quarta-feira, 20 de outubro de 2010

EMBARQUE

Estou deixando a Holanda hoje. Estou escrevendo no avião, indo para Barcelona. A passagem mais em conta que consegui era essa. Uma escala de 3 horas em Barcelona, para só então ir para Lisboa. Cheguei correndo em Schiphol hoje, bem em cima da hora do vôo, até perdi meu guarda-chuva LINDO do Van Gogh no caminho. (Fiquei tão triste, tão, tão triste com isso!). Tudo para chegar no balcão do check in e ser informada de que o vôo ia atrasar duas horas por causa da greve de Paris. Globalização é isso aí minha gente. Para uma brasileira voar de Amsterdam para Lisboa, ela precisa pingar em Barcelona antes e, sabe-se lá porque raios, uma greve em Paris no meio do caminho faz com que tudo fique bagunçado. Lá vamos nós brincar de “Tom Hanks” de novo no aeroporto. Quando eu era pequena adorava ir ao aeroporto. Ver os aviões pousarem e decolarem. Era tão mágico assistir aquela geringonça flutuando no ar. Até pouco tempo atrás eu era a maior rata de aeroporto. A primeira a se oferecer para levar ou buscar alguém. Adorava aquela atmosfera de gente indo e partindo. De expectativas, sonhos, possibilidades. Mesmo quando não era eu viajando. Agora parece que toda essa magia se transformou. Não sinto mais friozinho na barriga de chegar no aeroporto. Não fico sonhadora cada vez que ouço a voz aveludada anunciando os vôos nos auto-falantes. Não babo mais de assistir o portão de embarque. Aeroportos perderam o glamour. O vôo atrasou um pouco mais então no total foram três horas fazendo hora no portão de embarque. Fiz compras no Duty Free. (Outra coisa que me empolgava bem mais e agora não vejo graça nenhuma.) Alguns perfumes e maquiagem, nada de mais. Depois sentei e trabalhei no computador. Plantei minha fazenda do Farmville inteira. Mandei emails. Cobrei respostas. Fechei o computador e fui comer alguma coisa. Paguei uma fortuna por um saquinho com maçãs fatiadas, um stick de queijo e um iogurte. Enquanto eu comia fiquei assitindo pela janela o tráfico da pista de pousos e decolagens. À minha volta dezenas de pessoas com as feições mais miseráveis do mundo. Sentadas, entediadas, esperando. Alguns no computador como eu. Outros deitados no chão ouvindo Ipod. Mas a grande maioria com o olhar perdido no ar. O que será que pensam? Tudo para entrar em um avião de uma Cia. Aérea low cost. Com assentos apinhados igual sardinha em lata. Ter de se encaixar milimétricamente e procurar ficar o menos desconfortável possível durante a viagem (Desconfortável a gente sabe que vai ficar mesmo. Então é tentar ficar menos.). Depois assistir à humilhante sessão de “topa tudo por dinheiro” que os comissários dessas companhias são obrigados a passar hoje em dia. Eles desfilam pelos corredores vendendo lanches, sucos, salgadinhos, bilhetes de loteria, raspadinha, óculos escuros, bichinhos de pelúcia e até ticket de ônibus. Eu perdi as contas de quantos vôos fiz durante os últimos meses. Muitos trechos eu fiz de trem, alguns outros de carro, mas minha intimidade com aeroportos mudou. Não sei se para melhor, ou para pior. Talvez eu tenha apenas desmistificado. Talvez os tempos de glamour da aviação tenham acabado. Talvez não tenha nada a ver com isso e eu seja apenas uma pessoa diferente hoje, que sente e percebe as coisas de forma diferente e ponto. Mas eu ainda não consegui entender porque eu sempre acabo indo (nem porque vim.).

domingo, 17 de outubro de 2010

I AM STERDAM

Eu estou em Utrech com a Lulu e o Pedrón. É bem pertinho de Amsterdam e a Lulu não me deixou ficar em nenhum outro lugar. Eu também não resisti muito porque só a idéia de arrumar a mochila me dá calafrios. Tipo, stress pós-traumático mesmo. Então eu tenho ido todos os dias para Amsterdam e voltado. Praticamente só durmo em Utrech. Primeira coisa é que eu AMO Amsterdam. Isso é fato, inquestionável. E falo de amor, amor. Amor de verdade. Não da euforia da paixão. Amor daqueles que é simplesmente. Daqueles que a gente não precisa sair e berrar. Estou aqui martelando o Tico e o Teco, pensando em uma desculpa para mudar para Amsterdam e virar dutch. Tá difícil, mas eu ainda vou ter uma idéia brilhante. E dito isso, agora podemos fofocar sobre outras coisas. Comprei o I AMsterdam Card de 48h. É um pouco salgadinho (€48), mas te dá livre acesso à todos os museus da cidade, transporte público e desconto em uma infinidade de shows, restaurantes, atrações. E ainda vem incluso um tour de barco pelos canais. Sabe aquelas pessoas que comem até vomitar no rodízio só para fazer valer o que estão pagando? Foi mais ou menos assim meus dois últimos dias. Uma glutona cultural. Fui no Van Gogh, no Rijks, no Rembranthaus, no Museu do Diamante (dizem que são os melhores amigos das garotas...), dois museus de foto IN-CRÍ-VEIS! O Foam e o Marseille. Aproveitei que estava no meio do caminho e fui em um museu que mostra como eram as casas de canais do século XVIII. Fiz o tour nos canais de barquinho e assisti um concerto desbunde. Rachmaninov. Ainda é meu favorito. Hoje tirei o dia para a ressaca. Acordei quase meio-dia, fui encontrar uma amiga de infância com quem não falava há 15 anos. Talvez 14, não importa. A verdade é que eu estava muito nervosa de encontrar com ela. Nossa amizade ficou abalada todos esses anos por um motivo muito dolorido. Coisas que o coração às vezes arma para a gente, e eu nem sei explicar como foi especial encontrá-la hoje, assim, fechando minha jornada. Passamos a tarde conversando como se nunca tivéssemos deixado de nos falar. Sentadas em um Café na beira do Rio Amstel. Comendo nachos com guacamole e suco de maçã. Tomei uma cervejinha, daquelas frutadas que parecem suquinho, mas continuo feliz com a abstinência quase total. Engraçado como a vida vai dando voltas e faz tanta coisa com a gente. Quando eu estava no foyer do teatro, aguardando para assistir o concerto, comecei a lembrar de algumas coisas que tinha lido no Museu Van Gogh. O trecho de uma das cartas dele para o Theo antes de se matar. “Sou um fracasso. Sou um desapontamento.” Dois meses depois, essa alma tão perdida (e já sem uma orelha) deu um tiro no próprio peito e morreu após 5 dias em decorrência dos ferimentos. Ele tinha 37 anos. Morreu sem assistir como seu trabalho genial e sem precedentes inspirou toda uma geração de pintores e deu início à Arte Moderna. Então caiu uma ficha. Uma fichona. Caiu e eu comecei a gargalhar. Gargalhar igual idiota no meio do foyer, segurando o programa da noite e uma xícara de cappuccino. Pela primeira vez na vida eu realmente entendi a frase de Sócrates, “só sei que nada sei”. E a gente não sabe nada mesmo. A gente precisa parar de arrancar a própria orelha e de dar tiro no pé, porque às vezes o que é fracasso e desapontamento se transforma no movimento mais instigante que já vimos na história da arte. (Pelo menos na minha opinião. Não acho que nada foi feito de muito genial depois do Modernismo e todas suas variantes.) Eu sou uma louca. Obcecada por certezas, regras e seguranças. E a única certeza que eu tenho na vida é que não tenho certeza nenhuma. Isso é muito libertador. Ainda não tenho o distanciamento suficiente da minha própria jornada. Eu ainda não coloquei os pés no Brasil. Ainda estou homeless quando voltar para São Paulo. Mas eu consigo ver que durante todo meu caminho eu passei por fracassos e desapontamentos. Um atrás do outro. Surtos um atrás do outro. E no final de tudo a única coisa que foi sempre uma constante é a incerteza. Por mais paradoxal que seja, ter certeza da minha incerteza está me fazendo sentir calma, tranquila e segura como nunca. Não sei se vou virar dutch. Nem se algum dia vou voltar para Amsterdam. Mas não tenho vivido a cidade como se fosse o começo ou um fim. Estou apenas me deixando encaixar aqui. De resto é um dia de cada vez. Uma pincelada a cada hora. Vou pintar milhões de quadros. Posso não vender nenhum. Mas a incerteza. Assim como essa cidade cheia de bicicletas e galerias perdidas entre ruas estreitas e canais. Ambas. Ainda serão minhas.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

NETHERLANDS

Eu deixei a Holanda por último. Não foi planejado, mas foi perfeito. Eu sei que para muita gente a Holanda é sinônimo de loucura e piração. Maconha liberada, cogumelos em cada esquina. Só que eu sou careta. De tudo. Não uso, não gosto, não me importo. Os holandeses são detentores da menor taxa de consumo de drogas da Europa. Como diz o ditado, “uma vez em Roma...”. Se eu não fazia em casa, e se os holandeses não fazer, para que diabos eu vou perder meu tempo e meu rico dinheirinho fumando maconha em coffee shop. Então não. Eu não provei maconha. Nem comi space cake. Nem tentei os cogumelos. Pelo contrário, mal tenho bebido. E beber eu gosto. Andei tomando umas tacinhas de vinho nas refeições com a Erna e a Lu. Arriscamos um prosseco no domingo porque a Rachna estava milagrosamente de passagem por 3 horas no país e a gente almoçou juntas. Delícia de domingo. Ensolarado, lindo. À beira de um parque em Rotterdam. Fora isso ando à base de suco e Coca Zero. Adorando ficar básica. A Holanda tem essa atmosfera calma, muita qualidade de vida. Gente bonita, inteligente, bem educada e culta. Um jeito de levar a vida muito lânguido, desencanado. Que me agrada muito. Bicicletas para todos os lados. Isso é verdade, e isso os holandeses todos fazem. As garotas se montam, botam o salto alto, e vão pedalando para a balada. Acho um charme. E nada de 18 marchas e quadro de alumínio. Quer andar no dutch style tem de ser bicicletão de ferro, marcha simples e freio no pé. Isso mesmo. Freio no pé. Pedala para trás, parou! Eu fiquei meio insegura no começo, porque nunca usei freio no pé. Mas se não sabe brincar, não desce no play. Lá fui eu correndo atrás da Erna pelas ruelinhas e canais de Amsterdam. Ela que é original de fábrica e apenas se joga nos quilometros de ciclovia, olhava de tempos em tempos para trás e gritava “Ciao Bella! Don´t fall in any canal!”. Eu tentei. Consegui. A gente ainda deu uma explorada maravilhosa pelas cidadezinhas. Algumas eu não vou conseguir soletrar, mas fui ver os famosos moinhos de vento. Fofos de tudo. Tiramos milhares de fotos e até fizemos um amigo. Um senhorzinho japonês que estava sozinho no meio do campo desenhando os moinhos em um caderno de rascunho. Super bucólico. (Eu acho!) Depois fomos para Den Haag, que é a capital da Holanda, (Eu jurava que era Rotterdam!), passamos uma tarde na praia (que não era nada especial, mas é bem especial pensar que se mora em um país onde se chega à praia em no máximo 2 horas, não importa onde você more), eu comi haring (o tal do peixe cru cheio de cebolas que faz a gente lembrar dele por dois dias consecutivos), fomos para Haarlen e Delft. Delft, aliás, é uma gracinha de cidade! Vontade de embrulhar e levar para casa. Ontem ela me deixou em Utrech onde a Lu e o Pedro estão morando desde final de agosto. Invejinha dos dois. Morar nesse país, com toda essa calma, essa tranquilidade. Verdade que começo de imigração é perrengue. Mas ainda assim. Invejinha dos dois. Amanhã vou novamente para Amsterdam. Quando fui com a Erna fomos com agenda planejada. Fui visitar um projeto assitencial na periferia de uma amiga dela que conheci aqui. Trocamos figurinhas e estreitamos contato para o projeto que vou montar quando voltar para o Brasil (está no quadro de conquistas que estou levando na minha bagagem de volta). Depois almoçamos com uma outra amiga dela. Estilosérrima e dona de uma invejável coleção de 250 sapatos (OHHHHH, Deus! Porque dai tanto a uns e tão pouco a outros???). Me fez pensar em como foi que eu consegui sobreviver todos esses meses com apenas 3 pares de sapato (um tênis, uma sapatilha e uma havainas). E em como eu quero muito corrigir isso assim que pisar em São Paulo. Terminamos o dia destruidas no Anne Frank Haus. Triste, triste, triste. Para fechar todo o resgate Holocausto da viagem. Foi um pacotinho de lenços de papel para conseguir passar por todos os cômodos e chegar do lado de fora. Essa é, sob uma ótica, minha última semana de jornada. Quarta-feira que vem volto para Portugal. Juntar minha bagagem, beijar minha família européia e embarcar de vez. Com a Holanda eu fecho todos os países que eu queria conhecer. Cumpro tudo o que tinha me proposto. “Me concentrar na Europa Ocidental (Portugal, Espanha, França, Itália, Suíça, Bélgia, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Irlanda e Escócia). Aprender uma nova língua. Voltar para o casamento da minha prima.” Marrocos, Croácia e República Tcheca vieram de brinde. Milhões de outras coisas vieram de brinde. Eu quase não tenho mais forças para carregar a mochila. A única coisa que consigo pensar é que agora só preciso empacotar mais uma vez para chegar em Lisboa e depois empacotar tudo de vez. Eu cavei até o osso. Não sobrou nada. Segui juntado cada pedacinho de mim pelo caminho. Vou jogar tudo dentro das malas que estão há meses me esperando em Portugal e voltar para casa. Vou precisar de muito tempo para montar o quebra-cabeças de novo. Por isso é simplesmente perfeito essa calma. Esse país pequenino que parece a sala de casa. É simplesmente perfeito olhar o outono se firmar (mais uma estação passando no meu nariz). Perfeito não fazer planos nenhum aqui, não ter agenda, não ter celular (o meu foi perdido na Escócia, só para registro), não ter compromisso, não ter roteiro. É simplesmente perfeito apenas me jogar, aceitar tudo o que vem. O quem vem com os amigos. O que vem com as cidade. O que vem cada dia. Poder apenas ser. Nem que seja “ser” por uma tarde inteira, sentada em um café, olhando as bicicletas passarem e refletirem na água escura dos canais.

domingo, 10 de outubro de 2010

SECRETÁRIA ELETRÔNICA

No momento não posso atender sua ligação. Estou na Holanda. Usando conexão de internet emprestada. Sem muito tempo também para escrever. Achando esse país maravilhoso, as pessoas deliciosas, e a vida uma benção. Eu achava que minha jornada estava já terminada, mas cada dia eu me invento, reinvento, me encontro e me acho. Cada dia melhor. Amém. Nem sempre dá para processar tudo assim de cara. Nem sempre dá para contar tudo no mesmo dia em um post aqui. Exitem coisas que vão vir com o tempo. Outras que só escrevendo com muita calma. Agora estou caçando moinhos de vento. Na Holanda eles são de verdade. Se aqui estiver em silêncio por muito tempo, deixe seu recado depois do sinal. Retorno assim que puder. Piiiiiiiiiiiiiii...

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

UM DIA DEFINIDO PELO XIXI

Hoje acordei bem cedinho. Eu tinha o dia todo muito bem planejado. Pegar os museus logo cedo, almoçar pelo centro histórico, alugar uma bicicleta e pedalar até o outro lado da ponte e pelo bairro da universidade. Depois eu ia sentar em um café e ler meu guia da Holanda. Gosto de fazer assim. Comprar o Lonely Planet antes de ir para o país. Ler tudo o que me dá vontade. Dobrar as orelhinhas do que eu quero ver. E chegando ao país eu esqueço o guia e vou seguindo conforme dá vontade. Só que comigo sempre que eu tento controlar, sempre que eu tento planejar demais, dá tudo errado. Então hoje eu acordei, fui fazer xixi e... senti uma ardência. Qualquer mulher com mais de 30 anos já passou por isso pelo menos uma vez na vida. Cistite! A famosa infecção urinária, que vem do nada, ninguém sabe direito porque (no meu caso até sei), e é bem chatinha. Eu estava pesquisando no google sobre sintomas e tratamentos, e tinha um site enumerando quais as possíveis causas de uma cistite. Número um: “ser mulher”. Pois é. Ano passado tive duas vezes. Meu médico me explicou que a maneira como o corpo da mulher foi concebido favorece. A uretra do homem é muito mais longa e por isso os casos de cistite neles são mais raros. Anyway. Como minha uretra é curtinha, acordei e senti o xixi arder. Ontem eu estava dizendo que me preparei para tudo nessa viagem. Tudo mesmo. Antes de sair do Brasil minha médica me passou uma lista super “drugstore cowboy”. Tinha inclusive um antibiótico para o caso de uma cistite no meio do caminho. Que eu, talvez por burrice ou talvez por otimismo, deixei junto com a minha bagagem na casa da Carol em Portugal. Não achei que ia perambular por meses e precisar de um antibiótico. Então comecei a levantar minhas alternativas. Ignorar e não tomar remédio é a menos inteligente das alternativas. Todo mundo sabe que se a bactéria subir para o rim, a infecção se alastra e vira uma nefrite. Daí sim dói para burro e se tem um problema de verdade. Hum! Se fosse no Brasil eu só precisava do nome do remédio e compraria em qualquer farmácia. Fiquei ponderando as possibilidades de comprar um remédio regulamentado sem receita médica e sem falar alemão em uma farmácia de Colônia. Pois é. Talvez não seja das melhores opções também. Então fui para a terceira alternativa (porque a pessoa é preguiçosa e já foi loira). Ativar meu seguro viagem. Em quinze minutos um simpático atendente falando português com aquele sotaque gostosinho de gringo que troca todos os artigos, me passou o contato de uma médica do outro lado da rua do meu hostel, avisou que eu não precisaria pagar pela consulta e que eles me reembolsariam depois pela medicação (olha só!). Lá fui eu na médica alemã. Imaginando que tipo de mímica eu deveria fazer para explicar o que eu tinha caso ela não falasse inglês. E não é que a médica alemã era na verdade romênia e não falava inglês. Mas falava francês, e eu fiquei bem feliz de ter estudado línguas na minha vida, porque mesmo a versão Tarzan me deixou bem confortável de que ela não erraria o diagnóstico e me daria um remédio para bicho de pé. Eu fiquei na sala de espera um tempão lendo meu guia da Holanda e tomando água, porque “je n´avais pas beaucoup du pipi pour l´examen clinique” e saí de lá com uma receita de antibiótico. Depois de toda a maratona, meus planos de pedalar e explorar bairros já tinham passado do meio dia. Acho que antes eu ia ficar bem mal-humorada. Eu ia acabar me trancando no quarto ou passar o resto do dia reclamando que meu dia estava arruinado, e que meu final de semana seria arruinado pelo remédio. E daí sim eu perderia meu último dia em Colônia. Mas como eu não sou a pessoa que eu era ontem. Muito menos a pessoa que eu era há 8 meses atrás, ou um ano atrás, eu já aprendi que a vida sabe mais das coisas do que a gente. Então eu aceitei. Aceitei o dia com cistite, com a manhã passada em um consultório médico. Com jejum forçado até o meio da tarde. E fui andando até o centro histórico. À pé mesmo. Olhando vitrines. Procurando um presentinho para a Erna que vai me pegar na estação de Rotterdam amanhã e me hospedar por uns dias. Comi donuts, daqueles que lambuzam os dedos, e fiquei horas em uma exposição fantástica no Museum Ludwig. Pop Art (que eu AMO AMO AMO!!!), muita video-arte, algumas instalações, uma exposição especial de Lichtenstein (que me deu uma perspectiva totalmente diferente dele) e uma delícia de exposição de “La Bohème” com fotos eróticas do início do século XX (que eu sou completamente apaixonada), entre outras coisas. Vi o pôr do Sol na ponte, linda, toda pendurada de cadeados, e voltei sem rumo, deixando o caminho me levar até em casa. Ainda tropecei em um restaurante vietnamita e comi muito bem. E muito barato. Chegando no quarto, sentei na cama e consegui uma milagrosa unha francesinha enquanto conversava com a Cí pelo skype. Ando tão feliz. Essa coisa de a gente ser responsável pelo nosso estado de espírito é uma puta descoberta. Dá um alívio. Saber que meu dia só vai ser um mal dia se eu deixar. Se eu quiser que ele seja. Se eu escolher. Mesmo que nada esteja sob meu controle. Mesmo que nada saia como o planejado. Mesmo que eu acorde com o xixi ardendo. Agora à pouco os caras que estão dividindo o quarto comigo vieram aqui me chamar para tomar uma cerveja. Eu agradeci, usei o antibiótico com desculpa e sorri. Gentil deles me terem convidado. Mas eu acho que eu prefiro colocar Macy Gray no Ipod, desligar o computador e escrever no meu diário. Acordar bem cedo amanhã e não fazer planos nenhum.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

UM DIA FELIZ

Cheguei em Colônia ontem num mal-humor. Nada de muito grave não. Só que foram 4h30 de trem desde Berlin. E os preços das passagens de trem aqui na Alemanha são obscenos. Muito. Daí ainda desci na estação errada, tiver de pegar um outro trem para chegar na estação central e depois me bati por longos minutos (longos porque a mochila estava nas costas e estava pesada) para descobrir como funcionava a rede de metrôs... resultado que cheguei no hostel só no final da tarde, faminta, mal-humorada e sem saco para muito papo. Saí para procurar internet e algo para comer e não fui muito com a cara da cidade. Tudo comercial demais. Meio feia, meio suja. Sentei em um Starbucks e fiquei trabalhando até ser expulsa de lá. A menina apagou a luz na minha cara e eu achei que era melhor ir embora. Estou trabalhando na minha volta. Estou tão empolgada, cheia de planos. Eu estava tão confusa porque, como eu havia dito, eu me preparei para tudo nessa viagem. Me preparei para os dias ruins, para os dias bons. Para ficar triste, sentir saudades, doença, falta de dinheiro, passaporte roubado, deportação, guerra, manifestação, catástrofe natural. Me preparei mesmo. Eu sabia tudo o que podia me acontecer. Graças à Deus os efeitos colaterais foram mínimos. E é lógico que o fato de eu ter me preparado não quer dizer que não tenha sentido na pele. Só que eu me dei conta há algumas semanas que eu não tinha me preparado para voltar. Então foi duro. Passou. Respirei. Meditei. Sentei no meu computador e escrevi. Tudo o que me vinha na cabeça, tudo o que eu estou descobrindo de mim. Tudo o que eu descobri que gosto. Ainda estou trabalhando. Ainda estou escrevendo. Mas esse vai ser o mapa da minha vida de volta. Os carimbos no meu passaporte emocional. Estou bem empolgada. Ainda mais que agora não vai comigo nenhuma pendência. Tudo resolvido. Ah, sim. Colônia. Então minha chegada foi meio bicuda. Mas isso foi ontem. Hoje é outro dia. E eu não tenho do que reclamar. Saí pelas mesmas ruas de ontem, só que hoje resolvi sorrir. Andei achando tudo lindo. Tudo charmoso. Tudo incrível. Andei feliz pra burro de estar aqui. Lá pelo meio dia começou a chover. Garôa chata, para estragar minha vontade de bater perna e tirar foto na rua. Não me dei por vencida. Se na rua estava chovendo, entrei em uma loja e fui fazer compras! Quer coisa para deixar a gente mais feliz do que fazer compras? Fiquei horas olhando as araras, experimentando roupas, enrolando encharpes no pescoço. Saí toda pimpona quando o estômago roncou e a chuva parou. Fiquei babando no gigantismo da catedral. Faz a gente se sentir pequenininha, como criança em frente de castelo de areia. Eu não sou muito de religião. Acho que é legal quem tem e segue. E acho que se você tem, deve mesmo seguir. Só acho que não funciona para mim. Cada um, cada um. Mas a minha família é bem católica. Praticam direitinho e são muito apegados a fé. Acho legal isso. E acho legal também que ninguém fica tentando me converter. Então como eu respeito a fé deles, e eles respeitam a minha, hoje eu resolvi rezar. Do meu jeito, mas no templo deles. Sentei em um dos bancos da catedral e pedi por cada um da minha família. Até por aqueles que vão nascer daqui umas semanas. Pedi e agradeci por todos eles. Porque minha mãe acredita que quando a gente faz uma oração em uma igreja, essas pessoas se fazem presentes. Então hoje à tarde, depois da chuva, rolou uma mega reunião com a italianada na Catedral de Colônia. Eu fiquei feliz de ter feito isso. Já que estava um clima “almoço de família”, pedi também pelos meus amigos. Por todos aqueles que eu amo, e que durante todos esses meses me deram tanto, mas tanto amor. Pedi e agradeci por tê-los todos na minha vida (inclusive por aquela que vai nascer daqui algumas semanas). Sem ter visto quase nada da cidade, sem me cobrar de “descobrir” a cidade, me jogar, me divertir, sem nada. Fiquei zanzando no meio das pessoas na praça, só para ajudar o fluxo. Fiquei assitindo as pessoas na vida, as pessoas sorrindo, as pessoas trabalhando, as pessoas falando, as pessoas correndo, as pessoas dormindo, as pessoas pedindo, as pessoas atendendo celulares. Então eu pedi também, por todas aquelas pessoas. Eu sempre digo que amor é um exercício. Tem dia que dá preguiça de ir na academia, mas a gente sempre fica feliz quando vê os músculos aparecendo. Hoje foi assim. Foi um dia tão feliz.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

VOLTANTO PARA BERLIN

Eu amei Berlin. Tanto que não foi difícil voltar. Os motivos não vêm tanto ao caso, mas voltei para ficar mais 3 noites e resolver um assunto que estava pendente. Berlin é uma cidade fantástica. Low profile, gente interessante, milhões de coisas acontecendo ao mesmo tempo. Aproveitei para fazer mais alguns tours temáticos que eu não tinha feito. Pegar uns dias de Sol, já que semana passada só choveu. Ontem fui no tradicional mercado de pulgas, que é enorme e delicioso. Comprei presentinhos para algumas amigas. No final da tarde, no melhor estilo Woodstock, rolava um karaoke ao ar livre. Cerca de 300 pessoas cantando, e aplaudindo. Um clima de espírito livre a cabeça aberta. Fiquei completamente emocionada quando uma deficiente mental subiu no palco ajudada pela mãe, sentou em uma cadeira e começou a gaguejar uma música. Na mesma hora toda a platéia em uníssino começou a cantar e bater palmas com ela como se ela fosse a maior rock star do planeta. Vou te contar, naquela hora ela era. Difícil não se apaixonar assim. Aqui as pessoas amam. Ainda bem. Não é perfeita. Não é bonita. Em muitos pontos essa cidade está deteriorada e caída, mas aqui só tem amor. Verdade que o lugar que eu estou agora não tem internet então preciso escrever um post rápido em meio a milhões de outras coisas para resolver em um curto período de tempo no Starbucks. Mas Berlin é amor.

sábado, 2 de outubro de 2010

HAMBURGO

Hamburgo já fazia parte dos meus planos. Depois que eu descartei o Sul da Alemanha porque a logística de chegar depois na Holanda era muito complicada, coloquei Hamburgo na lista. É a segunda maior cidade da Alemanha, carrega uma história de riquezas por ter sido durante séculos o principal porto de toda essa região da Europa. Foi também destruída completamente por um incêndio no séc XVIII, depois mais recentemente, por um bombardeio cruel durante a IIWW. Eu esperava ter bastante disso tudo, mas na verdade Hamburgo acabou se revelando uma cidade bem menos interessante por isso. A cidade em si nada mais é do que uma cidade grande. E cidade grande por cidade grande, eu vou voltar para uma que já é fabulosa por si. O que acabou fazendo Hamburgo para mim, foram quatro garotos de Liverpool. Sim! Beatles. Beatles na veia. Foi nos bares do Red Light District que esses, na época eram 5, garotos de Liverpool tocaram 45 dias ininterruptos entretendo uma platéia de bêbados e prostitutas e mudaram para sempre a história do rock&roll. No mesmo Red Light District fica o Beatlemania, o museu feito para a banda. Eu fui esperando ver uma coleção de canhotos de ingressos e capas de LP autografadas penduradas na parede por algum fã, mas o museu é simplesmente fantástico. São 5 andares muito bem montados, traçando uma linha do tempo desde quando eles desembarcaram em Hamburgo para aquela temporada insana, até o último album “Let it Be” e as respectivas carreiras solos. É como um parque de diversões para adultos. Cheio de atrações interativas, como karaokê e até uma sala reproduzindo o Yellow Submarine onde você pode brincar de capitão. Entrevistas com fotógrafos, produtores, agentes. Amei a entrevista com o cara que concebeu toda a capa do Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band. O melhor de todos os albuns dos Beatles na minha leiga opinião. Fotos raríssimas, cenários, roubas que eles usaram. E você ainda sai de lá com uma foto sua montada no rosto do seu Beatle favorito. Naquela versão cabelinho “mamãe eu sou bonzinho” do começo dos anos 60. Eu queria a minha com o rosto do Ringo, porque o Ringo é o meu favorito. Mas estava quase impossível encaixar na moldura que tinha dele, então acabei fazendo com a do John. Ah! Sim! Também tem canhotos de tickets de show e fotos autografadas... Mas depois de tudo aquilo, quando você vê o autógrafo de verdade, a vontade é mesmo de gritar e arrancar os cabelos igual aquelas garotas nos registros de vídeo. Acho que só por isso, já valeu a pena ter ido para Hamburgo.