terça-feira, 25 de outubro de 2011

SEGUNDA-FEIRA

Eram 6h e eu taquei minha mão no despertador barulhento que eu comprei na Tok Stock e que é mecânico, então precisa dar corda e fica fazendo tic-tac durante a noite o que acaba me acalmando de uma forma meio antagônica e paradoxal, mas é extremamente eficiente na função de me arrancar do sono profundo (que eu adoro e tenho particularmente precisado nos últimos meses) para pular para o criado-mudo da outra extremidade da cama e puxar o netbook que permanece conectado non-stop e começar a trabalhar, responder emails, pesquisar conteúdo, montar programação. Ontem nós tínhamos lançamento de site novo e por mais que eu tivesse revisado o texto ainda fui encontrar um erro de português depois da publicação; o tipo de coisa que me deixa arrasada! Montei carta de agradecimento para os colaboradores do evento de sábado, coordenei anúncio que deve sair essa semana, embora eu tenha certeza absoluta de que vai dar problemas. Esses anúncios sempre dão problema. Tão mais fácil lidar com máquinas do que com pessoas. Coloquei os lençóis para lavar. Peguei a “To Do List” e fui ticando cada item. Relatório de resultados de anúncio do Facebook para um cliente que resolveu simplesmente ignorar nossos emails na última semana. Pesquisa de produtos e opções de brindes para apresentar em uma reunião ao meio-dia. Pendurei os lençóis no varal. Terrorismo com o representante da empresa que vai refazer a fachada de um cliente, e suporte virtual para organização de um banco de dados. Conference Call Ajax com o Ozzie, só para ter certeza de que a gente está ferrado mesmo e não estamos esquecendo de nada. Resolvemos mudar completamente a estratégia de ação de um parceiro que não estava apresentando resultados. Resposta de SAC na Fan Page de um cliente, e passo 15 minutos tentando organizar minha inbox que está uma zona antes que eu comece a perder mensagens. Mensagens do MBA atrasadas, chat com colega de grupo para coordenar a entrega do trabalho que tínhamos para ontem. Desço para a cozinha, pego uma tigela de macarrão integral com legumes e trago para comer em frente ao computador. Comecei a estruturar a personalidade da marca de um novo cliente, mas tive que interromper porque o representante da empresa de sinalização chega no meu cliente e eu saio correndo deixando o macarrão no finzinho na mesa do escritório. O terrorismo funcionou. Reunião no pet shop sobre opções de fachada, discussão sobre orçamentos e formas de pagamento. Alteração na arte. Mando email para o Ozzie. Adianto consulta para orçamento de fachada de outro cliente, tomamos café morno. Damos risada. O representante vai embora. Reunião com cliente, apresento opções de brindes. Um cachorro lambe meus dedos do pé na sandália e outro late o tempo todo para minha garrafinha de água mineral. Tenho ataque de alergia. Procuro Claritin na bolsa. É o último. Então sentamos no computador. Configuro novo email do cliente. Fazemos testes com o email marketing do novo site. Tudo ok! Dou beijinhos, vou embora, e fico pensando em comprar um cachorro. Mas antes em agendar uma consulta para resolver a alergia. Chego atrasada ao shopping para fazer a unha, mas como é segunda elas ainda me atendem. Faço mão e pé em 30 minutos. Adoro essa manicure de shopping. Cochilo durante a sessão. Jogo paciência porque meu celular não pega no subsolo. Resolvo visitar a academia nova que abriram. Falo para a menina da recepção “Consegue me mostrar a academia em 10 minutos”? Ela consegue. Me apaixono pela academia. Volto para casa sonhadora e cantando no carro, imaginando como usufruir da academia na minha rotina. Lavo louça. Preparo um lanche com bisnaguinha, fruta e suco; levo tudo para o escritório. Tento terminar a programação de hoje, faço follow up nos perfis dos clientes. Continuo organizando a pesonalidade de marca do novo cliente. Chat com a nova cliente. Chat simultâneo com a outra cliente que não consegue resolver o banco de dados. Pego as senhas e re-importo o banco de dados. Envio email marketing. Repasso relatório de envio com lista dos contatos com problemas para revisão. Retorno para chat com novo cliente. Ela me apresenta indicação para mais um cliente. Não sei se rio ou choro. Minha assistente do colégio me manda relatório. Coordeno fechamento de logo e cartão de outro cliente com Ozzie. Preparo CD com trabalho do MBA para entregar na GV. Descubro que não deu tempo para ir nem na academia do prédio. Tomo banho correndo e saio para a aula. Subo para o metrô a pé conversando com a Y no telefone. Ela desliga na catraca e passo a viagem tentando cadastrar meu cardápio do dia no aplicativo de dieta do meu Iphone. Chego na Estação Brigadeiro e está chovendo. Saio correndo pela calçada e quase sou atropelada por um Corsa saindo da garagem. Chego atrasada na aula e era prova. Eu tinha esquecido. Sento perto do meu grupo. São 5 questões e tenho branco completo em duas. Encho linguiça em uma, e peço uma dica soprada sobre a outra para meu colega de grupo. Entrego a prova. Reunião rápida de grupo para aprovar o trabalho que tínhamos que entregar. O resto da sala brinca que precisamos pegar leve porque nossos trabalhos estão elevando demais o nível de expectativas dos professores. Fico pimpona! Passo na secretaria e protocolo o trabalho. Saio da GV feliz que tenho mais tempo para trabalhar, passo na banca de jornais e compro a Vogue. Entro no metrô e quando estou na plataforma meu celular toca. É a produtora de uma série querendo que eu filme essa semana. Dou graças à Deus que consegui fazer as unhas hoje. Tento ler a Vogue no metrô. Desembarco na Estação Clínicas meio irritada com as pessoas fumando na minha frente. Passo no supermercado para comprar leite. Chego em casa e finalmente janto. Tiro os lençóis do varal porque estão secos. Leio o roteiro do episódio da série que devo filmar, minha personagem é mãe de um adolescente. O Briefing pede uma mulher de 48 anos. Fico deprimida. Separo roupas para levar de opção de figurino na reunião de hoje. Nenhuma calça mais me serve e as saias nem entram. Fico mais deprimida. Tenho vontade de chorar. Vou ao banheiro e passo todos os cremes anti-rugas e com ácido que eu tenho. Sento na cama e escrevo post para blog de cliente. Faço programação de conteúdo de dois dias enquanto assisto ao Jornal da Globo e fico irritada com o Jô. Entro no site da Corpore, faço inscrição para a corrida McDonalds. Olho para o “Ulisses” no criado-mudo e resolvo dormir. Dou corda no relógio, a semana mal começou.



E tem gente que ainda acha que eu não faço nada da vida.

domingo, 16 de outubro de 2011

UMA REFLEXÃO SOBRE O SENTIDO DA FRUSTRAÇÃO

No começo do ano eu vi essa belezinha no site da FAO.

Na época estava esgotada, então eu coloquei na minha lista de desejos e fiquei aguardando entrar em estoque. Essa semana recebi um email avisando que meu recente objeto de desejo estava disponível. Corri para o site, preenchi o cadastro, cliquei em "BUY". E descobri que era impossível entrar com um endereço de entrega fora dos USA. Hum. Poxa! Se a BH entrega no Brasil (embora os custos de impostos e remessa não compensem), porque não a FAO? Não satisfeita enviei um email questinoando as políticas de remessa da loja. Eis a resposta que recebi:

Dear Adriana,

Thank you for contacting FAO.com regarding our ability to ship internationally to Brazil. At the present time, we only have the ability to ship to the contiguous United States, Alaska, Hawaii, U.S.
Territories (including Puerto Rico and the U.S. Virgin Islands), and APO/FPO addresses. I understand how this may be frustrating and apologize for any trouble this may cause.

However, our flagship FAO Schwarz store located on 5th Avenue in New York City has the capability to assist you further with order placement for the bike, or additional questions on international issues. Please contact them directly at 212-644-9400 during the following days and times. When making your call, please choose the "Customer Service" option.
Sunday 10:00 AM - 7:00 PM EST
Monday - Thursday 9:30 AM - 7:00 PM EST
Friday & Saturday 9:30 AM - 8:00 PM EST
 
Thank you again for contacting FAO.com. We appreciate your interest and look forward to serving you in the future.
Sincerely,

Lori Marshall
Guest Assistance Specialist Team

O que eu posso responder para a Sra. Marshall? Que ela não faz a mínima ideia do que é frustração? Estamos falando de uma Schwinn cor-de-rosa, por Deus! Detalhe: à módica quantia de $150!!! Eu confesso que foi muito reconfortante ler as palavras "understand" e "frustrating" na mesma sentença. Embora isso não resolva em nada o fato de que não consigo resolver a logística de comprar essa bicicleta e tê-la na garagem do meu prédio em Pinheiros em um futuro próximo. Ou que na verdade eu ter ou não essa bicicleta não mudaria em nada minha vida. Frustração está sempre relacionada à expectativa. Zero expectativa, zero frustração. Simples assim. Mas a pessoa que descobrir uma maneira simples e rápida de não criar expectativas com nada, pode fundar uma seita que eu me filio. Vai virar guru na internet, e eu vou dar RT em tudo o que a pessoa tuitar! A verdade é que não acredito que possamos ser humanos sem ter ao menos o mínimo de expectativa. Enquanto tivemos a vivência da experiência humana, a dependência da mente como a temos hoje, sempre teremos expectativas. A menos que sejamos autistas. Frustração é tão somente nossa incapacidade de aceitar as coisas da maneira que elas se apresentam na realidade. Nós sempre atribuímos uma carga gigantesca de fantasias e percepções, alteradas por emoções, julgamentos e reflexões subjetivas. E quem podemos culpar por tudo isso se não a nós mesmos? Nos relacionamentos estamos tão condicionados às expectativas das pessoas que já consideramos as possíveis frustrações. Quando desmarcamos um jantar, quando ficamos presos em algum compromisso, quando deixamos de telefonar. Todas as vezes que pedimos desculpas. A frustração é considerada até em mensagens pré-formatadas de atendimento ao cliente. A mente se sente confortável de ter sua frustração considerada. É um grande afago ao ego. Por isso até começamos a agregar milhões de micro-ações em nosso dia para tentar afagar os egos e expectativas que brotam como ervas daninhas. Um dia você acorda e tudo o que sua vida se reduz é gerenciar egos inflados de expectativas. Inclusive o seu. A verdade é que a única pessoa que pode te magoar é você mesmo. Se as pessoas pisam em ovos, ou seguem protocolos de condutas por causa de expectativas e frustrações é uma opção única de cada um. Ignorar as expectativas criadas subjetivamente pelas pessoas pode não ser uma medida popular, mas com certeza será muito benéfica para todos nós como sociedade a longo prazo. Em outras palavras, vamos parar com a viadagem! As coisas são como são, as pessoas são como são. É bem melhor assumir a realidade com suas limitações do que tentar sustentar uma ilusão que prolongue e alimente a frustração iminente. Bicicletas cor-de-rosa por $150 não são vendidas para o Brasil. E não tem nada de frustrante nisso. Então, Sra. Marshall, eu agradeço seu esforço em dar Ctrl C + Ctrl V, inserir meu nome na mensagem e apertar send; mas o dia em que minha incompreensão das regras tributárias internacionais me fizerem sentir frustrada, eu tenho problemas muito maiores do que a ausência de uma bicicleta cor-de-rosa na garagem da minha casa. Mesmo sendo uma Schwinn de $150.

sábado, 15 de outubro de 2011

INVEJA É UM PRATO QUE SE COME QUENTE

Eu não sei se antigamente as pessoas eram tão invejosas e agressivas comigo, ou eu passei a enxergar melhor isso. Sexta-feira, no meio de uma discussão surreal de trabalho, com uma maluca colocando o dedo na minha cara e gritando sem que eu nem conseguisse perguntar exatamente o que estava acontecendo, eu cheguei a ouvir com todas as letras. “Mas você foi viajar”. Cuma? Desde quando o que eu faço na minha vida privada é da conta de alguém? Lógico que se a minha viagem tivesse afetado minha vida profissional de alguma forma, ela teria toda razão. Mas não. Não deixei de trabalhar, não deixei de cumprir nenhum compromisso. Me mantive o tempo todo conectada e com o telefone ligado. Não deixei de responder nenhum email ou ligação. Aliás, nem sei como ela sabia que eu estive viajando, sendo que em nada afetou a rotina dela. A única coisa que eu consegui responder foi “Ah, então é isso. Entendi!”. Eu nem acho que minha vida é muito interessante. Passo quase o tempo todo dentro de casa trabalhando. Tento fazer minhas viagenzinhas de vez em quando. Tento aproveitar um pouco das coisas que gosto. Mas é tudo sempre tão pouco, tão simples. Não tem nada de incrível, de mega especial. Nenhuma paixão avassaladora. Nenhum acontecimento inacreditável. Nunca pensei que minha vida pudesse incomodar tanto as pessoas. Acho que antes eu não percebia e acabei desenvolvendo uma personalidade um pouco agressiva até, porque tomava as bordoadas e me sentia culpada. Hoje essas coisas estão claras como cristal. Me saltam aos olhos. Eu tenho escolhido me afastar. Não existe energia pior ou mais corrosiva do que a inveja. Acredito que conseguir identificar já é uma benção. Eu preciso agora aprender a lidar. A não me deixar abalar. A não permitir que isso me torne ressentida, defensiva ou agressiva. Preciso, mais do que tudo, aprender a me preservar. Não que eu vá deixar de viver alguma coisa da minha vida. Mas evitar que pessoas de alma pequena tenham acesso às minhas emoções. Sempre achei que fosse uma grande qualidade ter emoções tão intensas, sempre tão à flor da pele. Hoje começo a achar que não. Na verdade agradeço a maluca de sexta-feira. Pela oportunidade de eu melhorar e entender melhor quem eu sou e qual é a percepção das pessoas por mim. Eu ainda vou precisar de um outro exercício, o de amar e ser gentil com alguém que me bombardeou com uma negatividade assustadora. Ainda não estou pronta para isso. Não estou com essa força. Então essas pessoas eu tenho mantido à distância. Mas é bom saber que vou ter essa oportunidade, quando sentir que o momento é válido.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

IMACULADA

Eu adoro aquele filme canadense “As Invasões Bárbaras”. Tem uma cena em que o personagem de Rémy Girard está na cama do hospital e diz que o maior genocídio que a humanidade já presenciou foi o assassinato em massa dos índios nativos americanos pelos espanhóis e portugueses, e mesmo assim não havia um Museu para manter a memória. Sempre que se fala em genocídio a gente lembra do holocausto da II Guerra Mundial. Durante um tempo, quando eu era mais nova, eu acreditava que o grande culto à memória do holocausto iria nos livrar de vermos algo parecido novamente. Assim ficava mais fácil entender que barbáries como o genocídio dos indígenas norte-americanos, o genocídio Boer feito pelos ingleses contra as pessoas de origem holandesa, o genocídio dos armênios pelos turcos, o genocídio filipino pelos EUA, e o maior de todos, citado pelo filme, o genocídio dos índios nativos americanos pelos espanhóis e portugueses. Todos eles aconteceram antes da II Guerra Mundial. Mas então a gente pára para estudar um pouco a História e descobre que pouco tempo depois do final da II Guerra, quando o mundo ainda descobria a frieza nazista em exterminar judeus, ciganos, comunistas, gays, deficientes mentais e físicos; a China iniciava um genocídio no Tibet. Então tivemos o genocídio do população maya na Guatemala e o genocídio no Cambodja nos anos 70, o genocídio dos curdos por Saddam Hussein no Iraque, o genocídio feito pela Utase croata, o genocídio na Chechênia, o da Bósnia. Em 1994 aconteceu o genocídio que talvez tenha mais me chocado. O genocídio do povo tutsi, feito pela etnia hutu em Ruanda. Lembro que na época as notícias eram meio nebulosas. Eu lia o jornal, mas nunca tive uma real dimensão do que estava acontecendo ali. Só fui entender exatamente o que tinha acontecido em Ruanda quando vi um outro filme, “Hotel Ruanda”. Então a sensação de fragilidade da nossa condição humana nunca se tornou tão evidente. Não acho que seja o caso de comparar desgraças, ou uma competição para ver quem teve o pior massacre, mas se 6 milhões de judeus foram assassinados em 6 anos de holocausto, Ruanda produziu o assombroso número de 1 milhão de tutsis assassinados em 3 meses!!! Detalhe: não havia assassinato em massa com câmaras de gás ou fornos de cremação. Os tutsis foram mortos na mão, um a um. As pessoas eram mortas a facão, como animais, com sangue espirrando e gritos e choros. Seus corpos eram jogados para os cães comerem. Em 3 meses os hutus quase exterminaram uma etnia. E na ocasião, as Nações Unidas virou as costas, se retirou do país e permitiu que a barbárie acontecesse. Hoje penso que o extremo culto ao holocausto permite que viremos as costas para coisas assim. Nossa “certeza” de que nunca mais veremos algo como o que ocorreu em campos de concentração, faz com que ignoremos a ferocidade e o impacto do que acontece embaixo do nosso nariz. Ontem eu fui assistir à palestra da Immaculée Ilibagiza. Ela é uma tutsi e escreveu um livro chamado “Sobrevivi para contar”. Durante os 3 meses que seu país vivia um dos maiores banhos de sangue já visto, ela teve a sorte de conseguir se esconder junto a mais 8 mulheres em um banheiro de 1x1,5m na casa de um estranho hutu que se propôs a ajudá-las. Quando foi libertada descobriu que toda sua família (Toda! Pai, mãe, irmão, avós, tios, primos... Todos!) e todas as pessoas que conhecia, haviam sido assassinadas. Todos estavam mortos e ela era a única sobrevivente de seu círculo social. Eu não sei quanto a você, mas eu já sou revoltada sem ter passado por nada tão cruel. Imagino que revoltada seria pouco para alguém que se encontrava na posição dela. Ela, porém rezou. Rezou para ser capaz de perdoar e amar aqueles que fizeram aquilo. Ela conseguiu. Ontem, no palco estava uma mulher bonita, alegre, extremamente iluminada. Cheia de uma vitalidade contagiante. Difícil imaginar que aquela mesma pessoa tenha vivido tanto terror. Ela falou com ternura, com humor e conseguiu dar leveza a um acontecimento que não pode ser explicado. Eu me pergunto, como é possível sobreviver a tanto terror? Como é possível se curar de uma marca como essa? Acho que algumas pessoas são mais iluminadas do que as outras. E a maioria de nós precisa fazer muito mais esforço para chegar lá. Só uma coisa eu acredito que seja comum, e universal. A capacidade de amor. Acho que se todo mundo for capaz de amar seus inimigos da mesma forma que aquela mulher amou os seus, o mundo se transformaria maravilhosamente em um piscar de olhos. O que nos salva como humanos é nossa capacidade de amar, incondicionalmente. Porque vamos viver muitos outros momentos em que assistiremos a humanidade agindo como animais. Algumas barbáries terão suas memórias mais cultuadas do que outras. Mas elas não deixarão de acontecer. Se não formos capazes de amar uns aos outros, a experiência humana está condenada. Na platéia lotada do TUCA, eu arrumei 30cm no corredor para sentar, coloquei minha bolsa entre as pernas e passei o tempo da palestra lutando contra o incômodo e a dor de não poder esticar minhas pernas ou mesmo me mover muito sem correr o risco de dar uma cotovelada em alguém. Por vezes olhava brava para quem deixava o celular tocar, ou resolvesse se levantar no meio da palestra empurrando ombros e pisando em pés e mãos de quem estava sentada no chão. Difícil amar quando estamos em uma posição desconfortável. Só por isso tenho tanta certeza que ainda viveremos muitos episódios bárbaros de intolerância. Tirar essas manchas da alma é mais difícil do que passar por elas. Ironicamente aquela mulher tem o nome que tem. Pensar que ela foi capaz de permanecer imaculada, de perdoar e amar, me dá certeza de que todos nós somos também. Entre cultuar a memória do terror e da barbárie, eu escolho cultuar a memória do amor.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

DIA UM

Primeiro dia. Eu revendo meu estilo de vida. Ando apaixonada pelo vegetarianismo. De novo. Estou com medo de virar aquelas pessoas chatas que ficam dando dados científicos para validar uma opção de vida. É que eu ainda estou chocada com a quantidade de água que é necessária para produzir 1Kg de carne.(Você sabia que são necessários 15,5 mil litros de água para produzir 1Kg de carne??? 15,5 MIL!!!!!!) Então fico contando para todo mundo. Não que vá mudar alguma coisa. As pessoas tomam decisões em suas vidas e nunca tem nada a ver com a gente. O resto é só egocentrismo. Excesso de importância em mim mesma. Eu fico me namorando vegetariana. Fazendo bagunça na cozinha para cozinhar proteína de soja texturizada. Gosto de fazer isso. Gosto da ideia de ter optado por algo na minha vida. Escolher por mim mesma. Eu também acho que a minha vida foi ficando dependente de muita coisa supérflua. Como eu consegui isso? Há um ano atrás tudo o que eu tinha cabia em uma mochila e eu mal parava quieta em um lugar. De repente tanta coisa virou imprescindível e eu não me mexo há muito tempo. Ando com um orçamento bem cheio de luxos. Resolvi experimentar ficar um pouco mais simples. Acabei sem filmes na TV à cabo, sem o jornal diário. Desculpa para eu comprar na banca do outro lado da rua sempre que eu realmente quiser ler o jornal. Olhei as faturas dos meus dois cartões de crédito. Com muito cuidado. Preciso diminuir o custo-Adriana mensal. Simplesmente porque não é saudável. De manhã tive uma epifania durante a meditação. Fui invadida por uma emoção linda, sem controle. Um amor desmedido por tudo o que me cercava. Chorei. Quase sem sentir o choro. Chorei porque era a emoção que vazava. Foi tão bom senti-la transbordar. Depois pensei em trancar meu MBA. Estou adorando o curso, me divertindo, conhecendo gente nova. Mas ainda não enxerguei o propósito. Eu não me enxergo enviando meu currículo para alguma seleção, trabalhando das 9h às 18h em algum nicho de fórmica, descendo para almoçar às 12h30, com férias, décimo terceiro e amigo secreto da firma na pizzaria. Ninguém faz um MBA para pendurar na parede. Não sei muito bem porque estou fazendo isso. Na verdade não me incomodo tanto de fazer o curso. A única coisa que me incomoda é o tempo. É saber que estou me dedicando a tantas coisas e no final do dia... Não escrevi nem uma linha. Nem algo rapidinho. Também não abri o arquivo. Nem para dar uma lida. Mas tudo bem. Esse é apenas o primeiro dia.

domingo, 9 de outubro de 2011

MAIS ESTRANHO DO QUE A FICÇÃO

Já pensaram em quanto tempo passamos tentando ser alguma coisa? Tentando encaixar, fazer parte. Tentando sermos amados. Ou sou só eu?


Acho que é a pior conseqüência de não ter certezas. Tentamos nos agarrar naquelas que a vida parece ter. Aprendemos tantas coisas. Testamos tantas outras. Depois de um tempo nosso dia começa e termina, e já não temos muita ideia do que estamos fazendo entre uma coisa e outra. Lutamos por coisas que não queremos realmente ter. Nos magoamos com situações que não gostaríamos necessariamente de estar. Nos agarramos a relacionamentos que não fazem nossos corações pularem, ou o friozinho na barriga acontecer. É tão fácil nos perder de nós mesmos. Eu acordei hoje sem o despertador. Um luxo na minha rotina atual. Levantei às 9h, passei arrumando tudo o que eu via na frente até deixar meu quarto impecável. Tomei banho, hidratei o cabelo. Então eu desci, deixei a cozinha impecável. Fiz um brunch reforçado com direito a torradas, salada de frutas, ovo quente, café espresso e uma taça de mimosa. Porque todo mundo sabe que um brunch só é caracterizado brunch quando há champagne envolvido de alguma forma. Li o jornal. Meditei. Agora pensando, eu não consigo dizer o que eu fiz porque sou eu, ou porque me agarrei à certeza que me convencionou. O café, a champagne e a meditação eu gosto. São coisas que me completam de alguma forma irracional Mas não tenho certeza se gosto de ler o jornal de manhã. Não tenho certeza se gosto de torrada integral ou se só como isso porque minha percepção do tamanho da minha bunda é de que ela está grande demais. Não sei o que na verdade me move. Nunca mais tive aquela vontade incontrolável de algo. Aquela ânsia de realizar algo. Nunca mais me apaixonei. E eu quero tanto me apaixonar que saí me agarrando a milhões de coisas. Entupi meu tempo de tudo quanto é coisa possível e imaginável. Cursos, trabalho, compromissos. Hoje no final do dia eu estava fumando um cigarro, que eu não sei se eu queria fumar, na varanda de casa. E me ocorreu. Eu estou usando todo o tempo da minha vida e em nenhum minuto eu escrevo para mim. Eu não escrevo aqui. Eu não escrevo as histórias que estão me angustiando. Talvez porque quando a gente falha nas certezas da vida é mais fácil ter apoio do mundo. Quando a gente falha nas certezas que são nossas, temos a sensação de que não nos sobra mais nada. Então procrastinamos sem realizar o que nos é caro para não correr o risco do fracasso. É preciso coragem para fazer o que se ama. Mais coragem ainda para se fazer coisas com paixão. Hoje eu parei na varanda de casa com a ideia estúpida de que eu precisava casar, ter uma família ou um cachorro. Que era a única coisa que me faltava. Porque a convenção de felicidade inclui determinadas coisas para pessoas da minha idade. Então eu descobri que não me falta tanta coisa assim. Apenas uma. Não o cachorro ou o companheiro. Mas a escrita. Aquela que é minha, não dos outros. Aquela que não tem ninguém esperando para ler. Aquela que não está programada. Era a capacidade de me perder de mim mesma no teclado do computador. De criar as frases e me perder por horas tentando achar a palavra certa. Esquecer da vida, da comida, dos horários e fazer algo que realmente me satisfaz. Não se pode amar sem viver amor. Eu faço muitas coisas. Em algumas sou boa. Muito poucas eu amo. Eu escrevo, mesmo quando não escrevo. E eu escrevo sobre amor. De uma forma metalingüística, praticamente. Hora de fazer.