segunda-feira, 10 de maio de 2010

SAINDO DAS MONUMENTAIS PLAZAS DE TOROS

Em Madrid fui visitar a Monumental Plaza de Toros de Ventas. Um belíssimo prédio, para um esporte horroroso. Não entendo touradas. Não entendo barbárie com animais. Sempre torço para o touro (mas eu sempre torço para o Tom também, e em toda minha vida foi o Jerry quem ganhou). Mas eu fui até a Plaza de Toros de coração aberto, sem julgamentos. Aberta para entender a razão. Não assisti nenhuma tourada, mas fui no palco para ver se haviam manchas de sangue. O curioso é o seguinte: Todo o funcionamento das touradas é algo que não tem muita lógica. Assim como jogar na Mega-Sena. Quem joga sabe que não vai ganhar. Durante a visita guiada à Monumental Plaza de Toros de Ventas, meu guia (um madrileno orgulhoso e com um horrível sotaque em inglês) narrou muito animado cada etapa de uma tourada. A Monumental Plaza de Ventas é a maior plaza de toros de toda a Espanha e se orgulha de ser a mais importante. Em uma tourada o público tem papel central na decisão do bom desempenho de um toureiro. O toureiro possui 20 minutos para cansar o touro (que é atirado à plaza enfurecido, com os testículos amarrados e perseguido por “picadores” em cavalos, homens que vão enfiando lanças em seu lombo, fazendo o touro sangrar e ajudando no processo de derrota covarde e cruel pelo toureiro). Ao final desse tempo o público, munido de lenços brancos que são agitados no ar, decide se o toureiro foi um bom ou mal toureiro. Então o presidente da Plaza emite o julgamento oficial, permitindo que o toureiro mate o touro. Conforme o desempenho do toureiro, lhe é permitido levar uma ou duas orelhas do touro como troféu pelo seu feito. No caso de um toureiro excepcional, é permitido que ele leve as duas orelhas e o rabo como troféu (e isso só aconteceu uma única vez em todos os 80 anos da Plaza de Ventas). Os toureiros que conseguem a glória de serem premiados com duas orelhas do touro (e estou falando orelhas, orelhas de verdade. Feita de pele, cartilagem, pêlos e sangue.), esses são considerados os melhores toureiros da história. Eles serão carregados nos ombros da multidão, e sairão com pompa e circunstância pela porta principal da plaza, que só é usada nessas raras situações. Ao lado dessa porta há um mural de azulejos com o nome de todos os toureiros que saíram por aquela porta carregados nos ombros. Não eram muitos, para tanta história de barbárie. A minha surpresa veio depois, quando perguntei se todos os touros eram mortos inevitavelmente. E ele me respondeu que não. Que o toureiro podia pedir pela clemência do touro ao público, e o público aprovando, aquele touro seria levado para uma pacata vida no campo, curtindo a aposentadoria como reprodutor. Naquele momento eu fiquei mais aliviada. Imaginar que havia certa justiça e compensação mesmo nas coisas mais bizarras. Todavia, como minha intuição nunca falha (e eu ainda acredito no amor, mas acredito também no gigante potencial de medo e crueldade do ser humano), perguntei quantos touros já haviam sido poupados de uma morte sangrenta na areia. E a resposta, em oitenta anos, um! Apenas um touro foi abençoado com a clemência por ser bravo, e pode desfrutar da vida idílica que eu imagino que todos os touros deveriam desfrutar por natureza. Então eu fiquei olhando para minha volta. Para os milhares de assentos vazios que guardavam vaias surdas de uma multidão enlouquecida. Fiquei olhando para as paredes, as marcas de chifres nas madeiras. As manchas de sangue seco e apodrecido da última temporada. Manchas essas não humanas, com certeza. E cheguei a conclusão de que, não faz sentido. A matemática não bate. Não importa o quão forte, bravo, poderoso um touro seja. Ele nunca terá chances. Ele sempre terminará sangrando na areia. Aqueles que bufam, correm, chifram, lutam. Os touros que se jogam na arena. Esses terão por certas suas mortes. Estão fadados a serem picados, cansados, humilhados e assassinados. Até que enfraqueçam, cambaleiem. Que uma espada seja trespassada encerrando sua monumental luta por nada. Pensando assim, não é nossa vida uma Monumental Plaza de Toros? Eu vejo touros todos os dias. Correndo, chifando, dando coices no ar. O carro esporte, a promoção na multinacional, a capa da revista, a notinha na coluna social, a busca por fama, a vaidade exacerbada, a bolsa louis vuitton, as roupas de marca, o relógio de ouro e titânio, a casa, o terno, o padrão, a ostentação. Somos todos um bando de touros, os mais bravos acabam sangrando na areia. Não tem clemência. O público é muito exigente, muito cruel. Nunca vai acenar com lenços brancos em seu socorro. Não me parece inteligente. Tentar ser um touro bravo. Eu sai do Brasil porque não gosto desse tipo de barbárie. Eu deixei minha carreira de atriz por causa disso. Não vou ficar dando chifradas no ar. Também não vou entrar em jogos em que sei que sairei picada e com as orelhas cortadas para o troféu de alguém. Talvez tenha algo muito errado comigo, mas eu acho “touradas” sem sentido. Eu me retiro da Monumental Plaza de Toros. Deixo o esporte para aqueles que acham graça. Estou agora a caminho de Marrocos. Devo pousar em Marrakech em uma hora. Talvez algumas feridas em mim não estejam muito cicatrizadas. Talvez eu precise me isolar até parar de ouvir as vozes das multidões nas arquibancadas. Foi incrível conhecer tanta gente até agora, tantas experiências e emoções. Foi muito bom ter estado com as pessoas com quem eu estive, e tentar me apaixonar total e irremediavelmente. Mas agora eu preciso de silêncio, e de ficar sozinha. Preciso muito ficar sozinha. E organizar mais minha literatura, que é a única coisa que me mantém inteira. Sempre sonhei em conhecer o Marrocos. Estou quase pousando em Marrakech. Muito longe de casa. Muito longe. Graças a Deus, eu estou muito longe de onde eu estava.

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