sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

SOBRE ESSA NEUROSE COM OS CORPOS DAS MULHERES POR AÍ

Três situações que deram muito "talking about" nas últimas semanas pelas mídias sociais:

1 - Pierce Brosnan que permanece casado com a esposa APESAR dela ter engordado (trofeu para o moço, minha gente!)
2 - Fernanda Gentil foi à praia e ousou usar biquini com seu corpo de mulher normal magra e - pasmem - sem hidrogel, silicone ou sinais de anorexia. Quanta petulância!
3 - Ilze Scamparini esconde a barriga e, SIM ela tem barriga! (Gente! Ela mora em Roma! Se não fosse gordinha seria um despedício!!!)

Eu acordo todos os dias e me olho no espelho. Tenho uns brações de mamma italiana que me deixam cheia de vergonha. Tem umas calças que não entram, umas blusas que não caem bem. Mas eu gosto de ser saudável. Dou minhas corridinhas, tomo meu suco detox, minha saladinha orgânica. Vou até aí só. Não abro mão do chopp com os amigos, da taça de vinho para celebrar, da pizza no final de semana e da sobremesa. A vida é curta demais para abrir mão da sobremesa. Mesmo quando você tem consciência de que não tem nada errado com você, que não tem nada de errado com a aparência do seu corpo, saudável, bem cuidado. Vai ter sempre a voz inconsciente te fazendo acreditar que está certo o moço não querer te namorar por causa da sua barriguinha, e você será menos elegante ou levada menos a sério em suas opiniões se não tiver braços fininhos, e que a sua aparência física é algo que necessita de supervisão constante, atenção, alerta. Não pode relaxar. Não pode escorregar nem um pouco. 

Tenho vários amigos que engordaram muito ao longo dos anos. Ficaram barrigudos, carecas. Tenho certeza que nenhum deles acordou hoje de manhã, se olhou no espelho, e pensou que sua vida profissional e amorosa estava em jogo porque eles não exibiam os músculos do Chris Pine.

Uma vez ouvi de uma modelo que, por contrato, ela não podia ser vista comendo em público. Vejam bem! Não é comer se esbaldando em um restaurante italiano. Não. Ela não podia ser vista comendo nem mesmo uma maçã! Comer é essa coisa mundana, que seres humanos fazem. Onde já se viu, mulher agindo como ser humano por aí, em público. Absurdo. Coloca umas asas nas costas da moça e vamos fingir que elas são o que são: lindos objetos animados, que andam para cima e para baixo.

Quando uma mulher é flagrada, agindo como humana em público, logo se busca uma justiicativa. "Fernanda Gentil está grávida". Ufa! Ainda bem, hein, Fernanda?! Já pensou desfilar por aí de biquini com um corpo de mulher normal sem poder se justificar com um estado transcendental de iluminação feminina como a gravidez?! Entenderam o recado, meninas? É um pouco assustador como em 2015 ainda tenhamos uma sociedade que não tolera flagrar mulheres agindo como seres humanos. É muito angustiante me olhar no espelho todos os dias e, apesar da minha consciência, apesar da minha cultura e inteligência, ainda me sentir massacrada por esse inconsciente coletivo. 

Eu já tive muito preconceito. Preconceito com quem faz cirurgia do estômago, com quem coloca silicone. Com quem vira rata de academia, e com quem engorda até a obesidade. Hoje sinto uma admiração enorme por qualquer mulher que tome posse do próprio corpo. Seja malhando, colocando hidrogel, assumindo os braços de Mamma, tatuando, alterando, deixando totalmente ao natural. Acordar de manhã, olhar no espelho e dizer: esse é o meu corpo! É uma das coisas mais difíceis para uma mulher. Eu me reconheço em cada uma delas. Consigo me enxergar na mulher que resolveu engordar depois de ter 3 filhos, na que botou o biquini embora não se parecesse com a capa da Boa Forma, e na que mudou para a Itália e não é besta de não aproveitar isso. Consigo também me enxergar na minha amiga que colocou 200ml de silicone e passou a se sentir mais bonita. Na que fez a cirurgia do estômago e encontrou uma nova vida depois disso. Naquela que entrou em um programa de reeducação alimentar e perdeu 20Kg, e naquela que tingiu os cabelos de loiro e aumentou os lábios. Consigo me enxergar em todas as mulheres que estão por aí, tomando posse de seus corpos, e fazendo escolhas que as fazem felizes.

Acordar todos os dias, olhar no espelho, e enfrentar a vida, é uma batalha feroz. As mídias sociais estão aí para nos lembrar que fazer escolhas sobre os nossos corpos não é tão simples assim. Mas nós ainda saímos para a rua, nós ainda enfrentamos. Nós ainda ousamos andar em público como seres humanos. Por isso eu sinto uma compaixão gigantesca por todas as mulheres, que estão enfrentando a vida com seus corpos. 

Minas, eu me reconheço em vocês! <3

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

CÁPSULA DE ADEUS

Em 2009 comecei a escrever. Já escrevia, sempre escrevi. Mas em 2009 resolvi que era tudo o que eu queria fazer. Me joguei em várias oficinas de escrita criativa. Acho que quando você resolve brincar de algo, tem que brincar direito. Em uma delas comecei uma série de fragmentos de narrativa que chamei de “Cápsulas de Medo e Amor”. Ainda não publiquei, mas tenho um carinho enorme por esse material. Cada fragmento conta uma história sobre amor, e sobre o amor vencendo o medo. Medo da solidão, medo da incerteza, medo da velhice, medo do desconhecido. Algumas eram pura criação da minha cabecinha, outras foram roubadas e coladas entre histórias de amigos. Algumas são verdadeiras e aconteceram comigo. 

Uma dessas cápsulas fiz em homenagem à minha avó paterna. É uma das cápsulas verdadeiras. Ela morou mais de 13 anos com a gente depois que teve um derrame e ficou perigoso morar sozinha. Odiava não poder morar sozinha. Ela era uma mulher independente dentro da sua cultura e criação. Adorava fazer tudo sozinha. Andava para baixo e para cima. Às vezes pegava uma linha de ônibus e ia até o final. “Para ver onde vai dar”. Era louca por supermercados. Ia todos os dias. Comprava todas as novidades das prateleiras. “Para saber que gosto tem”. Aprendi isso com ela. A vida é para se experimentar. Ser curiosa. Ande, explore, teste. Veja que gosto a vida tem. 

Semana passada minha prima me ligou chorando. Minha avó estava morando no interior com meu pai e havia sofrido um AVC violento. Fomos no domingo nos despedir. Ela estava inconsciente em uma cama de hospital. A boca murcha alimentada por sonda, os bracinhos frágeis e sem vida. O médico falou que 85% do cérebro estava comprometido. Fiquei angustiada de imaginar que tipo de vida ela teria se voltasse, se saísse daquele hospital. Uma pessoa que não gostava de se sentir presa nem pelo soutien. Só comprava blusas de gola aberta, para não sufocar. Passar o resto na vida vegetando em uma cama? 

Coloquei minhas mãos sobre sua cabeça, abri meus chacras e mandei toda energia de amor que consegui. Depois, me abaixei em seu ouvido e disse: “Vai vózinha! Vai descansar que essa vida é só ilusão. Tudo não passa de ilusão, de uma grande brincadeira. Você vai ver como eu tenho razão e vai ficar melhor”. Ela ainda esperou minha irmã voltar de viagem para se despedir. Morreu ontem de manhã, sem dar trabalho para ninguém, como ela queria. 

Hoje vamos enterrar minha avó. 

Eu, que aprendi a lidar com a morte de forma pragmática, só sinto alegria de ter participado de sua jornada. Teve uma vida dura, passou o final longe de quem ela amava. Mas cada um constrói sua história, vive sua própria batalha particular. Tenho apenas que ser grata de ter podido participar. 

Desenterrei a cápsula dela que compartilho aqui em baixo. É uma despedida. É o jeito que eu sei fazer. 


Minha avó voltou do hospital hoje à tarde. Há cinco anos lidamos com suas idas e vindas na UTI. Oitenta e cinco anos. Ela está velhinha. E é um pouco doloroso ver a vida se esvaindo dela. Nunca foi uma mulher brilhante. Simples e ignorante. Repleta de defeitos e preconceitos. Às vezes capaz de uma maldade desconcertante. Mas ainda minha avó. Voltou mais enfraquecida que de costume. Desorientada. Com um riso bobo no rosto. Não consegue levantar da cama sem ajuda. Passei a mão em seus cabelinhos grisalhos e encaracolados. Levei-a até o banho. Ela se sentou no banquinho e se deixou banhar. Ensaboei minha avó hoje à tarde. Sua pele, suas mãos, seu sexo. Seus seios flácidos. Ela se deixou ensaboar. Enquanto eu enxugava o rosto com a toalha repleta de seu cheiro, ela segurou minha mão. Levou-a aos lábios e me beijou.


segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

FOREVER ALONE

Ontem me aconteceu algo bem curioso. Eu acordei cedinho, embora fosse um domingo. Fiz minha meditação, tomei meu suco verde e saí para uma corrida na ciclovia perto de casa. Corri 7K ouvindo ABBA, bem feliz. Eu gosto de correr ao som de ABBA. Eu fico me imaginando a Meryl Streep descendo pelas vielinhas da Grécia, e dançando nas varandas daquelas casas brancas. Eu estava me sentindo bem fabulosa. Sabe quando a gente se sente fabulosa? Quando tem aquela sensação de bem-estar, de estar completa? Eu tava bem assim depois da corrida. Toda suada, vermelha, mas fabulosa. 

Então eu parei em uma padaria no caminho para comprar uma garrafinha de água. Afinal, isso aqui virou o Senegal. Haja hidratação! Assim que entrei na padaria, notei um cara me olhando. Percebi assim, de rabo de olho. Nada muito incisivo, o cara tava me olhando só. Imaginei que fosse óbvio, afinal, eu estava fabulosa. Procurei uma garrafinha de água gelada sem sucesso, e o cara atrás de mim, seguindo o fluxo da padaria e me olhando. Fui até o balcão e pedi uma garrafa de água gelada ao atendente, e o cara parou ao meu lado também fazendo um pedido. Fui para a fila do caixa, e o cara parou atrás de mim. Depois que paguei, fui me virar para sair da padaria e o moço pulou na minha frente e me estendeu um cartão. 

Pausa. Vou deixar claro que acho bem chato cantada de rua, assédio, caras muito incisivos, mas existe uma linha tênue entre extrapolar o meu espaço pessoal e me achar interessante e me abordar. Admiro quando o cara cria coragem de chegar na minha mesa de café e deixar o telefone sem pressão, ou tenta puxar um papo na fila do cinema. Não sou uma pessoa baladeira, que vive em lugares que favoreçam a paquera, então quando a paquera acontece casualmente em lugares cotidianos, tipo, em uma padaria depois da corrida no domingo de manhã, até acho legal. Uma abordagem com respeito, discreta, pode-se conhecer alguém legal, porque não?! Mas, voltando. Então o moço parou na minha frente, com seus lindos olhos verdes, e me estendeu o cartão:

“FULANO DE TAL
Acompanhante de Eventos
Teatro, Cinema, Jantares, Etc.
Tel (11) 5555.5555

Sério, roteiristas da minha vida? SÉRIO??? Quando eu tô me sentindo super felizona, super fabulosa, vocês me mandam um acompanhante de aluguel? Será que o cara me viu na padaria e me achou com cara de cliente em potencial? Será que eu estou com a imagem de alguém que precisa de um acompanhante para fazer as coisas? Pior, de que não consegue um acompanhante sozinha? Justo eu que faço tudo sozinha e ADORO fazer tudo sozinha? Fiquei imaginando, eu lá, toda vermelha e fabulosa. E o cara pensando, "essa senhoura pode precisar de um acompanhante uma hora dessas". 


Botei os fones de ouvido, dei play em “The Winner Takes it All”, e subi para casa mamando minha água na garrafinha. 
O cartão? Guardei. Vai saber, né?!