segunda-feira, 31 de maio de 2010

TRÊS LOJINHAS PARA AMAR EM ROMA

NORA P



Essa é das minhas favoritas. Erna que me levou lá. Fica em Monti, o bairro mais charmoso desse città! Nora P é uma lojinha cheia de móveis e coisinhas delícias de decoração super criativas. Dessas que a gente fica babando e tem vontade de comprar uns três apartamentos só para poder decorar com tudo o que dá vontade de ter. Além do jogo de copos de metal, e dos potinhos de argila para fazer máscara facial, amei muito uma estante retrô toda customizada, com decalques japoneses. Coisa de derreter o coração mesmo. Os móveis são todos exclusivos, feitos por designers italianos e materiais reciclados. Vai ser charmoso assim lá longe, viu!

220/221 Panisperna
00184 Roma
+39 06 45473738
http://www.nora-p.com/



IL PAPIRO


Essa eu descobri logo nas minhas primeiras andanças por Roma. E já que a pessoa escreve e é meio maníaca por papelaria, tive quase orgasmos nessa loja. “Il Papiro” tem duas unidades. As duas ali nos arredores do Pantheon. Papéis mais do que especiais, cadernos artesanais, bloquinhos de notas, caixinhas cartões, e o mais “meu-deus-eu-vou –surtar” de todos: canetas tinteiros, penas e aqueles selos de metal para marcar cera que eu só tinha visto em filme. Acho o cúmulo do luxo! Já comprei um com desenho de gatinho para mim. Pena que não dá para comprar a loja inteira.

Salita de´ Crescenzi, 28 (Pantheon)
00186 Roma
Via del Pantheon, 50
00186 Roma
+39 06 6795597
http://www.ilpapirofirenze.it/



BARTOLUCCI

Gente! É a oficina do Gepetto!!! Eu quase surtei quando achei essa loja no centro histórico. Sabe aquela avalanche de memórias de infância, de assistir o desenho da Disney e do som da voz da minha mãe lendo o livro para minhas irmãs e para mim. Impossível não estampar um sorrisão no rosto. A loja se orgulha de só fazer mimos em madeira. E são realmente elegantérrimos. Muito bem acabados, super perfeitos. Bonecos do Pinnocchio para todos os lados. De chaveirinho até grandão. Comprei um de presente de aniversário para o delícia do meu sobrinho. Mais legal ainda que a loja tem filiais espalhadas pela Itália inteira. Me like it!

BARTOLUCCI
Via dei Pastini, 98
http://www.bartolucci.com/

domingo, 30 de maio de 2010

ROMAN HOLIDAY

Eu amo todos, de todos os filmes da Audrey Hepburn. Isso não é novidade nenhuma. Aqui em Roma fica difícil não lembrar o tempo todo de um dos meus favoritos deles. “Roman Holiday”, que no Brasil tem o título de “A Princesa e o Plebeu” e perdeu todo o charme dessa cidade. Audrey é a princesa que não aguenta mais os sapatos apertando os dedos do pé, em um ato de rebeldia foge anônima por Roma, anda para todos os lados, se empanturra de sorvete, super corta o cabelo, se acaba dirigindo uma vespa e se apaixona por Gregory Peck (que era um papparazzi disfarçado, mas também se apaixona por ela e se arrepende, como as coisas devem ser) Você anda pelas lojinhas e tem cartazes do filme espalhados por todos os lados. A sorveteria em que os dois tomam gellatti fica atrás do Panteão e é lotada dia e noite. Eu tenho me segurado para também não sentar em algum salão de beleza e cortar curtinho meu cabelo. No melhor estilo “mudei total”. Mas se o cabelo não tem se provado uma boa idéia no momento, soltar a franga pela cidade e se jogar na vida me parece uma idéia totalmente válida. Foi exatamente o que eu fiz nesse final de semana. No sábado, eu e Erna abraçamos Roma de corpo e alma. Erna é a holandesa da minha sala. Linda, alta e magra com porte de modelão. Divertida, totalmente destrambelhada e tagarela como eu; e nós duas morremos de rir, e falamos alto, e nos empolgamos com qualquer coisa e estamos completamente apaixonadas uma pela outra. Nossas frases de ordem todos os dias são “La vita é bella” e “L´amore!!!!!!!!!” (assim mesmo, seguido de milhões de pontos de exclamação). Então no sábado nós nos encontramos para andar sem destino pela cidade e tirar fotos. Eu só estou usando uma câmera digital basicona mesmo. A Sony mais barata que achei no Free Shop de Cumbica. Erna tem uma Canon EOS poderosa. E ela é muito melhor fotógrafa do que eu. Mas mesmo assim nós compartilhamos o mesmo gosto por tirar fotos de cotidiano, e de estranhos na rua em poses espontâneas, e de detalhes de casas e bobeirinhas que só a gente acha graça. Parávamos em alguma piazza e ficávamos um tempão nos contorcendo para tentar pegar algum ângulo legal. Depois andávamos mais, entrávamos em lojas, tomávamos sorvete, puxávamos papo do nada em italiano com as pessoas e fazíamos amigos. Fizemos isso por tudo quanto é lado de Monti, ficamos fazendo hora pela feira de Campo di Fiori e fomos andando até Trastevere. Em Trastevere (que eu prefiro muito mais durante o dia do que à noite) sentamos em um terraço super charmoso, com flores penduradas na parede perfumando nossa mesa. Comemos bruscchettas e enxugamos uma garrafa de vinho rosè. Nessa altura (e já realmente deveras “altas” as duas) fomos encontrar Rachna e Roberto (um amigo italiano de Erna) em um restaurante maravilhoso perto da Piazza del Popolo. Lá foi mais uma garrafa de prosseco, prosciutto crudo com melão, lulas grelhadas e limoncello de sobremesa. Juro que estava morrendo de sono, mas Erna usou o melhor dos argumentos para me convencer a tomar mais um drink em um bar ao lado do Palazzo di Adriano: “Hoje é Sábado e você está em Roma. La vita é bella!”. A gente não discute com determinados argumentos. Eu fui, e fui acordar hoje cedo com uma baita dor de cabeça. Mas como hoje foi domingo em Roma, e fez um dia lindo lá fora, com Sol, céu azul, pássarinhos cantando na janela. Eu tomei uma Neosaldina e fui encontrar a fofa denovo. Dessa vez fomos eu, ela, Karin e Francesca (Karin é um suíça adorável e linda, e Francesca é nossa mascote. Tem 17 anos só, a coitada! Mas ela é super madura, e a gente finge que ela tem 22.), alugamos bicicletas e nos jogamos pela città. Pedalando sem pressa, como quem tem todo o tempo do mundo mesmo. Acho que pedalar por essa cidade é uma coisa que todas as pessoas deviam fazer pelo menos uma vez na vida. Deixar se perder, sentir a respiração balançar com os pneus tremendo pelo calçamento das ruas. Eu gostava tanto de andar de bicicleta quando eu era pequena. Carol e eu nos enfiávamos pelas estradinhas da fábrica a tarde inteira. Todas minhas lembranças de férias de infância incluem uma bicicleta. Eu só resgatei esse prazer no ano passado, quando comprei me arrisquei um pouco por São Paulo. Em Dublin eles têm esse sistema de bicicletas públicas que é super comum aqui pela Europa. Vários pontos espalhados na cidade em que os cidadãos cadastrados podem pegar e deixar as bicicletas de uso coletivo. Bem saudável e ecológico. Eu não pedalei por lá porque estava aquele frio danado e chovia o tempo todo. Em Sevilla passei um domingo lindo pedalando com a Paulinha e com o David. Tipo de experiência que te faz realmente aproveitar o dia e a cidade. Hoje pedalando com as meninas, pensei em como eu deveria incluir mais bicicletas nos meus dias e nas minhas viagens. Pedalar sempre me traz a sensação de que as coisas são simples e inteiras. Nós quatro ainda fechamos o dia fazendo um picnic ao lado do lago na Villa Borghese. Nada de vinho hoje. Morangos, uvas, muitos queijos e salame. Final de tarde com o Sol se escondendo entre as folhas das árvores. A grama pinicando nossas coxas. Pés imundos, mas feliz pra burro. Tomando banho depois em casa, olhava a água suja escorrendo pelo ralo. Quando eu era criança sempre tinha água suja escorrendo pelo ralo. Fiz um chá. Voltei para o computador para trabalhar. Eu estou tendo a sorte de estar em Roma, de tirar os sapatos apertados e me perder por esse desbunde de cidade. Mas acho que dá para um “Roman Holiday” em qualquer lugar. Se jogar na vida sem compromisso, sem pretensão. Só se jogar. Tirar férias de todas as poses, de todas as expectativas sociais. Deixar que o tempo passe sem planejar cada minuto o que se espera dele. Encher um final de semana inteiro com coisas simples que realmente te dão prazer. Fazer todas aquelas coisas que a gente fazia quando era criança. Acho importante lembrar de tempos em tempos que tipo de pessoa você era quando era criança. Não é à toa que temos lembraças tão boas de nossas infâncias.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Adivinha onde eu estou? Isso aí! Não saí de Roma. Fiquei e vou ficar, enquanto der para ficar. Como o tempo virou (É legal saber que isso não acontece só em São Paulo. Tempo virar bem na sexta-feira...), talvez algumas das coisas que eu queria fazer no final de semana não funcionem bem com a chuva e os dias cinzas. Mas daí eu uso os dias para colocar em ordem o trabalho, que está totalmente negligenciado. Hoje Jackeline foi embora para Suíça. Uma fofa querida! Ontem voltando do cinema, ela e eu vimos a movimentação de luzes e tapete vermelho da Pré-estréia de “Sex and the City 2” que estava rolando na Piazza della Republica. Ficamos as duas pulando dentro do ônibus. Hoje, na última aula, ela me trouxe de presente um hidratante com protetor solar suíço que ela usa. Deixa a pele toda brilhante, um luxo. A gente fez uma bagunça, e tiramos várias fotos, e na hora de se despedir (Deus! Tô ficando uma manteiga derretida com essa coisa de se despedir!) fiquei toda emocionada e com os olhos cheios de lágrimas. Só disse para ela uma coisa: “A Senhora! Trate de ser feliz, ok!?”. Ando tão bundona. Tão chorando por qualquer coisa. Meio “Zeca Baleiro”, sabe? Chorei na hora do almoço enquanto a Rashna me contava do presente de casamento super fofo e criativo que ela teve idéia de dar para o melhor amigo dela (que eu amei e vou roubar. Primeira que casar, ganha!). Chorei também de ficar imaginando a barriga da MH. Chorei tentando arrumar meu cabelo hoje cedo, e quando descobri que consigo sacar dinheiro no caixa eletrônico com o meu cartão do banco do Brasil (e não vou mais precisar do Visa Travel). Chorei vendo duas senhorinhas escolhendo sorvete quarta-feira à tarde, relendo um email da minha sobrinha (isso é covardia, eu sei!), e no filme de ontem à noite. Mas esse era filme de chorar mesmo. Eu não entendia nada, mas chorei mesmo assim. Nenhuma das vezes foi uma emoção de dor ou sofrimento não. Foi tudo muito bom. Chorar de quando é intenso. De quando a gente está feliz pra caramba e as coisas são perfeitas demais. (Tirando a parte do cabelo, que foi choro de desespero mesmo). Chorar porque a felicidade é tanta que transborda um pouquinho. Escorre nas lágrimas que a gente tenta disfarçar. Por isso que eu digo que estou bundona. Ah, o que se há de fazer? Agora, além de superlativa, sou bundona. Pensar que eu já fui um poço de cinismo e mal-humor... Tão bom se permitir mudar. Fazer tudo ao contrário, no extremo oposto. Comprei um modem portátil para ter internet aqui, só que ele me libera só 5 horas de navegação por dia. Com os emails, trabalho, post do blog, pesquisa de locais, horários de trens e hostels (da continuação da jornada), “reuniões” por skype, farmville e as conversas perdidadas com um ou outro quando dá, acabo sempre ficando sem créditos. No meio de um trabalho, puf! Cortam a conexão. Daí só no dia seguinte. Por causa disso eu ando sentindo uma falta danada de falar com alguns amigos, de botar o papo em dia com algumas pessoas. Porque tem sido muito difícil dar atenção “homem-à-homem”. Me sinto em débito. Então, bem bundona e com os olhos meio vazando de felicidade, eu mando um recadinho bem pontual para cada uma dessas pessoas que eu gostaria muito de poder estar tagarelando com mais tempo e carinho (MH, Y, minha irmãzinha Carol, a prima Kika, a outra Kika, também a Keka, o Dri, Paulinha, Cí, Sel, Fê, Lulu e Pedrón, meu amor de alma Kallel, a Ju, o tratante do Dinho, a Van...). “Vocês, Senhores! Tratem de serem muito felizes, ok!?”. Por aqui eu estou sendo.

TRILHA SONORA DO DIA



E quem me apresentou "The Lucksmiths" foi o Ozzie. (Também responsável por me apresentar Kings of Convenience, que foi minha trilha favorita de "dia-lindo-vou-passear-pelo-bairro" do ano passado.)
Delícia ficar ouvindo pelo IPod nas caminhadas por Roma. Vinha fazendo uns dias super verão por aqui. Até esfreguei na cara de Y ontem pelo skype o quanto incrível estava sendo ir para escola de manhã, usando shorts e havaianas. Claaaro que hoje o tempo fechou e está uma garôa com cara de casa lá fora. Para eu aprender a largar a mão de ser arrogante. Mesmo assim é Roma, né? E eu ando toda faceira pelas calçadas, trocando sorrisos com os "ragazzos" que jogam elogios quando você passa, ouvindo a musiquinha ai de cima... Primavera em Roma, minha gente! Não pode ser melhor!!!

quinta-feira, 27 de maio de 2010

PIANO!

Adivinha só? Estou apaixonada! Completamente, irrestritivamente apaixonada. Por Roma! É tudo sobre beleza, e vida. Me sinto tão viva que tenho medo de sair daqui e nunca mais respirar. Amanhã vou para Nápoles. Passar o final de semana, tentar otimizar meu tempo na Itália. Mas preciso ficar me convencendo de hora em hora que é a melhor coisa a se fazer, porque minha vontade mesmo é otimizar Roma no meu tempo. Ou talvez eu devesse simplesmente desistir de Nápoles e ficar por aqui fazendo exatamente isso. Hummm... Escrevendo isso agora, parece a melhor opção. Uma coisa que estava me incomodando muito com o ritmo da viagem é que, embora eu adore estar em trânsito e conhecer um monte de lugares e pessoas, eu sentia sempre falta de me aprofundar. Tudo acabava virando números, alguns contatos de facebook e pronto. Ficava tudo na superfície. E eu ia embora com a sensação de não ter sentido de verdade, não ter vivido de verdade. Sempre com a sensação de “um dia eu volto com tempo”. Fazendo agora uma semana de Roma é que eu começo a sentir melhor a cidade. Criar vínculos com as pessoas, trocar confidências, conhecer histórias. Cada dia mais quero as coisas inteiras. Quero ir até o osso, me afogar até perder o fôlego. Coisas intensas precisam de tempo. E talvez eu devesse me dar mais tempo para as coisas. Meu grupo de italiano é só de mulheres. Entre 30 e 45 anos. Três suíças, uma alemã, uma neo-zelandesa, uma holandesa, uma coreana e uma inglesa. Fiquei muito grata de não ter caído em um grupo cheio de adolescentes cantando Lady Gaga (tenho uma preguiça muito grande de adolescentes!!!). E nós estamos todas nos dando muito bem, realmente temos um laço de boa vontade e amizade em comum. Todas as aulas damos muitas risadas, e contamos histórias de amor e descemos todas para almoçar juntas. Muitas vezes não entendemos o que cada uma quer dizer em sua própria versão de Italiano Tarzan (e depois do horário de aulas, reina o inglês absoluto!!!), mas é uma delícia ir descobrindo e se comunicando além da língua, da cultura, da bagagem de cada uma. Combinamos coisinhas divertidas para fazer à noite também. Hoje vamos todas nos arriscar a assistir um filme italiano no cinema, com direito a pipoca e M&Ms. Ontem rolei de rir em um clube de salsa. Uma das meninas andou fazendo umas aulas de salsa por aí e queria colocar em prática. Fomos todas dar apoio moral e beber mojitos (Mojiiiiiitosssss!!!). Sinto falta das conversas “mulherzinhas” com minhas amigas. Teclar no msn é bem menos eficiente do que sentar em um restaurante, enxugar uma garrafa de vinho, e ouvir de uma amiga que ela também rói as unhas e fica angustiada checando a caixa de emails à cada meia hora. Talvez eu devesse desistir de seguir meus planos tão à risca e aproveitar novas portas que a vida está colocando a minha frente. Respirar. Ir com calma. Eu quero sempre tudo, ao mesmo tempo, agora. E acabo sempre com a sensação de que não tenho nada. Talvez eu devesse pegar uma única coisa e ir até o fundo, mesmo que eu perca milhões de outras na troca. Estou fazendo 3 meses de estrada. Três meses, uma saudade danada, uma verdadeira maratona. Mas se eu quero chegar até o fim (e como ainda tem muito mais caminho para percorrer do que o percorrido), o ritmo precisa mudar. Como diz Francesca, minha professora de italiano: “Piano, Piano, Piano!”

terça-feira, 25 de maio de 2010

O DIA QUE EU DESISTI DE VER RUÍNAS

Como parte do plano, ficar em Roma era uma tentativa de criar um pouco de rotina e colocar em ordem a bagunça toda que estou carregando até agora. Lavei o tênis, levei o casaco na lavanderia. As aulas começaram ontem. E à tarde fui explorar Roma conforme programado. Começando pela parte antiga (porque Roma tem a parte antiga que data dos 2000 anos, e a parte “moderna” que data do século XVIII.........). Fui ao Coliseu, tirei muitas fotos para os meus sobrinhos lindos. Então fui ao Foro Romano, as ruínas todas dos mercados. E ruínas. Mais ruínas. Umas pedras milenares jogadas no chão e cercadas por grades também. E ruínas. Hoje minha programação era, aula mais uma vez e mais ruínas à tarde. Queria ir à Appia Antica ver as catacumbas, e mais ruínas. Pego meu mapinha do Roma Pass, meu ticket do metro e vou cantarolando. Desço na estação e... não faço a mínima idéia de para que lado ir. Pergunto ao taxista com meu italiano Tarzan (Me Tarzan, You Jane!), e ele me responde em inglês. Humpf! “Straight down this street, after the park.”. Então eu desço a rua e entro no parque. Só que não é um parque, parque. É bem uma parte “rural” de Roma. Um monte de mato, com trilhas. Pessoas correndo e andando de bicicleta. Eu achei o clima super astral e resolvi sair andando pelas trilhas para achar o outro lado do parque. Afinal, não podia ser um parque tão grande. Depois de alguns minutos caminhando, resolvo perguntar para um “signore” onde ficava a Àppia Antica. “Ahhhh! É muito longe, garota! Uns 4-5Km por essa direção”. Hummm! Estou inspirada, vamos andar. Mega Sol, mas vambora! E o parque é totalmente bucólico, vou confessar que foi uma surpresa e eu já nem fazia questão de chegar tão rápido às catacumbas. Campos que se estendiam ao lado da trilha, passaros carregando galhos para seus ninhos (Primavera em Roma, né!). Vira e mexe eu me assutava com o barulho de algum esquilinho. Comecei a me sentir a própria Branca de Neve, perdida na floresta, fugindo da madrasta malvada e conversando com os animais. Depois de um bom tempo de caminhada começou a me fazer muito bem estar no meio daquele mato todo. Às vezes passava por alguma casinha. Pareciam chácaras. Tinham criação de ovelhas, e o barulho da água caindo de alguma fonte. Em alguns pontos a trilha se fechava um pouco, com árvores não muito altas. Então eu noto que as árvore são amoreiras, e estão apinhadas das maiores e mais pretas amoras que eu já vi na vida. Olha que eu cresci subindo em amoreira quando criança. Pegávamos um saco cheio de frutas para fazer vitamina. Obviamente as amoras mais baixas foram todas colhidas, então eu subo na árvore e me empanturro de amoras super doces. E pego um punhado para ir comendo no caminho. Fico com as mãos e a boca todas tingidas de roxo. A trilha começa a entrar em um campo mais aberto, onde flores silvestres rastejam por todo lado dando uma sensação de um tapete colorido que me dá vontade de sair correndo, saltitando e cantando “The Sound of Music”. Conforme eu vou passando, uma revoada de passarinhos vai levantando do meio do campo. Tudo é tão cinematográfico e bonito, e me faz sentir viva. Tenho realmente a sensação iminente de vida, e penso que estou nessa jornada para dias exatamente como esses. Para descobrir a grandeza dessas coisas simples. Meus joelhos tremeram quando eu virei a esquina e vi o Coliseu no fundo da rua. Realmente tremeram. Tipo de coisa difícil de processar, pelo tamanho, pela importância. Mas meu tipo de viagem, ainda é muito mais saltitar por um campo florido comendo amoras. Completamente deserto. Perdida para variar. Sem saber como sair ou como voltar. São esses os dias que me salvam. Que me fazem ter certeza de que tudo está valendo a pena. A solidão, a saudades doída de casa. A falta de conforto. A dor de carregar tanta bagagem nos ombros, e os kilos que se esvaem. Vou lembrar dos meus joelhos tremerem em frente ao Coliseu, à Sagrada Família, à cúpula de St. Pauls. Mas são dias como esse que vão fazer da minha jornada inesquecível. Eu fico saltitando pelo campo. Feliz que quase explodo. Pensando em como eu sou uma pessoa passional, sim! E eu sou irresponsável com os meus sentimentos, eu me jogo, faço tudo no máximo. Não sei ser cautelosa, ou comedida. Eu sinto tudo à décima potência. E amo, odeio. Surto, angustio. Sofro, dou risada. E é assim, o que eu posso fazer? Só páro quando vejo sangue. Eu gosto de ser assim. É quem eu sou. Imperfeita. Complicada. Hipervalente. Estou completamente em êxtase com a aceitação de todos meus defeitos, e com o gosto da amora, e com as margaridas que fico fazendo “Bem me quer”, até que a trilha termina... em uma auto-estrada. Uma grande e barulhenta auto-estrada. Eu andei por mais de uma hora naquele parque. Mudei de trilha, me perdi. Não há a menor chance de voltar. Engraçado encontrar seu caminho terminando em uma auto-estrada... Eu não sou o tipo de mulher de voltar. Então boto meus pézinhos no asfalto e sigo pela auto-estrada até encontrar um ponto de ônibus. E como nenhum ônibus aparece, sigo pela auto-estrada até ela parar em uma avenida mais urbana. Lá sim encontro outro ponto de ônibus. Só que o ônibus que eu pego não passa nunca em uma estação de metrô, e eu só descubro que estou no sentido contrário quando ele pára no ponto final. Fui até o ponto final. O motorista vira para mim e diz “Não se preocupe. Daqui 5 minutos, eu volto pelo mesmo caminho.” Eu não sou mulher de voltar, mas me deu um certo alívio em saber que chegando ao ponto final podemos sempre voltar pelo mesmo caminho. Sempre vou encontrar o caminho de casa. Só para registro: nunca vi as catacumbas, nem cheguei à Àppia Antica. O “Roma Pass” vai acabar virando um investimento perdido. De ruínas, já chegam as minhas.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

DIA DO TOURO



Eu não tenho muito tempo para ficar fuçando na net. Mas tenho amigos e leitores maravilhosos que me avisaram dessas cena e me sugeriram uma continuação do post "Saindo das Monumentais Plazas de Toros". Isso foi lá em Ventas, onde eu estive. Fiquei muito feliz pelo touro. E ainda estou desejando a morte do toureiro. (eu busco a iluminação, mas às vezes desejo a morte das pessoas sim! humpf!) Talvez os tempos estejam mesmo mudando. Novos tempos em que toureiros vão acabar com a língua furada. Me like it!

sábado, 22 de maio de 2010

CARROCINHA 2


Só porque eu falei que era uma "cat person", lá vem a vida calar minha boca para variar. Estou eu hoje em uma lojinha em Monti. Dessas que tem um senhorzinho bem velhinho atrás do caixa e vendem de tudo. Estou comprando caderno e lápis para o curso de segunda, e entra pela porta uma mulher toda sorridente com uma Cavalier King Charles na coleira. Meu cachorro de sonho! Eu ainda vou ter uma Cavalier marrom, que vai me acordar de manhã e brincar com as minhas filhas, e dormir no meu pé enquanto eu escrevo meus livros. O dia que eu sossegar e resolver casar e ter filhos, e uma família com casa. E a Cavalier vem direto correndo na minha direção. Ela me adora, e me lambe, e a gente fica fazendo a maior festa no chão da loja. A mulher ainda diz: "É uma maravilha de cachorro. Não faz um barulho, não dá trabalho, e é uma grande companheira"
Ok! Galera aí de cima. Entendi o recado, Pode até ser um cão pulguento, mas eu ainda vou querer levar um Cavalier para casa, e fazer tudo como manda o figurino.

ROMA=AMOR

Assim que eu desembarquei no aeroporto de Roma, foi-se toda a evolução espiritual que eu havia conquistado no deserto e eu voltei a ter impulsos consumistas e dar gritinhos nas vitrines de todas aquelas lojas maravilhosas Tax Free (Ah! Mulher de pouca fé!!!). Roma é mesmo tudo sobre moda. Se em London as pessoas esbanjam estilo, em Roma o que dita é a elegância. TOOODO mundo é elegante. Muito. Mesmo. E lindos. Os italianos (Ai, Meu Deus!!!!) são lindos até dizer chega. Vontade de levar todos para casa. O problema é que as italianas também. Ando nas ruas e minha impressão é que todo mundo caiu de alguma página da Vogue ou da Elle. Tropeçou e foi parar na minha frente. Tá sendo super legal para minha auto-estima. Sabe aquela sensação de estar com o vestido errado para a festa? Mais ou menos isso. Casacos, bolsas, sapatos. AHHHHH! Sapatos.... Eu sei. Eu sei que eu não PRECISO de nada disso, e que minha essência não vai ser alterada por causa disso. Mas olhando a vitrine da Prada na Via del Corso ontem, eu podia jurar que ia. Que o caminho da iluminação incluía uns 3 ou 4 acessórios daquele quarteirão. E que eu ia sim, ser uma pessoa melhor com um Jimmy Choo nos pés. Mesmo que ele enrroscasse no calçamento do Centro Histórico. Brincadeiras à parte, minha primeira sensação de Roma foi essa mesma. Gente linda, elegante, e muuuito bem vestida. E gente. Gente. Gente. Juro que o mundo inteiro está em Roma. Como tem gente! Os pontos mais turísticos como a Piazza di Spagna e a Piazza Navona parecem Salvador no Carnaval. Todo mundo está aqui. Ainda nem me arrisquei pela região do Colisseu e da Piazza San Pietro. Estou criando coragem para ir durante a semana. Agora vai ser assim. Três semanas de curso de italiano aqui em Roma. Finalmente tirei todas minhas coisas da mochila, e minhas roupas foram penduradas em cabides (algumas delas pela primeira vez na vida... hahahah). Estou instalada em um quarto grande e confortável, na casa de uma “signora” meio sinistra, para quem torci o nariz no primeiro dia, mas resolvi que seria um bom exercício de tolerância aguentar as três semanas sorrindo e acenando. E depois, a casa é super bem localizada. Ao lado da Villa Borghese, walk distance da escola. (Resolvi exercitar a tolerância, mas também fiquei com medo da escola me trocar para uma casa com uma localização horrível...) Planos agora são estudar pelas manhãs e conseguir meu diplominha em Italiano Tarzan (Me Tarzan, You Jane). Aproveitar as tardes para explorar Roma. Nos finais de semana viajar para algumas cidades que estão na lista. Mas principalmente, aproveitar esse tempo para pôr em ordem muitas coisas. Escrever, organizar anotações, trabalhar, planejar os próximos passos. Mais importante, pôr em ordem a cabecinha. Que anda uma zona, (acho que nunca na minha vida vou conseguir processar tudo o que estou passando). O coração vai continuar em banho-maria. Vou voltar a correr (tem um parque lindo aqui do lado, como não poderia!), meditar mais. Ser uma pessoa melhor e uma blogueira melhor. Eu juro! Tô lendo o OSHO até. Roma vai ser só sobre amor. Porque não tem como ser diferente. Porque eu já cansei de dizer que Amor é uma força poderosa e transformadora. Porque foi aqui que resolvi fazer uma pausa na jornada e tentar me achar de volta no meio de tudo. Porque Amor é o que me move todos os dias. E está até no nome da cidade. Estou falando de Amor, AMOR. AMOR total, incondicional. Antes de tudo, AMOR com essa pessoinha aqui, que tá frágil e descascada.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

CARROCINHA


Meu guru me escreveu esses dias: "o problema de encontrar alguém com muita coisa em comum é que é como encontrar um cachorro na rua abandonado. A gente fica com dó, leva para casa. Mas depois vem as pulgas, as sarnas, precisa dar vacina... e o arrependimento..."
Então não passa de um cão pulguento? Tudo bem. Sou uma "cat person" mesmo...

quinta-feira, 20 de maio de 2010

SLEEPING IN AIRPORTS



Meu vôo de volta do Marrocos chegou no Aeroporto de Barajas às 22h. No dia seguinte eu ia pegar outro vôo para Lisboa. Imagina só: chegar, pegar mala, arrumar algo para comer, pegar o último metrô até a região central de Madrid, se hospedar em Hostel, abrir mochila, pegar necessaire, tomar banho, voltar para o quarto, colocar pijama, dormir algumas horas, acordar, empacotar toalha molhada na mochila, ir até metrô, voltar para o aeroporto para, enfim, fazer check in e pegar um avião tudo de novo. Parece meio sem sentido, não? Então eu estava pensando em “dormir” no aeroporto. Ficar por lá mesmo. Escrevendo no computador, lendo alguma coisa. Passeando pelos terminais. (Se o Tom Hanks ficou morando no JFK, porque eu não posso passar uma noite em Barajas?) Compartilhando essas idéias com alguns viajantes que encontro pelo caminho, eles me falaram desse site:


Funciona como um guia para ajudá-lo a tirar o melhor das pernoites nos principais aeroportos do mundo. A prática é tão comum e popular que aeroportos mais concorridos como o de Heatrow em Londres até fornecem colchão e corbertor para os malucos que vão passar a noite entre os terminais. Entrei no site, adorei e resolvi colocar mais essa experiência no currículo. Me estiquei no Terminal 1 do Aeroporto de Madrid. Dizem que o Terminal 4 é o mais confortável, mas ficava do outro lado do mundo, então fiquei por ali mesmo. Do meu lado uma família portuguesa jogava “Stop” para passar o tempo. Algumas outras pessoas se aninharam perto da cadeira que eu estava. Por volta de 1h da manhã comecei a tentar várias posições fracassadas para dormir, até que resolvi deitar no chão frio de mármore mesmo. Às 2h estava com frio e entediada, a cadeira era desconfortável demais e a bateria do meu Ipod tinha acabado, então resolvi dar uma volta. Quando me disseram que dormir no aeroporto era uma prática popular, eu não imaginava que fosse tanto. Para todos os lados as pessoas de todas idades estavam deitadas, encolhidas, lendo, vendo filmes nos laptops. No setor de embarque então, parecia acampamento de férias. Grupos de amigos em círculos, namorados enrolados embaixo de jaquetas. Eram tantas pessoas que parecia aquelas cenas de caos aéreo que a gente vê no telejornal. As esteiras do check in tinham sido todas transformadas em suites particulares. Para não dizerem que é história de pescador (e como eu estava mesmo entediada) fiz um ensaio para colocar aqui. Agora, pensa bem. Isso é um pouquinho do Terminal 1 do Aeroporto de Madrid às 2h da manhã. Imagina que só Barajas tem 4 terminais. Vai multiplicando pelo número de aeroportos e terminais nas principais cidades do mundo... Agora se pergunta: Como é que eu nunca fiz isso antes???


terça-feira, 18 de maio de 2010

MULHERES

Para finalizar o capítulo Marrocos, não posso deixar de colocar um post só sobre as mulheres. Claro que o que eu falo aqui (não só nesse post, mas como em todo blog) não tem nenhuma intenção de oferecer dados jornalísticos, reproduzir a realidade ou levantar teses sobre o assunto. É apenas minha opinão. Simples e pura. Formada pela minha experiência pessoal, umbiguista, totalmente particular e parcial. E muitas vezes eu sou dúbia, tendenciosa, antagônica. Mas é assim e pronto. E eu gosto de ser assim. Então é lógico que devam existir milhares de histórias que não condizem em nada com o que eu vou falar, mas para mim é assim que as mulheres vivem no Marrocos hoje.

Sempre que pensamos em um país mulçumano... bom, pelo menos eu (já que sou apaixonada pelo Jack Bauer e assisti todas as temporadas de 24H), penso na situação em que as mulheres são submetidas. Burcas. Prisão domiciliar. Comércio de noivas. Crianças escravas. Apedrejamento de mulheres adulteras. Coisas assim, que a gente sabe que acontecem sim em um monte de lugar por aí. A castração feminina ainda é praticada em muitos vilarejos (e não vai ter Cristo no mundo que me convença, sob o argumento que seja de proteção cultural ou o diabo, de que isso não seja uma barbárie e as pessoas que fazem isso não mereçam uma morte lenta e dolorosa sem seus testículos). A gente sabe, que existem lugares no mundo em que ser mulher é bem complicado (não que não seja também complicado em São Paulo, mas digo complicado de uma maneira muito mais explícita). Uma das minhas maiores preocupações em visitar o Marrocos era exatamente essa: uma mulher viajando sozinha. É um choque cultural, e é bom ter cuidado com isso. Conversei com muita gente. Li muito antes de ir. Mas nada como a experiência prática para colocar por terra alguns tabus e temores. Primeiro, senhoras e senhores, Marrocos não é o Afeganistão. Nada de burcas pelas ruas, muito pelo contrário. As mulheres se vestem de maneira bem ocidentalizada. Dependendo da idade e classe social. Entre as mais velhas ainda via uma ou outra que cobria o rosto com o véu, mas no geral todas com seus belos rostos à mostra. Indo para os bairro mais ricos então, nem o véu se via. Longos cabelos negros e grossos brilhando sob o Sol. Adolescentes passeando sorridentes de jeans e salto alto. Mulheres indo trabalhar usando raybans ou óculos enormes à la Jackie O. Elas se vestem com decoro, isso é verdade. Mas vi uma garota toda estilosa andando com o namorado, com véu na cabeça, uma camiseta meio punk com o ombro caído, revelando a alça do soutien preto. Bem sexy! Muitas ainda usam os trajes tradicionais. É bem comum vê-las pelas ruas de kaftã, babuche e véu. São muito vaidosas. Sempre combinam lindamente o véu com o kaftã, ou a roupa que estiverem usando. Usam muita maquiagem nos olhos. Olhos pretos, com kilometros de delineador. Gostam de usar rosa. Em todas as idades. Das crianças às idosas. Todas adoram rosa. E combinações de dourado com marrom e verde. Muito brilho também. Andam pelas ruas sempre brilhando, mesmo embaixo do Sol. Mas o mais importante aqui é esse detalhe da frase acima "Andam pelas ruas". As mulheres marroquinas andam muito pelas ruas. Todas as horas do dia e da noite. Na medina de Marrakech elas disputam buzinadas em vespas e lambretas no meio do trânsito caótico. Trabalham, estudam. Pegam transportes públicos sozinhas. Embora os empregos nas souks ainda sejam de uma grande maioria masculina, você às vê atrás dos balcões de algumas lojas. Barganham também. Carregam os filhos para “obrigar” as turistas a fazerem tatuagens de henna na mão (foi mais ou menos assim que consegui a minha e perdi Dh30). Cozinham em restaurantes, servem mesas. E nos bancos e correios, são unanimidade. Todas as caixas são mulheres. Elas tingem os cabelos. Adoram o ruivo. E adoram Vichy. (Eu também!!!). Estampas do logotipo da Louis Vuitton em malas e babuches, e a estampa da Burbery em absolutamente tudo são praticamente uma febre. Elas amam! Muitas mudanças forma conquistadas dentro da legislação marroquina em favor das mulheres na última década. Antes, um marido que se cansasse da esposa simplesmente a abandonava. Ela (invariavelmente rejeitada pela própria família), não tinha outra opção além de acabar como pedinte na rua, sem direito de ver os próprios filhos. Hoje a legislação marroquina garante direito de propriedade sobre a casa da família, guarda dos filhos, pensão alimentícia. É bem enternecedor ver as mães com os filhos pelas ruas. Existe muito amor e muita manifestação de carinho. Existem marcas nos rostos das mais velhas que eu nem tento imaginar pelo que passaram, mas a nova geração transborda vida. Andam aos bandos pelas noites das medinas. Trocam olhares de paquera entre a fumaça e as barracas da Dejemaa el-Fna. Recusam pretendentes (Ah! Pobres garotos! Só mesmo no antigo regime eles tinham alguma chance!!!). Quando cruzam por mim sorriem solidárias. Me davam dicas de quanto pagar pelo taxi, e me tranquilizaram o coração nas situações em que eu não entendia a ordem do caos. Depois, quando nos despedíamos, um tanto de “mercis” e “shukrans” daqui e de lá. Sorrisos sinceros em ambos os lábios. E nos olhos delas eu via cumplicidade. Elas sabem que ainda não dispõe da liberdade que eu possuo, mas era como se me dissessem que iriam chegar lá.

UMA PORÇÃO DE FÉ

Quando uma pessoa resolve fazer uma longa viagem. Quando alguém resolve fazer uma jornada, mais ou menos, como eu estou fazendo. Essa pessoa não está em busca de férias. Tem dias que são incríveis, que a gente toma champagne, vê paisagens absurdas. Tem dias de fazer babar de inveja até aqueles que pagam para não sair de casa. Tem outros que simplesmente não fazem sentido. Não dá para acreditar que uma pessoa em sã consciência escolha deliberadamente passar por dias assim. E por isso não é férias. Porque existem esses dias em que dá vontade de chorar e chamar minha mãe. Eu sabia desses dias. Me preparei para eles, porque eu sabia que eles viriam. Quando alguém resolve fazer uma viagem assim, esse alguém precisa estar disposto a sair da zona de conforto, a colocar em risco as fronteiras de normalidade a qual está acostumado. Por isso que eu digo que não sou turista, sou viajante. Porque minha zona de conforto é colocada muito mais em risco, muitas mais vezes e por muito mais tempo. (Afinal, se eu quisesse permanecer na zona de conforto tinha contratado a CVC.) Então eu peguei um trem de Marrakech para Fès. Eu estava em dúvida entre Meknès e Fès. Mas se eu estou indo para Roma porque a palavra é AMOR ao contrário, resolvi ir para Fès, pela óbvia proximidade da palavra FÉ. E porque se formos pensar assim, é como uma porção de Fé, já que está no plural. Sete horas dentro de um trem, (onde descobri que minha licença temporária para o pacote office expirou e vou ter mesmo que dar um certo tanto do meu pobre dinheirinho para o nada pobre Bill Gates). Eu dormi a maior parte do tempo. Estava dormindo quando o trem chegou à Fès, e se não fosse pela bondade de dois nigerianos que estavam ao meu lado e me acordaram, sabe-se lá onde eu teria parado. A chegada na Gare de Fès então foi meio na loucura, meio acordando, meio carregando a mochila com a jaqueta quase arrastando no chão. Meio correndo junto com a multidão na plataforma. E bem certa de ter esquecido alguma coisa na cabine do trem. Nada importante como pude checar depois. Então uma loucura pegar um taxi. Pegar um taxi em Fès (em qualquer lugar e à qualquer hora) é como liquidação no setor do 37 da Shoestock. Nem preciso dizer mais nada! E depois de uns 20 minutos, sobrou um Uno caindo aos pedaços que fechou um preço (tenho certeza que fui roubada) que eu achei conveniente e entrei para ir até o hotel que eu tinha reservado. Então um outro homem entra junto no banco do acompanhante. E eu não entendo porque, e começo a discutir. O motorista tenta me explicar que ele está dando uma carona para o amigo dele, mas eu estou fragilizada e não gosto da idéia de ter dois homens em um taxi comigo. Depois de um blábláblá no meu Francês Tarzan (Me Tarzan, You Jane!), percebo que o cara que está indo junto tinha uma pinta de evangélico e que o motorista só estava tentando ganhar uma grana a mais com a viagem. Chegando no hotel que eu havia reservado, desço com a minha mochilona, mas não gosto nada do que vejo. O lugar fica em uma rua completamente deserta, meio afastado de tudo. Fora da medina (tudo bem que a loucura da medina é complicada, mas dá uma certa sensação de segurança ter um monte de gente pra tudo quanto é lado). Fiquei me imaginando voltando para o hotel sozinha naquela rua e não gostei nada do que senti. Como aprendi que a intuição é muito valiosa nessas situações e não vou arriscar minha segurança, virei as costas e resolvi procurar outro lugar para ficar enquanto ainda estava claro. Fui descendo pela rua, beirando a muralha da medina, procurando a entrada, quando dois meninos começam a puxar conversa. Deviam ter entre 6-8 anos. Começam a conversar e a sorrir e se oferecem para serem meus guias até uma riad. Ok, nada mal. Vou seguindo os garotos, paramos em duas riads. Uma não tinha vagas, a outra era muuuuito cara para o meu orçamento. E os garotos vão me levando pelas ruas da medina, e eu vou mostrando no mapa do Lonely Planet onde era a riad que eu estava procurando, que era central (e caso não tivesse vaga, era próxima de outras opções), mas às vezes eles pareciam tão perdidos quanto eu. Passamos por um grupo de moleques jogando bola, e como uma mochilona de 15Kg em uma branquela que não tem cara de marroquina não é algo que se passe sem notar, alguns dos moleques que estavam jogando bola começam a me rodear e se oferecer para me guiar. Esses eram mais velhos, tinham uns 14-15 anos. Então eu começo a ficar preocupada, porque eu tenho uma meia dúzia de moleques falando e me apontando direções e tentando me levar para sei lá que lado, e as ruelinhas são todas estreitas e sinistras e desertas, e cada um deles me diz que o lugar que eu procuro fica para uma direção oposta. Então eu resolvo andar. Andar sem dar muito ouvido para eles. E sem fazer contato visual. E quando eu cruzava com alguma mulher, eu parava e perguntava para ela o caminho. Os moleques iam me seguindo e falando, falando, falando. Daí juntam-se ao grupo uns marmanjões. De verdade. Uns caras grandões e mal-encarados. Que também ficam me seguindo e perguntando se eu preciso de guia, ou para onde eu quero ir. Eu só penso: "Ok! Vai ser agora! Vai ser agora que eu vou ser assaltada!". Eu continuo andando, sem olhar para nenhum deles. Sem seguir nenhuma das instruções deles. Perguntando para uma ou outra mulher que cruzo no caminho e procurando as ruas mais movimentadas da medina. Um dos marmanjos começa a me falar um monte de coisas em francês, que eu ignoro. Então ele diz "Eu sei que você me entende. Eu sei que você entende muito bem francês.", e eu continuo ignorando completamente. Tem uns 10 moleques atrás de mim. Todos eles dizem que conhecem uma riad, ou um hotel barato, e que eu tenho que segui-lo. Até que eu começo a ver mais lojas e mais movimento na rua. Começo a chegar na parte mais central da Medina e ficar mais aliviada. Vejo placas indicando a riad que eu procurava e passo a segui-las, enquanto os garotos pulam na minha frente. O marmanjão que estava me falando besteiras em francês começa a falar meio baixo atrás de mim "Bitch! Bitch!", e eu chego na porta da Riad quase implorando ajuda ao dono que estava na porta. Ele afasta os moleques atrás de mim e me diz que está lotado, mas pergunta qual era o meu orçamento. Então me leva para o vizinho dele, que também tem uma Riad, mas mais reservada, sem placa na porta nem nada. Eu sigo aquele senhor por um beco, ele toca a campainha, abrem uma porta gasta de madeira e eu entro. Só sinto a porta se fechando atrás de mim e o silêncio das vozes daqueles moleques insuportáveis. O dono da Riad é um homem robusto, barbudo e com muita bondade nos olhos. Sabe aqueles homens que exalam dignidade? Eu confiei nele imediatamente. Me mostrou o quarto. Um luxo! Com ar condicionado, cama de casal, TV, chuveiro quente e muito espaço. Eu joguei minha mochila no sofá e tive vontade de chorar. Ainda precisei de um tempo para recuperar o fôlego e depois, como gato assutado, sai pela medina para retirar dinheiro, comprar algo para comer e mandar alguns email. Não estava gostando. Não estava gostando nem um pouco. Jantei dois potes de Danette e o proprietário da Riad mandou me servirem um chá de hortelã. Eu agradeci. Muito.


No dia seguinte fiz o que toda pessoa deve fazer em Fès. Me perdi na Medina. É impossível não se perder. Andava, dava voltas, descobria, me redescobria. E comecei a entender que essa completa falta de segurança, completa falta de ordem, de lógica e de direção é exatamente o que é Fès. E quanto mais se resiste, pior. É como dar murros em ponta de faca. Fès é completamente diferente de Marrakech. Faz a outra cidade até parecer um parque temático. Fès é crua, de verdade. Não tem figurino, nem decoração. Repleta de cheiros, que te enlouquecem depois de um tempo. Animais, sons. Pessoas pelo chão. Zero de higiene. Quanto mais eu me perdia, mais perdida eu descobria que eu estava. Completa, irremediavelmente perdida. Vai ser muito difícil voltar daqui. Como é que se volta daqui? Alguém me explica? Um homem (com certeza um doente mental) passa por mim em uma rua e me puxa pela cabeça. Eu o empurro e falo "Ne touchê pas!", na mesma hora cerca de seis outros homens saem na rua para me proteger. Lojistas, pessoas que estavam no bar. Me perguntam o que houve e cercam o homem, o empurram na parede. Eu digo que ele havia tocado em mim, e todos me pedem desculpas pelo homem e abrem passagem para eu passar. "Já pode passar, senhorita. Pode ficar tranquila." Eu fui assaltada em São Paulo. No meio da Avenida do Estado às 18h. Havia um ponto de ônibus com umas 60 pessoas do lado. A bateria do meu carro arriou e dois garotos me abordaram e me espancaram. Nenhuma das 60 pessoas do ponto de ônibus moveram um mùsculo para me ajudar. Ficaram todas assistindo. Não veio uma única alma me ajudar. No final de semana fiquei doente. Cheguei na Riad e comecei a sentir meu corpo estranho. Passei a noite com diarréia e vomitando. Uma febre fraca também. Tomei um tylenol, esperei amanhecer e comprei frutas e coca-cola. Passei o dia comendo bananas, tomando coca-cola e atualizando o meu diário. Escrevi. Escrevi muito. Meditei. Fiquei trancada comigo mesma no quarto. Revi meus passos. Pensei. Deixei de pensar. Meditei. O dono da Riad vinha de tempos em tempos saber se eu havia melhorado, se eu precisava de alguma coisa. Me mandou sequilhos mornos e caseiros para eu comer. Eu expurguei. Fisicamente, tudo o que estou expurgando espiritualmente. Não fiquei com medo. Não fiquei preocupada. Eu não me sentia doente. Era como se meu corpo estivesse se manifetando, se purificando. Assim que tudo se foi. Assim que eu havia vomitado tudo. Zerei. Saúde de ferro. Não é algo que tenha lógica, eu sei. Dizem que no ritual do Santo Daime vomita-se muito. Nunca participei, não sei como é. Acho que vomitei meu ego. Foi-se na descarga de uma Riad. Hoje, indo embora, me arrastava com minha mochila. Não queria ir. Não queria deixar. Como se volta? Não sei dizer o que se passou. Eu sei que foi difícil sair de Fès, difícil deixar o que ficou de mim ali. Só consegui ir embora porque sei que estou carregando algo também. Não sei o que é (talvez seja fé !?), mas também não tenho como enxergar o que está na minha bagagem agora.

sábado, 15 de maio de 2010

O CÉU QUE ME PROTEGE


Fazer uma excursão para o deserto era minha única prioridade aqui em Marrocos. Não fazia questão nenhuma de visitar determinadas cidades, mas queria ir ao deserto. Um dos meus filmes favoritos é “O Céu que nos Protege” do Bernardo Bertolucci. Sempre que assisto (e já o assisti um bom par de vezes) me toca a alma em um lugar que, se não é o âmago, é bem próximo dele. Não preciso me perder pelo Saara e ser sequestrada por berberes como a Debra Winger, mas tem algo naquele filme, alguma melancolia, alguma imensidão, que me resgata uma nostalgia de algo que eu nem me lembro de ter vivido. Talvez eu tenha sido berbere em outra encarnação. Ou talvez seja como aquela linda, antológica cena. Ela e John Malkovich, à beira de um penhasco, incapazes de fazer amor. Onde só lhes restam um ao outro, e o céu. Imenso e absoluto, que os protegem. Eu queria ir atrás desse céu. E fui. Sem a atmosfera pós-guerra de Bertolucci, mas acordei às 5h da manhã para me juntar a um grupo e passar uma noite no deserto com uma tribo berbere. No meu grupo estávamos eu e Rocío (a argentina que estava na mesma riad que eu), dois casais de meia idade também argentinos, um jovem casal francês que nunca falavam (só cochichavam um com o outro) e Will, um jornalista australiano (tão lindo, que dava vontade de morder). Rocío acabou se juntando com os conterrâneos, e como o casal francês era praticamente mudo, eu e Will acabamos ficando meio deslocados e criamos uma ligação de cumplicidade. Dividíamos a garrafa de água, tirávamos fotos um do outro. Nada muito comunicado ou estabelecidos, apenas fazíamos companhia um ao outro. Aliás (tirando os argentinos que falavam o tempo todo, mas não se entedia nada), havia muito silêncio durante a viagem. E isso foi mesmo uma bênção. A viagem é bem longa. São quase dez horas em uma van, atravessando todo o Vale de Drâa. Um frio desgraçado nas montanhas. Paramos em Aït Benhaadou (que foi locação do filme “Gladiador” e hoje os berberes abrem suas casas-locações para visita na tentativa de ganhar alguns Dirhams com a glória de tantos Oscars). E só no final da tarde chegamos à Zagora, porta de entrada para a parte marroquina do deserto. (A maior parte do Saara fica na Argélia, mas eu não iria lá se fosse vocês. Existem muitos casos de sequestro por terroristas na região da fronteira, e nem os marroquinos se arriscam muito.). De Zagora foram mais duas horas de camelo até chegar no local onde estavam montadas as tendas e passaríamos a noite. Haviam três outros grupos como o nosso fazendo o mesmo roteiro, mas ficavam em tendas separadas. Um dos grupos cheio de brasileiros barulhentos (é pleonasmo, eu sei!), então de certa forma fiquei até feliz de ter caído no grupo dos argentinos. Chegamos com o Sol se pondo, lindo no horizonte. Um grupo de berberes homens, bem jovens, eram nossos anfitriões. As idades variavam entre 16 e 30 anos. Nos levaram até nossa tenda, que estava aquecida. Haviam vários tapetes no chão, colchões simples e finos para dormirmos e pilhas de cobertores. Hassan, era o responsável pela nossa tenda. Veio nos servir chá. Se apresentou, agradeceu nossa presença. Perguntou o nome de cada um, e fez os típicos comentários sobre cada país para mostrar que conhecia os lugares de onde vínhamos ( “Kanguru!!!!”, pobre Will!), nos desejou boas vindas calorosas e ficou sentado conosco falando banalidades. Depois se retiraram para preparar o jantar. Enquanto eu morria de fome e aguardava, fui andar por volta da barraca. Já havia anoitecido e o céu….. Ah! Ele estava lá. Ainda não inteiro, mas coalhado de estrelas. Estava embasbacada, quase com torcicolo, olhando para cima de boca aberta, quando percebo Will do meu lado fazendo a mesma coisa. “Ainda vai ficar melhor, quando anoitecer mais.” Ele comentou. Sim, a gente tinha um laço de cumplicidade ali. Serviram uma tahine de legumes e frango (muuuuuuuito gostosa, com os sabores derretendo), pão e chá. Um melão extremamente doce de sobremesa. Então acenderam uma fogueira no meio das dunas e juntaram os quatro grupos para uma sessão de conversa e música berbere. Hassan estava me contando que por toda Marrocos a população é berbere. Os árabes se concentram nas principais cidades como Marrakech, Agadir, Casablanca, Rabbat… mas todo o interior e os vilarejos é de população berbere. Um povo muito pobre, e eles sim vivem nas condições precárias que acostumamos ver em filmes. A sessão de música rapidamente se transformou no pior e mais desafinado cancioneiro brasileiro (Ah! Onde tem um brasileiro… Imagine seis!). Eu me encostei em uma duna ao lado de Will e ficamos olhando o céu que se tornava cada hora mais impressionante. Enquanto estrelas cadentes riscavam de tempos em tempos, os brasileiros tentavam ensinar para os berberes a versão de Gilberto Gil para “Woman Don´t Cry”. Do outro lado da fogueira o grupo de argentinos tentava contra-atacar em espanhol (mas na boa! Difícil bater a música brasileira na preferência popular!). Depois de um tempo as pessoas começaram a entrar para as tendas, para dormir. A areia tinha esfriado, eu começava a tremer, mas não queria deixar aquele céu de jeito nenhum. Muito menos para me enfiar em uma tenda com oito outras pessoas e dormir. Então Will vira para mim e diz que gostaria de dormir nas dunas, para poder ficar olhando as estrelas. Praticamente a fome e a vontade de comer. Conversamos com Hassan para saber se poderíamos pegar uns cobertores e colocar os colchões do lado de fora para dormir ao ar livre. “Vocês estão no deserto, podem fazer o que quiserem.”, foi a resposta. E eu fiquei muito grata pelo Will topar a roubada porque isso é uma coisa que eu não arriscaria fazer sozinha. Então deitamos perto da fogueira apagada. Com dois cobertores cada um. E ficamos os dois, de barriga para cima, olhando o céu. O céu supremo, absoluto. Céu que só o deserto tem. Com tantas estrelas cadentes que esgotei todos os meus pedidos, ainda pedi por todos que amo… e sobravam estrelas. Absoluto silêncio. Conforme ia avançando a madrugada o frio aumentava. Realmente aumentava. Graças a ele eu sabia que ainda tinha corpo, que ainda estava viva. Que não havia me desintegrado, me misturado àquela grandiosidade. O céu me sugou. Foi me tirando os pensamentos, as vergonhas, os medos. Foi me sugando as inseguranças, expectativas. O que sobrou tremendo de frio no meio do deserto era só eu. E silêncio. Fiquei tão grata de ter encontrado silêncio. Silêncio em mim. Na minha cabeça. Pela primeira vez em muito tempo se fez silêncio. No silêncio e em mim nua, entendi o que era verdadeiro. O que era essencial. Quando se livra de tudo que não somos nós, sobra muito ainda. Passamos a enxergar o tanto de peso extra ao qual nos agarramos para viajar. O céu nos provem. Nos protege. Nos oferece tudo. Sempre, o que pedimos. Nos oferece tudo. Um pouco inútil voltar para a Terra carregando tanta banalidade. Ficamos em silêncio por nem sei quanto tempo. Algumas horas talvez. Adormeci imóvel. Congelando embaixo das cobertas. Agradecendo incansavelmente fosse lá o que eu estivesse vivendo. Eu estava atravessando. Começando a pisar do outro lado da porta. No meio da noite fomos acordados por cachorros correndo e latindo a nossa volta. Eu estava embarcada no sonho, tinha até esquecido de onde estava. Um dos cachorros parou na nossa frente e ficou cerca de 20 minutos latindo para nós. Eu e Will demos risadas e continuamos em silêncio, olhando o céu e esperando o cachorro cansar para que pudéssemos voltar a dormir. Meu sonho de novo. Sonho repleto de águas turvas que ficavam claras e cristalinas. Pela primeira vez minhas águas ficam claras e cristalinas. Quando começou a amanhecer, meu corpo doía de frio. Um frio que chegava ao limite do suportável. Me encolhi em posição fetal, ainda mais enrolada nos cobertores grossos (mas ainda assim inúteis). Não sentia meus pés, os dedos. Sentia apenas uma dolorida pedra de gelo nas minhas extremidades. Então abri os olhos para enxergar uma das visões mais lindas da minha vida. Metade do céu estava azul escuro, com algumas estrelas inclusive. Como se a noite fosse se retirando de cena, arrastando um manto atrás de si. A outra metade estava azul claro. E o horizonte, um barrado cor-de-rosa soberbo, anunciando o Sol que chegaria em mais alguns minutos. Eu abri os olhos e vi aquilo. Aquele micro-momento em que uma coisa pode ser três. Mas pode ser uma. Ou pode ser nada. Mas quando eu abri os olhos, eu vi que uma coisa pode ser tudo. E estava acima de mim. Estava cuidando de mim. Estava também me protegendo. Atravessei.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

PARA LÁ DE MARRAKECH


Chegar em Marrakech é como abrir a porta de uma sauna a vapor. Não tanto pelo calor, mas por aquele bafo que te toma a cara e não te deixa enxergar um palmo na frente. Depois de um tempo você se acostuma e descobre que está em um lugar onde o cheiro, as cores, a textura e, principalmente, a respiração são diferentes. O transfer que eu havia bookado para me pegar no aeroporto e me levar para o hostel não estava lá, claro! Então eu passei em um câmbio para trocar meus míseros Euros por Dirhams e sai pela porta do aeroporto para pegar um táxi. Uns 15 motoristas de táxi me rodearam e começaram a fazer leilão pelo preço da corrida. Os táxis aqui não possuem taxímetro, então é bom negociar tudo antes de sentar no banco de trás. Os taxistas estavam tão empolgados brigando para ver quem ia fazer a corrida que nem perceberam quando eu segui um grupo de mochileiros até o ônibus e resolvi ir até a Medina por conta própria (gosto de imaginar que eles estão até agora lá, brigando entre si.). No ônibus comecei a puxar conversa com um inglês que estava carregando equipamento de windsurf e grudei nele quando chegamos à Dejemaa el-Fna, a praça central famosa pelas barracas de comida a céu aberto, encantadores de serpente e todo tipo de show de bizarrices do nosso imaginário ocidental. A Dejemaa el-Fna é uma babel. Embora os guias especializados escrevam que ela é fechada para o trânsito, alguém esqueceu de avisar os marroquinos disso porque sobreviver sem ser atropelado é quase como participar daqueles programas de gincana japoneses. Motos, mobiletes, vespas, scooters, bicicletas, carros, carroças, cavalos, burros. Tudo e todos vindo de todas as direções sem nenhuma organização aparente. E ninguém conhece freio também. Só buzinam e aceleram bem na sua direção. Na praça já fomos atacados por uns tipos se oferecendo para nos guiar até os hostels. Antes que eu me desse conta tinha me perdido do inglês e estava carregando minha mochilona por umas ruelinhas estreitas no meio dos souks atrás de um tipo bem sinistro que usava uma camisa do Real Madrid numero 9, do Ronaldo. Chegamos ao hotel que eu havia agendado, ele me extorquiu alguns dirhams, reclamou e foi embora. O hotel que estou é uma riad. Tipo de pousada simples, geralmente administrada por famílias e que são estabelecidas em antigas casas marroquinas. Possui uma arquitetura quadrada com alguns andares de quartos rodeando uma pracinha central, onde fica o salão de chá. Já na recepção encontrei com uma argentina que estava no meu voo de Sevilla. Agendamos juntas uma excursão para o deserto, eu subi para o meu quarto abafado e finalmente respirei. Pelo menos é um quarto e um banheiro só para mim (o que tem sido um luxo, quando não estou hospedada na casa de amigos!) pela bagatela de Dh120 a noite (algo menos do que €11 pela noite). Nas minhas primeiras andanças por Marrakech eu ainda estava um pouco apreensiva. Havia lido e conversado com várias pessoas sobre segurança, as questões de diferença cultural, e o que acarretava uma mulher viajar sozinha por um país mulçumano. E, adivinhe só!? Marrakech é muito mais tranquila do que todas as previsões. Claro que existe um assédio, e isso é o tempo todo e chega a ser insuportável. Tento prestar atenção em coisas que são muito comuns e habituais para nós brasileiros, como sorrir (principalmente quando dizemos “Não, Obrigada”) e fazer contato visual. Tenho essa coisa de olhar direto nos olhos, é instintivo até. Mas aqui quando você faz isso parece que os homens vão pular em cima de você (só parece, viu! Eles não pulam!) No geral me sinto em um desenho do Pica-Pau. Sabe aquele desenho em que o Pica-Pau está faminto, em uma cabana, morrendo de fome mesmo, e ele e o gato ficam olhando um para o outro e se imaginando uma grande e suculenta perna de presunto cozido? Pois bem! Andando pelas souks eu me sentia uma grande perna de presunto cozido ambulante. Quando você pergunta o preço de alguma coisa então, eles sempre te perguntam antes que língua você fala e de onde vem. Quando digo que sou do Brasil, automaticamente passo de perna de presunto para a Valéria Valença nua, com o corpo cheio de purpurina. No começo foi um pouco assutador. Mas depois, olhando com olhos mais tolerantes e generosos, comecei a perceber que eram como vários peões de obra. Sabe? Quando a gente passa em frente de uma obra e ouve aquele monte de observações desconcertantes dos peões? É a mesma coisa. Só que aqui você passeia no meio da obra. Virou uma coisa até turística. Eles gritam coisas como “Mil camelos, Um milhão de camelos.”, porque sabem que as ocidentais gostam de voltar para casa e dizerem que ofereceram camelos por elas no meio de Marrakech. Tomando os cuidados básicos (o mesmo que você toma quando vai comprar porcaria na 25 de Março), são totalmente inofensivos. Já o assédio comercial é um pouco mais agressivo. Todo mundo está o tempo todo te vendendo alguma coisa. Panos, roupas, comida, bugigangas, prataria (lindas aliás!), machetaria, temperos, luminárias, artigos de couro, iguanas, camaleões, tartarugas, macacos (te juro! Fico pensando quem é que compra um camaleão e manda despachar para casa!!!). Tudo! E dá vontade de comprar tudo. O tempo todo. Porque é lindo, e exótico, e tão hipnotizador. Então você pergunta o preço e se prepara para uma grande sessão de barganha. Minha técnica (depois de ter sido “roubada” algumas vezes) é, perguntar o preço, falar que está muito caro e ficar esperando a resposta deles. Eles sempre hiper-inflacionam a primeira oferta e jogam a bola de volta, perguntando quanto eu quero pagar. Daí eu falo um valor ultrajante do tipo: se algo custa Dh120, jogo para Dh10. Eles me olham incrédulos, eu viro as costas e saio andando, como se aquilo não fosse fazer diferença nenhuma na minha vida (e não vai mesmo). Quando você faz isso eles começam a gritar e te chamar de volta: “Madame, Madame, Dh100, Dh100. Dh80, Dh80”. Ok! Começamos a conversar. Daí eu volto, e digo que Dh80 ainda é muito caro. Ofereço Dh20. Eles batem em Dh80. Eu subo para Dh30. Eles baixam para Dh70, Dh60. Eu fico balançando a cabeça e falando “No, No, No. N´est pas d´argent!”. E depois de uma partida de quase 15 minutos, você já está até suando devido ao esforço físico, eu tiro da carteira duas notas de Dh20 e fecho em Dh40. Mesmo assim você sempre sai com a sensação de que foi roubada. Pode ter certeza! Você foi! Outra coisa curiosa foi descobrir como Marrocos é na verdade um grande destino turístico para famílias. Várias famílias com crianças, bebês. Muitas mulheres viajando sozinhas. Quando meus olhos começaram a se acostumar com o vapor, Marrakech se tornou uma cidade simpática e totalmente inofensiva. As pessoas sempre se preocupam em falar em uma língua que você entenda, sempre perguntam quanto tempo vai ficar em Marrocos, o que está achando. Gostam de falar alguma referência do país que você veio (conheci um australiano que disse que não aguentava mais ouvir os marroquinos gritarem “Kanguru!!!” toda vez que ele dizia de onde vinha). Então eles sorriem e dizem “Seja bem-vindo!”, na língua que for mais acessível à você. É bem enternecedor. Nas souks, onde centenas de pequenos lojistas se apinham um ao lado do outro disputando sua atenção à fórceps, comecei a enxergar pais de família, cidadãos de respeito que só estão tentando ganhar a vida. Uma jornada árdua, já que só fecham perto a meia noite, quando os turistas cansados se retiram para as várias riads escondidas ao redor da Medina. Cruzando os muros da cidade, ainda descobri uma Marrakech toda próspera. Marrakech de poucos. Grandes resorts, luxuosos condomínios. Ferraris e porshes pelas ruas. Mulheres andando sem o véu na cabeça, casas noturnas, anúncio de Coca-Cola e todo tipo de franquia multinacional (Sim! Tem McDonalds, KFC…). Nem todo país de Terceiro Mundo é a Praça da Sé. Nem todo país de Terceiro Mundo é a Vila Olímpia. Mas sempre será, inegavelmente, um país de Terceiro Mundo. E nesse sentido, estou mais perto de casa do que imaginava. Atravessei um espelho. É inverso. Mas é espelho.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

SAINDO DAS MONUMENTAIS PLAZAS DE TOROS

Em Madrid fui visitar a Monumental Plaza de Toros de Ventas. Um belíssimo prédio, para um esporte horroroso. Não entendo touradas. Não entendo barbárie com animais. Sempre torço para o touro (mas eu sempre torço para o Tom também, e em toda minha vida foi o Jerry quem ganhou). Mas eu fui até a Plaza de Toros de coração aberto, sem julgamentos. Aberta para entender a razão. Não assisti nenhuma tourada, mas fui no palco para ver se haviam manchas de sangue. O curioso é o seguinte: Todo o funcionamento das touradas é algo que não tem muita lógica. Assim como jogar na Mega-Sena. Quem joga sabe que não vai ganhar. Durante a visita guiada à Monumental Plaza de Toros de Ventas, meu guia (um madrileno orgulhoso e com um horrível sotaque em inglês) narrou muito animado cada etapa de uma tourada. A Monumental Plaza de Ventas é a maior plaza de toros de toda a Espanha e se orgulha de ser a mais importante. Em uma tourada o público tem papel central na decisão do bom desempenho de um toureiro. O toureiro possui 20 minutos para cansar o touro (que é atirado à plaza enfurecido, com os testículos amarrados e perseguido por “picadores” em cavalos, homens que vão enfiando lanças em seu lombo, fazendo o touro sangrar e ajudando no processo de derrota covarde e cruel pelo toureiro). Ao final desse tempo o público, munido de lenços brancos que são agitados no ar, decide se o toureiro foi um bom ou mal toureiro. Então o presidente da Plaza emite o julgamento oficial, permitindo que o toureiro mate o touro. Conforme o desempenho do toureiro, lhe é permitido levar uma ou duas orelhas do touro como troféu pelo seu feito. No caso de um toureiro excepcional, é permitido que ele leve as duas orelhas e o rabo como troféu (e isso só aconteceu uma única vez em todos os 80 anos da Plaza de Ventas). Os toureiros que conseguem a glória de serem premiados com duas orelhas do touro (e estou falando orelhas, orelhas de verdade. Feita de pele, cartilagem, pêlos e sangue.), esses são considerados os melhores toureiros da história. Eles serão carregados nos ombros da multidão, e sairão com pompa e circunstância pela porta principal da plaza, que só é usada nessas raras situações. Ao lado dessa porta há um mural de azulejos com o nome de todos os toureiros que saíram por aquela porta carregados nos ombros. Não eram muitos, para tanta história de barbárie. A minha surpresa veio depois, quando perguntei se todos os touros eram mortos inevitavelmente. E ele me respondeu que não. Que o toureiro podia pedir pela clemência do touro ao público, e o público aprovando, aquele touro seria levado para uma pacata vida no campo, curtindo a aposentadoria como reprodutor. Naquele momento eu fiquei mais aliviada. Imaginar que havia certa justiça e compensação mesmo nas coisas mais bizarras. Todavia, como minha intuição nunca falha (e eu ainda acredito no amor, mas acredito também no gigante potencial de medo e crueldade do ser humano), perguntei quantos touros já haviam sido poupados de uma morte sangrenta na areia. E a resposta, em oitenta anos, um! Apenas um touro foi abençoado com a clemência por ser bravo, e pode desfrutar da vida idílica que eu imagino que todos os touros deveriam desfrutar por natureza. Então eu fiquei olhando para minha volta. Para os milhares de assentos vazios que guardavam vaias surdas de uma multidão enlouquecida. Fiquei olhando para as paredes, as marcas de chifres nas madeiras. As manchas de sangue seco e apodrecido da última temporada. Manchas essas não humanas, com certeza. E cheguei a conclusão de que, não faz sentido. A matemática não bate. Não importa o quão forte, bravo, poderoso um touro seja. Ele nunca terá chances. Ele sempre terminará sangrando na areia. Aqueles que bufam, correm, chifram, lutam. Os touros que se jogam na arena. Esses terão por certas suas mortes. Estão fadados a serem picados, cansados, humilhados e assassinados. Até que enfraqueçam, cambaleiem. Que uma espada seja trespassada encerrando sua monumental luta por nada. Pensando assim, não é nossa vida uma Monumental Plaza de Toros? Eu vejo touros todos os dias. Correndo, chifando, dando coices no ar. O carro esporte, a promoção na multinacional, a capa da revista, a notinha na coluna social, a busca por fama, a vaidade exacerbada, a bolsa louis vuitton, as roupas de marca, o relógio de ouro e titânio, a casa, o terno, o padrão, a ostentação. Somos todos um bando de touros, os mais bravos acabam sangrando na areia. Não tem clemência. O público é muito exigente, muito cruel. Nunca vai acenar com lenços brancos em seu socorro. Não me parece inteligente. Tentar ser um touro bravo. Eu sai do Brasil porque não gosto desse tipo de barbárie. Eu deixei minha carreira de atriz por causa disso. Não vou ficar dando chifradas no ar. Também não vou entrar em jogos em que sei que sairei picada e com as orelhas cortadas para o troféu de alguém. Talvez tenha algo muito errado comigo, mas eu acho “touradas” sem sentido. Eu me retiro da Monumental Plaza de Toros. Deixo o esporte para aqueles que acham graça. Estou agora a caminho de Marrocos. Devo pousar em Marrakech em uma hora. Talvez algumas feridas em mim não estejam muito cicatrizadas. Talvez eu precise me isolar até parar de ouvir as vozes das multidões nas arquibancadas. Foi incrível conhecer tanta gente até agora, tantas experiências e emoções. Foi muito bom ter estado com as pessoas com quem eu estive, e tentar me apaixonar total e irremediavelmente. Mas agora eu preciso de silêncio, e de ficar sozinha. Preciso muito ficar sozinha. E organizar mais minha literatura, que é a única coisa que me mantém inteira. Sempre sonhei em conhecer o Marrocos. Estou quase pousando em Marrakech. Muito longe de casa. Muito longe. Graças a Deus, eu estou muito longe de onde eu estava.

domingo, 9 de maio de 2010

SAFETY

Eu tenho procurado me preservar muito. Muito mais emocionalmente, do que de qualquer outra forma.Eu acredito no amor. Falo disso aqui o tempo todo. Acredito no amor como uma força linda, potente, revolucionária e protetora. Acredito que existem algumas coisas que simplesmente não podem acontecer. Pelo simples motivo de que eu não concebo. A gente sempre tem a sensação de que algumas coisas nunca vão acontecer com a gente. E hoje eu estou aqui, fazendo muita força para acreditar que esse tipo de coisa não acontece. Não comigo...

sexta-feira, 7 de maio de 2010

IN THE EDGE

Se eu disser que estou confusa, talvez seja pouco. Mas estou bem, estou plena e muito feliz. Sem que eu tivesse feito nenhum planejamento especial, essa primeira parte da minha jornada foi um mergulho no escuro do meu passado. Nas coisas que ainda estavam nas sombras. Acabei encontrando pessoas que me espelharam cada lugar pelo qual eu passei até chegar no ponto que estou hoje. Parece que alguém lá em cima é muito melhor roteirista do que eu. Agora que estou solta. Estou completamente sem pendências. Desci para o Sul da Espanha para, enfim, encontrar a Espanha que sempre povoou meu imaginário. Ruas labirínticas, vozes fortes de flamenco perdidas no meio da madrugada. Um gosto forte de vinho e rabada. O espanhol começa a se desvendar como língua, tenho me arriscado em conversas. Fui encantada por Sevilla. E surpreendida. Completamente desprevinida.  O que inquieta meu coração agora (ou talvez não inquiete, mas maravilhe) foi a surpresa de conhecer alguém com tanto em comum. Me fez pensar que alguém estava lendo meus sentimentos mais profundos e secretos. (Dá uma sensação de nudez, eu confesso.) Isso foi um susto. Não estava preparada. Difícil está sendo não me apavorar. Alguém já viu aquele filme "Antes do Amanhecer"? Foi igualzinho. Mas pelas ruas de Sevilla. Com a diferença de que, em vez de nos despedirmos na estação de trem, ele mudou os planos e me seguiu até Granada. E está agora ao meu lado, enquanto eu estou colocando esse post-sinal-de-fumaça, só para lembrar que ainda existo. Granada é a terra do meu bisavô. Ainda não assimilei nada desse calderão de surpresas, resgates e raízes. No horizonte somos maravilhados pelas superficie sempre branca de Sierra Nievada, e nos perdemos horas pelos jardins de Alhambra. Eu que me achava uma grande encrenca, começo a pensar em me dar um desconto. Pensando se pulo, me jogo, ou saio correndo. Mas como boa procrastinadora, vou deixar esse tipo de escolha para depois. Quando enfim nos despedirmos na estação.