DE DUBLIN

Dublin é uma cidade que me surpreendeu completamente. A princípio parece que não há muito o que fazer, mas a cidade vai se revelando aos poucos, a cada hora que se anda pelas ruas. Não é um acontecimento arrebatador como New York, nem o aconchego de lar que senti em Londres. Não tem o encanto charmoso do Porto, nem a tal da “poesia concreta” da minha amada São Paulo. A primeira vista Dublin parece uma próspera periferia. Cheia de pessoas comuns, gente que acorda todo dia para pegar condução e trabalhar em empregos completamente desprovidos de glamour. Extremamente úmida. Você dificilmente ficará alguns dias em Dublin sem se molhar. Chove todos os dias, isso é até uma piada nacional. Passei muito frio nesses dias. Neve no começo da primavera, que surpreendeu os próprios irlandeses. Manter os pés aquecidos e secos (além de uma questão de sobrevivência) foi uma tarefa hércula. Estou com uma coleção de meias térmicas e meias de lã na bagagem agora. E embora todos esses fatores pudessem fazer qualquer mortal detestar a experiência, Dublin se revela na verdade encantadora. A principal razão disso é pelo seu povo. Difícil não se encantar pelo povo irlandês. Todos carregam a marca de séculos e séculos de guerras, humilhações, fome, sofrimento. Um povo que foi conquistado por diferentes impérios ao longo de toda sua história, mas sempre resistiu. Que foi perseguido e eliminado aos milhões por suas crenças e sempre resistiu de uma maneira quase incompreensível. Hoje carregam na bandeira uma esperança de diálogo, perdão e paz (o verde da bandeira representa os católicos, o laranja os anglicanos e protestantes, e o branco no meio a paz que eles esperam conquistar entre eles). Chega a ser desconcertante a capacidade de sobreviver. Mais desconcertante ainda é a gentileza de que eles são capazes. O tempo todo, todos os dias, fui testemunha de atitudes de pessoas comuns em ajudar o próximo sem o menor interesse de recompensa. Só como um exemplo vou contar uma situação que passei. Eu e Vanessa (uma outra brasileira que estava no Hostel e tornou-se uma companhia muito querida pelas andanças por Dublin) estávamos meio perdidas procurando o Kilmahain Goal. Entramos em uma rua meio sinistra, cheia de casinhas fechadas de um lado, com um terreno baldio do outro. Paramos embaixo da chuva (para variar) tentando entender o mapa que derretia na nossa mão. Então uma senhora muito idosa abre a porta de uma das casas e pergunta se precisamos de ajuda. E quando falamos que estamos perdida, aquela senhora sai embaixo da chuva, se molha toda e faz questão de nos explicar pacientemente como fazemos para chegar ao museu. Ainda, com toda sua dificuldade de locomoção, abre um sorriso e nos deseja um dia de muita diversão. Existem muitas outras coisas que eu poderia falar sobre Dublin. Passei cinco dias de muita felicidade lá. Mas o que trouxe da Irlanda foi essa impressão de solidariedade e compaixão que senti das pessoas. Talvez por terem vivido uma história tão desumana, os irlandeses tornaram-se um povo caloroso, com muita consciência e respeito pelo próximo. Existem histórias no mundo todo de medo, mágoa, vingança. Mas há sempre aqueles que pegam um limão e tranformam em caipirinha.