segunda-feira, 9 de julho de 2012

BACK FROM PARATY


O último dia de Flip foi mais reflexivo. Eu troquei a mesa do Suketu Mehta para ir à coletiva do Ian McEwan. Depois me arrependi. Não porque pela coletiva, que foi incrível. Mas por não poder estar em dois lugares ao mesmo tempo. E a mesa do Ian estava LO-TA-DA! Super concorrida, tava até calor lá dentro. Junto dele estava Jennifer Egan, uma das poucas mulheres de uma versão cheia de cromossomos Y da FLIP. Acho que foi a melhor mesa de todas. Os dois muito abertos, muito simples, e muito generosos com a plateia. Sem ficar regulando. Deram o que puderam no pouco mais de uma hora. É bom para refletir. E foi exatamente o que eu resolvi fazer. Resolvi sumir por um dia e refletir sobre o que eu quero, minha falta de foco e a habilidade de conseguir isso. Fiquei algum tempo andando pela cidade, que estava cheia, barulhenta e insuportável. Impossível tirar fotos, flanar, simplesmente parar em uma esquina e assistir a vida, porque logo alguém tropeçava no seu pé, ou dava um trombão no seu ombro. A contemplação não é muito amiga de pequenas cidades históricas super povoadas e ruas irregulares de pedras. Então resolvi experimentar o restaurante thailandês que eu tinha passado em frente em uma das andanças (e tinha um garçom tatuado gatinho). Como tudo na cidade estava caótico, cheio e insuportável, eu fiquei meio esquecida em um canto, em uma mesa sozinha, e tive o tempo de silêncio e contemplação que eu estava precisando. Li metade de um livro. Fiquei pensando nas escolhas e no comportamento que as pessoas acabam seguindo na vida. Quanto das nossas escolhas são nossas mesmo, ou são projeções do que consideramos ser o ideal para nós? Parei um minuto e percebi que 90% do meu dia é dedicado a coisas que não escolhi fazer. São coisas que fui fazendo e acabaram tomando conta da minha vida. Por isso tanto sofrimento para terminar meu livro. O coitado do livro não tem culpa. Fiz uma longa refeição pensando em algumas coisas que preciso decidir definitivamente. A caipirinha ajudou, confesso. Então voltei para a tenda para pegar a mesa com Zoé Valdés e Dany Laferrière. Eu queria muito ouvir a Zoé, porque adoro os cubanos e adoro qualquer livro que fale sobre a bizarra vida que resultou após o embargo. Acho mesmo que o mundo um dia vá virar uma grande Cuba. Mas isso é só minha opinião. O Dany Laferrière eu só tinha visto o livro na livraria (e largado na estante), mas não tinha ouvido falar nada dele. Achei que seria interessante um painel com dois exilados de países latinos, mas detestei o haitiano. Egocêntrico, narcisista, machista. Típico homem que foi criado rodeado por mulheres, e acha que elas devem alguma coisa a ele. Ok, que ele fez algumas observações interessantes (e todo mundo sabe que narcisistas podem ser até que bem charmosos quando querem), mas não existe milagre nesse mundo que me fizesse ler um livro desse cara. O problema do mundo é exatamente esse. Tendemos a perdoar um homem por qualquer canalhice desde que ele escreva/ toque/ componha/ atue ou faça qualquer coisa considerada descolada bem. E isso me leva a uma nova reflexão de vida. São mais de 3 décadas convivendo com narcisistas (não admira eu ter me tornado uma!). Chega né!? Na verdade no final do domingo eu tinha a sensação de ter tido muito. Muita informação, muita reflexão, muitas decisões, e definitivamente, muitas topadas nas pedras de Paraty. Tudo o que eu queria era sair logo de lá e fazer coisas práticas. Por mais que se discuta, que se fale, pense, especule, na prática o que precisa ser feito é sentar a bunda na cadeira e escrever. Ação. A vida é verbo. Eu ainda tenho uma viagem agendada logo mais. Vai ser minha despedida temporária. Chega de rua, chega de cursos, chega de viagens, expedições malucas. Quando 90% do tempo você está fazendo coisas por fazer, falta verbo. Falta ação.

sábado, 7 de julho de 2012

DIÁRIO DA FLIP - LOUCOS EM PARATY



Só hoje, sábado, é que consegui assentar e organizar um pouco mais o tempo. Os outros dias foram uma loucura de informações, e correria. Muita coisa para assimilar e a sensação constante de não estar realmente inteira em nada do que estava fazendo. A internet falha, os restaurantes lotados. O sono desgraçado que me atacava no meio da tarde. Hoje me sinto mais serena pela primeira vez. Ontem foi maratona. Trabalho, fotos pela rua, mesas interessantes. Teve Shakespeare ao meio-dia, disputadíssima. Depois Teju Cole e a única mulher que vi até agora, Paloma Vidal. Uma mesa que acabou prejudicada pela arrogância e falta de tato do mediador João Paulo Cuenca. Unanimidade nos comentários pós-mesa: “Pior do que o Jô entrevistando.” De onde eu venho isso não é elogio. À noite uma das grandes atrações que eu aguardava ansiosa. Jonathan Franzen em bate-papo com Angél Gurría-Quintana. No surto psicótico que eu tive na Livraria da Vila na quinta peguei os livros do Franzen umas 3 vezes na mão, mas devolvi sem a mínima vontade de ler. Imaginei um cara lento, prolixo e chato. Fui totalmente surpreendida com a conversa dele. Primeiro que o cara já entrou no palco correndo, meio como participante de programa de auditório. Fiquei imaginando que ele acenaria para a plateia e protagonizaria provas à lá Domingão do Faustão. Bizarro. Aliás, bizarro é a melhor definição para o cara. Um ser excêntrico que alternava períodos de silêncio viajandão, com um humor e auto-crítica, e discurso de raiva contra republicanos e o governo Bush. De longe a mesa mais interessante até agora pela peculiaridade e sair totalmente do lugar comum. Sim, o cara é louco. Totalmente lelé da cuca. Dizem pelas esquinas de Paraty que ele pediu para se hospedar sozinho em Ubatuba, longe do burburinho, e que é observador de pássaros e tem feito expedições no meio do mato. Eu posso bem imaginar o cara andando e falando sozinho pelo quarto, chacoalhando os punhos pelo ar e bradando frases de ordem revolucionária. “Die Bush, die!”. Fiquei apaixonada. Se existe algo que faz um escritor interessante é a completa falta de tédio de sua personalidade. Hoje, todavia, é o meu dia mais aguardado. Daqui a pouco tem a mesa com Ian McEwan e Jennifer Egan. Disputada à foice. Eu aproveitei os privilégios da minha credencial de imprensa hoje cedo e fui à coletiva de imprensa. Eu até tento ser blasè, mas eis uma coisa que não combina com meu sangue latino. Quando vi a cabecinha branca e inglesa do Ian, quase dei gritinhos. Me encostei na parede e assisti àquele senhor que escreve livros tão lindos e tão tristes falar com uma lucidez fenomenal sobre sua literatura, seus livros, e a maneira prática e límpida que encara o ofício. Por mais interessante que seja a loucura, definitivamente a solidez e a concretude da lucidez é furiosa. Tão oposto ao outro maluco americano. Muito curioso presenciar os dois em seguida. Dois extremos de um mesmo ofício. Ao mesmo tempo dois países que já experimentaram dias melhores. Não consegui evitar associar a tranquilidade e elegância de Ian com a sabedoria de um país que já foi um império e hoje sobrevive exatamente em saber enxergar os sinais dos tempos e se posicionar diplomaticamente no mundo. Enquanto o outro ainda carrega a angústia e a negação do que não considera ideal, brada revoltas, se debate, infla o ego acima da realidade prática cotidiana. Ainda que genial. Definitivamente, os EUA estão fora da casinha. Não sei se é preciso envelhecer, ou amadurecer. Acabei ficando com a sensação de que posso até ler Franzen, voltar à livraria e comprar seu livro. Mas McEwan é aquele que se perpetua, aquele que vamos ler todos os lançamentos, e continuar lendo depois de anos. Diplomaticamente.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

DIÁRIO DE PARATY - WOODSTOCK


Ontem o Edu me falou: “Daqui a pouco você vai perceber que isso aqui é o Woodstock da Terceira Idade”. Eu entendi o que ele quis dizer. A Flip é badalada. A cidade está apinhada, restaurantes lotados, gente para todos os lados. A expectativa é chegar em 25 mil visitantes no sábado. Vai ser legal manter barrinhas de cereal na bolsa, porque vai estar impossível sentar em algum restaurante. Mas porque uma pessoa viria à Flip se não é apaixonada por livros? Em síntese o que acontece o dia inteiro é que um monte de escritores sentam com outros escritores e respondem perguntas de mais escritores, sobre os seus livros, ou como escreveram seus livros, ou porque escreveram seus livros, ou como gostam de escrever seus livros, e que livros liam quando escreveram seus livros. Como a maioria das pessoas que eu conheço dizem que gostam de ler livros, mas gostam mesmo é do efeito decorativo que o livro dá à mesinha de cabeceira do quarto, dá para entender que neguinho para se enfiar cinco dias chutando pedrinha nas ruas de Paraty, só mesmo sendo apaixonado por literatura. E nisso a terceira idade sai ganhando. É um festival de cabecinhas brancas. Velhinhos e velhinhas em caravana, grupos de amigas fofocando nos cafés. Eu fico eufórica de saber que, enfim, minha vida social pode ter algum tipo de salvação. Mesmo que minha turma não tenha exatamente a mesma faixa etária. Hoje cedo fui para a sala de imprensa logo depois do café da manhã. A internet virou artigo de luxo e estava todo mundo reclamando. Ficava um tempão fora do ar, e quando voltava todo mundo corria para postar, mandar emails, fazer upload de fotos; o que durava 5 minutinhos, até aparecer a página de erro no seu browser novamente. Então eu pegava um café, puxava papo com os jornalistas do meu lado, e esperava a próxima onda de conexão. O 3G também é lenda urbana. Vi gente dizendo que postou foto no Instagram, mas só acredito vendo. O meu é totalmente inexistente. Depois peguei a coletiva de imprensa do Enrique Vila-Matas. Ok, eu não vou bancar a jornalista investigativa, mesmo porque eu não engano ninguém, e eu não tenho pauta nenhuma para escrever. Então o que eu fiz foi ficar quietinha na mesa, gravar tudo e anotar o que achava interessante. Algumas coisas deram para ser usadas como conteúdo. Outras anotei para mim. O que mais gosto de ouvir de escritores consagrados é sobre seus métodos de trabalho. Escrever é, talvez, um dos ofícios mais solitários que existem. Eu sinto muita falta de interação, de troca. Só quem escreve sabe como é torturante o processo de erro e acerto, e revisão, e tentativa, e comiseração. Aos poucos cada um vai criando um processo para facilitar o trabalho, melhorar a qualidade, otimizar o tempo. Acho que por ser um ofício tão pessoal, a gente não encontra um “Manual do escritor” para vender nas bancas. Não existe uma regra de como organizar seu tempo, ser disciplinado, facilitar a criatividade. Existem momentos em que a coisa flui miraculosamente. Outros de um desespero descomunal. E nesse processo todo a gente escreve muita coisa ruim, muita coisa que vai para o lixo. E muita coisa que somos capazes de matar para não deixar ninguém ler. Literatura não é texto de blog, que eu sento na cama antes de dormir, digito o que vem na cabeça e posto sem nem revisar os acentos. Literatura é ruminada. E esse processo de criação, a maneira como cada escritor trabalha e retrabalha seu texto, pode ser a diferença entre um romance de sucesso ou um texto nunca terminado. Por isso quando o Enrique Vila-Matas disse que imprime cada capítulo, trabalha à mão no papel, depois volta para o computador para reescrever, imprime novamente, volta para o computador... Eu achei brilhante (embora totalmente insustentável). Quantas vezes tive vontade de voltar para versões antigas do meu romance e que se perderam completamente em arquivos interminados e “salvar como” que nunca mais encontrei. Por mais que a virtualidade nos ofereça a praticidade da condensação do espaço físico, nada como manter uma trilha real de migalhas de pão do seu percurso para ter certeza de que vai chegar até o fim. A coletiva me garantiu material para o resto do dia, então resolvi tirar folga. Fechei o computador e assisti às duas mesas da tarde sem nem olhar para o celular. Me apaixonei de imediato por Alejandro Zambra. Corri comprar o livro dele assim que saí da tenda. Comprei outros 13 livros também. Sempre tive problemas com limites, não vai ser agora que isso vai mudar. Depois uma deliciosa mesa com Javier Cercas e Juan Gabriel Vásquez. Dei uma volta pelas ruas do centro histórico sozinha. Tirei fotos. Me senti apaixonada novamente. (E olha que faz muito tempo que não me sinto apaixonada). Tantas coisas que eu gosto tanto. Livros, histórias, literatura, pessoas andando pelas pedras, as luzes nas janelas das esquinas históricas, fotografias com cores de fábula. E eu me sentindo inteira como há muito não me sentia. Com aquela certeza de que estou exatamente no lugar onde eu deveria estar. Resolvi não assistir à última mesa, (era Fernando Gabeira e Luiz Eduardo Soares falando de autoritarismo). Encontrei a Lu para jantar em um restaurante bacana no centro. Tomamos vinho branco. Falamos sobre os livros. E na saída tivemos momento frissón ao ver Luis Fernando Veríssimo e Zuenir Ventura do nosso ladinho. Eu fiquei exausta desse primeiro dia. Sempre disse que sou uma senhoura de 85 anos aprisionada nesse corpinho de 35. Tudo o que eu queria era voltar para a pousada e começar a ler “Bonsai”. Dormir cedo. Ficar em silêncio assimilando tudo. Muito longe do rock and roll. Assim como minhas colegas da caravana da Terceira Idade, esse é sem dúvidas o meu tipo de Woodstock.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

DIÁRIO DA FLIP - LIBERTADORES EM PARATY



A primeira FLIP a gente nunca esquece. Dizem. Há anos tenho muita vontade de vir. Às vezes faltava recursos ($), às vezes faltava amigos. Dessa vez uma união cósmica (que só ocorre de 100 em 100 anos e pode ser vista a olho nú na altura do Trópico de Capricórnio) permitiu. Apareceu uma pousadinha conveniente, um pessoal do grupo de escrita começou a agitar, compramos convites para as mesas há um mês atrás, rolou até credencial de imprensa, e ontem às 13h14 eu peguei Domi na casa dela e nos metemos na estrada para Paraty. Primeira observação: porque é mesmo que eu faz tanto tempo que não desço para o litoral paulista? Porque é mesmo que faz 15 anos que não venho para Paraty? Eu havia esquecido como nossas paisagens são maravilhosas. A serra tropical possui mesmo uma aura mais humana, mais de verdade. E eu devia considerar usar alguns dos meus finais de semana procrastinadores para fazer umas trilhas por aqui. Tão lindo e tão perto. Domi é uma querida do meu grupo de escrita, e vai ser nossa anfitriã no upgrade do grupo no segundo semestre. Ela ainda é uma mulher forte, bonita, com sobrenome kilométrico de realeza. Acho fina. A gente tagarelou até chegar em Paraty, o que me deu ate certa dor no maxilar. Chegamos em cima da hora, tempo só de largar a bagagem no hotel e correr para as tendas para assistir à abertura. Eu ainda passei na sala de imprensa, sofri com a internet e peguei a programação de coletivas (vai ser legal demais poder participar das coletivas!!!). A internet está de fato sendo um grande desafio. Eu entendo que, um evento desse porte muitas coisinhas podem acontecer, detalhes e problemas aparecem só quando são colocados em uso mesmo, mas dá para ver que o pessoal da organização também está se matando para dar conta. De tempos em tempos eles precisam dar um reboot no servidor e daí gritam para os jornalistas “salvem seus textos!”, todo mundo salvando o texto e ficamos sem internet por uns 5 minutos até que ela volte. Mas funciona por uns 10 minutos e cai novamente. Acho que é para entrar no clima do tombamento histórico. Internet tombada! Well, well. A palestra de abertura foi quase técnica demais. Luis Fernando Veríssimo estava super nervoso, tremia segurando o papelzinho. Legal ver esses mitos em situação humana. Eu também tremeria igual vara verde no lugar dele, e talvez isso nos faça parecidos em alguma coisa. Pelo menos em alguma coisa. ;-) Depois foi o impecável Silviano Santiago fazendo um resgate da trajetória de Drummond através de uma análise de suas poesias. Lindo. Parecia aula de Literatura. Era, não era? E o Antonio Cicero, que tem aquela cara de mau, aquela voz potente, e esmiuçou alguns poemas com tanto (acho que a palavra certa aqui é “culhão”) que me fez lembrar o tanto que eu amava poesia na minha adolescência e me sentir um pouco culpada por negligenciá-la hoje em minha vida. Nunca mais li poesias. Acho que quando você deixa de ler poesias é porque está abdicando de um tantão de paixão na vida. Aliás, paixão era o que mais dava para sentir na palestra dele. O cara falou com sangue no olho. Desconstruiu a abstração típica em algo concreto, real, tocável. Eu apaixonei. Se você não consegue falar sobre algum assunto na sua vida com aquele sangue no olho, você está fazendo algo errado, meu amigo! Embora a abertura tenha sido um pouco “dura” por ter priorizado a técnica à emoção, eu gosto do que me instiga a pensar e fazer e sentar a bunda e escrever, mais do que o circo. Mesmo porque o circo para mim viria logo depois. Minha grande preocupação era onde ver a Final da Libertadores e o meu Coringão. A programação da FLIP apresentava um show com Lenine para a noite de abertura. Cheguei até a questionar a organização se eles iam atrasar o show ou algo assim. Achei sacanagem colocar o Lenini para competir com o Corinthians. Tadinho do Lenini, gosto dele. Mas competir com final da Libertadores... Isso é bullying. Sinto muito querido Lenini! Eu vou ver meu time ser campeão. Senti falta dos manos, senti falta do bando de loucos. Mas eu, o Edu, a Lu e algumas amigas dela sentamos em uma chopperia quase na periferia de Paraty (as mano as it gets) e roemos as unhas, comemos batatas fritas frias e vimos o meu time amado acabar com a piada favorita dos anti. Fiquei triste pela piada. Tenho vários amigos que gostavam de usá-la contra mim. Acho que estava acontecendo uma conjunção astral rara mesmo. De repente as coisas acontecem tão calmas e tranquilamente quanto nunca. Eu dou um ponta pé no passado, finalmente realizo coisas que nunca realizei antes, meu time ganha a Libertadores, e eu ainda tenho 4 dias de literatura pela frente. Agora, vou correr aqui. Me enfiar na coletiva do Enrique Vila-Matas. Ficar quietinha e ouvir. Coisa que também eu quase nunca faço. Deve ser a tal conjunção astral. 

terça-feira, 3 de julho de 2012

CORRENDO ATRÁS DO RABO


Minha gata corre atrás do próprio rabo. Eu acho engraçado, geralmente é um comportamento associado a cachorros. Ela sobe em cima do sofá e, de repente cisma com o rabo e começa a perseguição. A veterinária-tia disse que é normal. Que alguns gatos acabam inclusive destruindo os próprios rabos. Ficam com o rabo careca, peladinho, igual rato. É uma ação estúpida, não é mesmo? Correr atrás do próprio rabo. É engraçado e nos faz enternecer pelo serzinho naquela função inútil. Então por que diabos será que a gente se pega em momentos da vida correndo atrás do próprio rabo. Parada em cima do sofá, andando em círculos tentando alcançar algo que sabemos o que é o onde vai dar? De vez em quando a gente dá um basta. Ou pelo menos tenta. Eu tenho meditado muito sobre desapego. É o tipo de coisa que a gente almeja mas não consegue ter uma noção prática do que é. Desapegar não é apenas não dar valor desnecessário a coisas materiais. Desapegar inclui ideias, vontades, carinho e amor inclusive. Ainda mais quando você está “no sofá” sem fazer nada, sem muita coisa rolando a sua frente, a vontade de virar e correr atrás daquele rabo que está ali, você já conhece, já sabe como é, fica ainda mais tentadora. Não posso dizer que não tenho evoluído. No meu ritmo, do meu jeito, ando muito orgulhosa das minhas conquistas pessoais e espirituais. Mas estou subindo por uma escada em caracóis. De tempos em tempos me pego rodando no mesmo lugar, perseguindo coisas que já tinha abandonado lá atrás. Porque será que a gente faz isso? Medo? Carência? Falta de paciência de esperar? Às vezes é preciso dar um basta de verdade. Para conseguir subir um degrauzinho. Estamos vivendo uma época de culto à felicidade incondicional, do “todo mundo se relaciona com todo mundo”. Eu acho que isso deixa a gente estagnada. Tentando resolver coisas antagônicas simplesmente porque não pega bem abrir mão das coisas, das pessoas. Então somos pessoas incompletas, amigos incompletos, profissionais incompletos. Porque se você “curte” muita coisa, twitta, coloca foto no instagram, faz check in e mantém a popularidade administrada em todas essas novas esferas de relacionamento, é impossível você realmente se relacionar com uma pessoa de verdade. Como diz Brecht, não se come a carne sem matar a vaca. Mas eu sou vegetariana. E isso também é uma escolha. É desapegar de algumas coisas para escolher trilhar um outro caminho de forma mais real e profunda. Mesmo porque eu aprendi que, quando a gente corre muito atrás do próprio rabo, ele acaba mesmo machucado. Peladinho igual rabo de rato. Se foi preciso um chacoalhão para me lembrar que algumas coisas a gente abandona na vida para não doer, pelo menos alguma coisa me fez lembrar que não quero ficar andando em círculos em cima do sofá. Evolução não é tomar decisões e nunca mais se abalar. Eu, pessoalmente, acho que é sempre reencontrar o caminho que escolheu quando escapar. Então lá vou eu novamente. Respirando fundo, virando as costas, sem olhar para trás. Mesmo porque, dá que eu olhe para trás, veja o rabinho balançando e dê uma vontade de correr... de novo.