sábado, 7 de julho de 2012

DIÁRIO DA FLIP - LOUCOS EM PARATY



Só hoje, sábado, é que consegui assentar e organizar um pouco mais o tempo. Os outros dias foram uma loucura de informações, e correria. Muita coisa para assimilar e a sensação constante de não estar realmente inteira em nada do que estava fazendo. A internet falha, os restaurantes lotados. O sono desgraçado que me atacava no meio da tarde. Hoje me sinto mais serena pela primeira vez. Ontem foi maratona. Trabalho, fotos pela rua, mesas interessantes. Teve Shakespeare ao meio-dia, disputadíssima. Depois Teju Cole e a única mulher que vi até agora, Paloma Vidal. Uma mesa que acabou prejudicada pela arrogância e falta de tato do mediador João Paulo Cuenca. Unanimidade nos comentários pós-mesa: “Pior do que o Jô entrevistando.” De onde eu venho isso não é elogio. À noite uma das grandes atrações que eu aguardava ansiosa. Jonathan Franzen em bate-papo com Angél Gurría-Quintana. No surto psicótico que eu tive na Livraria da Vila na quinta peguei os livros do Franzen umas 3 vezes na mão, mas devolvi sem a mínima vontade de ler. Imaginei um cara lento, prolixo e chato. Fui totalmente surpreendida com a conversa dele. Primeiro que o cara já entrou no palco correndo, meio como participante de programa de auditório. Fiquei imaginando que ele acenaria para a plateia e protagonizaria provas à lá Domingão do Faustão. Bizarro. Aliás, bizarro é a melhor definição para o cara. Um ser excêntrico que alternava períodos de silêncio viajandão, com um humor e auto-crítica, e discurso de raiva contra republicanos e o governo Bush. De longe a mesa mais interessante até agora pela peculiaridade e sair totalmente do lugar comum. Sim, o cara é louco. Totalmente lelé da cuca. Dizem pelas esquinas de Paraty que ele pediu para se hospedar sozinho em Ubatuba, longe do burburinho, e que é observador de pássaros e tem feito expedições no meio do mato. Eu posso bem imaginar o cara andando e falando sozinho pelo quarto, chacoalhando os punhos pelo ar e bradando frases de ordem revolucionária. “Die Bush, die!”. Fiquei apaixonada. Se existe algo que faz um escritor interessante é a completa falta de tédio de sua personalidade. Hoje, todavia, é o meu dia mais aguardado. Daqui a pouco tem a mesa com Ian McEwan e Jennifer Egan. Disputada à foice. Eu aproveitei os privilégios da minha credencial de imprensa hoje cedo e fui à coletiva de imprensa. Eu até tento ser blasè, mas eis uma coisa que não combina com meu sangue latino. Quando vi a cabecinha branca e inglesa do Ian, quase dei gritinhos. Me encostei na parede e assisti àquele senhor que escreve livros tão lindos e tão tristes falar com uma lucidez fenomenal sobre sua literatura, seus livros, e a maneira prática e límpida que encara o ofício. Por mais interessante que seja a loucura, definitivamente a solidez e a concretude da lucidez é furiosa. Tão oposto ao outro maluco americano. Muito curioso presenciar os dois em seguida. Dois extremos de um mesmo ofício. Ao mesmo tempo dois países que já experimentaram dias melhores. Não consegui evitar associar a tranquilidade e elegância de Ian com a sabedoria de um país que já foi um império e hoje sobrevive exatamente em saber enxergar os sinais dos tempos e se posicionar diplomaticamente no mundo. Enquanto o outro ainda carrega a angústia e a negação do que não considera ideal, brada revoltas, se debate, infla o ego acima da realidade prática cotidiana. Ainda que genial. Definitivamente, os EUA estão fora da casinha. Não sei se é preciso envelhecer, ou amadurecer. Acabei ficando com a sensação de que posso até ler Franzen, voltar à livraria e comprar seu livro. Mas McEwan é aquele que se perpetua, aquele que vamos ler todos os lançamentos, e continuar lendo depois de anos. Diplomaticamente.

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