terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Tranquei o MBA até que eu coloque ordem na minha bagunça pessoal. Mas tive de ir para a GV ontem e hoje para finalizar uma matéria do ano passado. Não acho o MBA da GV a coisa mais incrível do mundo não. Pode até soar arrogante, mas achei minha pós em Marketing da FAAP muito mais interessante do que o MBA. Mas isso pode ser frescura minha. A única coisa que eu não engulo de jeito nenhum é o coffee break da GV. Ontem tinha micro-pizza de queijo. Ok. E mini-baguette gordurosa com calabresa. Geralmente as opções são todas com carne. Embora a micro-pizza possa ser um alimento vegetariano, não podemos dizer que seja uma opção saudável de lanche. E isso eu acho de uma falta inadmissível para uma instituição como a GV. Como é que, nos dias de hoje, uma empresa que se considere referência não ofereça opções vegetarianas em seus eventos e momentos de convivência. Como é que uma empresa como a GV tenha no seu cardápio apenas opções para deixar seus executivos cada dia mais obesos e com as artérias entupidas? Como é que uma empresa dessas abuse de copos e suportes descartáveis, produzindo lixo desnecessário e totalmente não sustentáveis? Então, como forma pacífica de protesto, eu escrevo em todos os formulários de avaliação de disciplina: “Acredito que a qualidade do coffee break destoe do padrão de qualidade dos serviços oferecidos pela GV e apreciaria se pudessem considerar a inclusão de alimentos mais saudáveis e opções vegetarianas ao cardápio.” É mais ou menos isso. Às vezes estou mais raivosa, outras mais política. Mas todas vezes estou adorando me posicionar sobre algo que acredito. Eu fui vegetariana por 5 anos. Durante 1 ano desses 5 eu não dizia que era vegetariana. Dizia que não comia carne. Eram coisas diferentes. Nunca fui militante tampouco. Passei 5 anos (talvez alguns meses mais) sem colocar nenhum bichinho no estômago. E depois disso passei por períodos de vegetarianismo que iam e viam, simplesmente porque a ausência de proteína animal me fazia sentir muito mais conectada com o astral. Quando eu voltei da Guatemala flertei com o vegetarianismo novamente. Passei um mês e meio em desintoxicação, tentando encontrar meu rumo de volta ao Brasil. Então me mudei, voltei a cozinhar na minha própria casa, e não demorei muito para descobrir que eu não sabia e nem tinha vontade de aprender a cozinhar carne. Tive algumas tentativas que me deixavam com nojo da tábua de corte e das louças para serem lavadas. Até que resolvi que não teria mais carne em casa e somente comeria carne quando comesse fora. Não demorou muito até que comecei a ler alguns artigos bastante perturbadores sobre a indústria de carne, frangos, peixes e porcos. E como é irremediavelmente insustentável ingerir esses alimentos. É como acordar depois de um longo sonho. Por mais que você tente, não consegue voltar a dormir. Não se pode continuar a comer carne sabendo o que eu sei sobre a produção de carne. E eu nem sei tanta coisa assim. É só que , o que eu sei, é suficiente para nunca mais colocar um pedaço de animal da boca para em alimentar. Também, mastigar, engolir e digerir um animal assassinado não é o tipo de energia que eu tenho procurado para mim. Tem sido minha temática constante nos últimos meses, a não-violência. Como praticar a não-violência precisando que animais sejam assassinados para que eu me alimente. Antes fosse simplesmente pela alimentação em si. Na maioria das vezes as pessoas continuam financiando essa indústria cruel pelo simples prazer do sabor efêmero de uma garfada. Em 99% das vezes “É gostoso!” é o argumento usado pelas pessoas carnívoras que eu conheço. Não quero ser uma militante. Acho chato gente assim. Mas acredito que quando a gente descobre algo muito legal e muito verdadeiro (algumas vezes descobrimos inclusive algumas facetas revoltantes) a gente tem vontade de compartilhar com as pessoas que a gente gosta. Do mesmo jeito, sem ser agitadora de nenhuma forma, acredito que seja sinal de caráter não se omitir perante uma injustiça, perante um absurdo, perante algo quando você carrega informação de ser cruel, perigoso, insustentável, mesquinho. E só por isso eu vou exigir que empresas que me prestam serviços tenham atitudes de responsabilidade ambiental. Porque foi-se o tempo em que o hedonismo vigorante nos nossos padrões de vida funcionassem como argumentos suficientes para sustentar estilos de vida que gerem violência, agridam o meio-ambiente e inviabilizem a sustentabilidade futura da vida na Terra.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

EM UM RELACIONAMENTO SÉRIO


Amor é o meu tema favorito. Em todas suas formas e variantes. Falo, persigo, busco. Tanto que cruzei, literalmente, um oceano inteiro em busca dele. Houve momentos que o senti tão perto, como se roçasse meu nariz e me fizesse espirar. Mas também há os períodos negros em que tudo é árido de sentimentos. Hoje eu estava trabalhando, lendo um artigo ótimo sobre amor e me toquei que, às vezes, não é questão de encontrar o amor, mas de encontrar nós mesmos. Então eu parei por um segundo e admiti que ainda há muito em mim que não me pertence. Há muito em mim que é vício, é trauma, é medo. E é impossível cultivar amor em solo pouco fértil. Ele vai sempre roçar meu nariz se eu não permitir me desnudar verdadeiramente em vez de fingir que vivo experiências que não são reais. Os últimos meses foram talvez os meses de maior disponibilidade de autoconhecimento que já tive na vida. A dolorosa constatação da minha imperfeição. O sentimento de traição daqueles em que eu mais depositava afeto e amizade. Enfim me encontrei desarmada. Face a face a minha verdadeira realidade. Sem auto-piedade. Sem comiseração. Somente a pessoa real que eu sou, e que não é perfeita, e nunca vai alcançar meus delírios de perfeição. Eu não tenho amigos de verdade. Eu não confio mais no meu terapeuta. Eu não tenho uma família que eu possa deixar que se aproxime. Eu não tenho uma profissão. No final, essas eram as únicas certezas que me sobraram na virada do ano. Essas e a certeza de que eu estou sozinha, nasci sozinha e vou morrer sozinha. Acho inclusive que aceitar esse fato imutável pode ser bastante libertador para qualquer pessoa. Você está sozinho! Então caem todas as obrigações inconscientes de ser perfeita, de agradar quem me rodeia, de ser amada... Ser amada. Eu que busquei tanto o amor, nunca me senti amada. E me vendo sozinha, do jeito que eu tinha nascido, percebi enfim que a única pessoa que poderia me amar era eu mesma. Mas não da boca para fora. Falo de perceber de verdade. Não de discurso de auto-ajuda: “O importante é se amar!”, “ninguém vai te amar se você não se amar”. Isso é besteira. É abstrato. Eu só serei amada pela única pessoa que faz parte do meu universo, e não acho que eu seja capaz de explicar isso aqui. Então eu tomei a decisão mais séria da minha vida. Resolvi virar a namorada de mim mesma. Pular de cabeça, como eu fiz com todas as outras pessoas que passaram na minha vida, no único relacionamento que eu deveria ter me dedicado desde o princípio. Antes de pensar em ter qualquer outro relacionamento. Antes de me decepcionar por desprezarem o que posso dar como amizade. Iniciei um relacionamento sério comigo mesma. Fui até o Facebook, mudei meu status de relacionamento. Tentei colocar “em um relacionamento sério com Adriana R.”, mas o Facebook não permitiu. Apareceu uma mensagem de erro dizendo: “você não pode ter um relacionamento sério com você mesmo”. Acho que deve ser assim mesmo, né? Em um universo em que eu tenho 824 amigos, não se pode mesmo amar a única pessoa que eu deveria.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

ASTROMELIAS

Comprei um buquê de flores para colocar no vaso em cima da mesa da sala. Um buquê de astromelias roxas que alegraram o ambiente por um par de dias. No final de semana começaram a despetalar. Engraçado que elas não murcharam, não perderam a cor. Simplesmente se despetalam aos poucos quando eu não estou olhando. Cada vez que passo por elas, recolho um tanto de pétalas mortas caídas sobre a mesa e jogo no lixinho da pia. Elas ainda parecem com um buquê, mas eu sei que os dias estão contados. Que em pouco tempo todas as pétalas ter-se-ão ido, e o que sobrará será um punhado de caules embolorados em uma água turva. Fico pensando em qual foi o exato momento que o buquê deixou de ter vida. O instante em que esse processo todo se iniciou. Aquele limite sem volta em que o vivo e vistoso condenou-se irreversivelmente ao destino árido de um vaso morto. E cheguei a conclusão que eu mesma não notei quando minha primeira pétala caiu sobre o tampo de madeira. Nesse final de semana me despetalei. Sem dor nenhuma. Como quando uma rajada de vento joga ao chão as pétalas soltas de astromelia da alma. Elas já estavam soltas, só precisavam de algo que as desprendessem. Seja o vento, seja a gravidade. Pétalas soltas caem. Agarrar-se à ilusão de que ainda são flores não vai fazer delas um buquê. Perdi a confiança em todo mundo que conheço. Não é um exagero. Perdi a confiança na minha família, nos meus amigos. Naqueles que eu tinha certeza que eram amigos. Amei tanto a beleza de um vaso florido, que nem percebi que ele não é mais vaso, não é mais flor. Ainda amo, embora não saiba o que eu ame. Não sei se amo a idéia de astromelias, ou se sou capaz de amar o lixo orgânico que elas se tornam. Confiança é uma pétala. Quando ela se desprende, nunca mais será flor novamente. É possível amar sem confiar?

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

EU TE PEGO!

Eu nunca acompanho essas sensações instantâneas e efêmeras (do pior) da música POP. Não ouço, não sei quem são. Mas dessa vez eu não consegui resistir e me entreguei à Michel Teló!

domingo, 8 de janeiro de 2012

QUATRO DIAS E NENHUMA MOSCA MORTA


El Chaltén é uma gracinha de cidade. Mesmo. Pequena, charmosa. Às margens de um rio glacial azul turvo e emoldurada pelo Cerro Torres e o Fitz Roy nevado. Lindo, pontiagudo. Apontando para o céu. É fascinante a visão dessas montanhas imponentes. A mesma sensação que tive em Zermatt em 2010, quando vi o Motterhorn e resolvi gostar da cidade de imediato. Internet foi um problema em El Chaltén, o que acabou virando uma boa coisa. Eu queria mesmo desconectar por um tempo e estava impossível. Mais pelo vício da pessoa que a impede de simplesmente desligar e guardar todos os gadgets. Aproveitando a desconexão forçada, me joguei em um trekking de 4 dias nas trilhas em torno do Fitz Roy. Isso significou 4 dias de contato direto com a natureza, paisagens de tirar o fôlego, silêncio, meditação e contemplação. Mas também significou 4 dias de camping no meio do mato, com insetos, água estranha, xixi em arbustos, banho zero e muito carregamento de peso. Pois é! Ninguém chega ao castelo sem atravessar o fosso antes. Foi a primeira vez que eu acampei sozinha. Sozinha de tudo. Carregando mochila, montando barraca, cozinhando miojo. Se foi loucura eu não sei dizer. Só sei que foi uma experiência incrível e eu começo a entender porque pessoas como minha irmãzinha Carol gostam tanto de acampar. Primeiro houve todo o tempo de preparação. Você precisa pensar em todos os detalhes do que vai ou pode precisa no camping, porque depois não tem como correr na padaria da esquina ou na farmácia na última hora. Uma grande vantagem é que toda a água do parque é muito fresca e potável. O que me livrou de carregar litros na bagagem e racionar o consumo para escovar os dentes e lavar pratos. Aproveitei para comprar alguns queijos e vinho e me mimar um pouco ao pôr do Sol (que aqui é às 22h30) com pequenos prazeres na natureza. Kerri (uma americana que conheci junto com Tanja em Torres Del Paine e acabamos nos encontrando e fazendo várias coisas juntas em Chaltén) disse que eu faço “camping deluxe”. Bom, acho que se é para fazer, faça com estilo! E isso vale para tudo na vida. O único problema é que em uma situação como essa, estilo tem um preço. E não estou falando de algo que se resolva com um cartão de crédito. Ao final de toda a arrumação da mochila (com toneladas de Baby Wipes para uma alternativa de banho, vinho, queijos, pães, molho para o macarrão, café de coador, legumes para salada e geléia para o café da manhã) minha mochila de “camping deluxe” estava com cerca de 17Kg. Você pode até pensar que 17Kg é algo absolutamente administrável. Meu sobrinho pesa 17Kg e vivo brincando com ele no colo. Acontece que carregar uma criança de 17Kg por 5 minutos é moleza. Depois de 30 minutos os braços já sentem. Agora experimente carregar uma criança de 17Kg por 4 horas durante um percurso de 9,5Km de terreno acidentado e íngreme. Gostoso! Agora deve mesmo estar parecendo loucura, mas juro que existe uma satisfação de se descobrir capaz, de vencer cada trecho da trilha, de chegar até seu objetivo, e essa é o tipo de satisfação que molda nosso caráter. Foi um sacrifício, mas juro que em nenhum momento eu me violentei. Em nenhum momento cheguei a um ponto de achar que não podia mais, de chorar, de pensar em desistir. A primeira hora de trilha foi difícil. Era o trecho mais íngreme e cada passo me obrigava a usar uma pedra alta como degrau. Dava para sentir cada músculo da minha perna sendo exigido. O trajeto na verdade era estimado para ser feito em 3h30, mas como eu sabia que estava com sobrepeso, calculei que demoraria 30 minutos a mais. Quando cansava, parava e tirava a mochila por uns minutos. Bebia água, tirava algumas fotos, comia uma barrinha de cereal, e depois continuava. As duas últimas horas foram muito agradáveis. O terreno era mais estabilizado e as paisagens tão bucólicas e cinematográficas. Acabei pegando um ritmo e fazendo uma caminhada bastante prazerosa. Acampei por dois dias no Camping Poicenot, que não tem estrutura nenhuma. Nada mais é do que uma área embaixo de árvores reservada pela administração do parque para que os trekkers acampem com segurança. Estava bem cheio. Com o incidente em Paine, todos os trekkers da Patagônia vieram para Chaltén. Com o acampamento montado pude fazer trilhas em volta durante o dia carregando apenas minha mochila de ataque. No geral as trilhas eram de nível moderado. A da Laguna de los Três era a mais exigente, mas nada que não se resolvesse em 1h30-2h de esforço mais árduo. Em compensação a recompensa era uma deslumbrante visão de uma lagoa azul turquesa no alto da montanha, aos pés do Fitz Roy e cercada por dois glaciares, um de cada lado. Nesse dia acordei às 5h para tirar fotos do Sol nascendo. A desconcertante visão da luz laranja surgindo no horizonte e tingindo de fogo as torres e as montanhas, prometendo um dia espetacular. Depois voltei para o acampamento, tomei meu café da manhã deluxe, com pão, queijo, geléia, café passadinho na hora, cereal com leite e suco de laranja. Dá para comer de tudo porque você vai ficar horas queimando até o último grama de caloria nas trilhas. Às 7h30 me joguei na trilha para a Laguna (é toda subida em 70o e de pedras, o que é sempre traiçoeiro porque você escorrega, as pedras rolam e você nunca sabe onde firmar o pé direito). O bom foi que no horário em que eu saí a maioria do camping ainda estava acordando. Cheguei à Lagoa sozinha, sem uma viva alma lá em cima. Sentei em uma pedra bem no centro e meditei por meia hora. Fortíssima a energia de abrir seus chacras em meio a um paraíso como aquele. Depois fiquei mais um tempo contemplando o som do vento no vale, e quando eu descia de volta para o acampamento, as pessoas subiam em peso. Comecei a entender o ditado “Deus ajuda quem cedo madruga”. A única coisa de matar em todas as trilhas e experiências no Parque eram as moscas mutantes que nos atacavam. Juro! Moscas mutantes! Eram umas moscas gigantescas, do tamanho de uma varejeira, mas elas zumbiam como abelhas. Você ali, se matando na trilha e as bichinhas rondando sua cabeça e te enlouquecendo com o zum-zum. Pior de tudo! Elas picavam! Nunca vi mosca picar. Aquelas davam umas mordidinhas doídas se você descuidasse e as deixasse pousarem na sua roupa (Sim! Picavam ATRAVÉS da roupa!!!) De enlouquecer. Às vezes eu era atacada por umas 15 ao mesmo tempo. Era uma coisa completamente sem propósito. De repente todas elas resolviam que seria legal ficar zumbindo em volta da sua cabeça e Bum! Todas juntas a sua volta por uns 10 minutos. Então elas cansavam, e todas desapareciam. Assim. Sem nenhuma explicação plausível. Minha vontade era sair correndo pelo camping gritando e chacoalhando os braços no ar, como um boneco inflável de posto. E vai achando que repelente funcionava? Nada! Destemidas, as danadas. Passar repelente ou Chanel no.5 dava tudo na mesma. Eu tinha delírios de comprar um pote gigante de Baygon e sair pelas trilhas pulverizando e rindo maquiavelicamente. Mas então comecei a pensar no conceito de não-violência. Muito fácil a gente pensar em conceitos de não-violência quando falamos das crianças na África, ou de Yorkshires fofinhos. Todo mundo é contra matar coelhinhos, chinchilas, minks para fazer casaco de pele. Mas quando falamos de uma mosca mutante nojenta e irritante parece a coisa mais natural do mundo borrifar com veneno ou estabacar seus corpos contra as pedras, até que elas agonizem e morram. Fiquei pensando muito nisso enquanto era levada à loucura por elas. E cheguei à conclusão que toda vida é um milagre (mesmo eu tendo certeza que aquelas moscas não são obra divina e foram manipuladas genéticamente em laboratório). E matar uma mosca mutante é tão violento quanto aquelas imagens de caçadores enfiando machadinhas nas cabeças das focas na Antártida. Então eu tenho muito orgulho em dizer que nenhuma mosca foi morta durante a execução das minhas trilhas pelo Fitz Roy! :-)


No terceiro dia mudei minhas coisas para o Camping Di Agostini que era na parte mais baixa do Parque. Mais 4 horas de trilha com mochila pesada nas costas. Dessa vez um pouco mais leve já que eu havia consumido dois dias do meu cardápio de camping deluxo em Poicenot. Essa trilha foi mais chatinha. O primeiro trecho muito aprazível, beirando as Lagunas Madre e Hija, com visões de bosques, flores e nada de moscas. Em compensação as restantes 3 horas foram de uma tortura sem fim. Parecia que o caminho não acabava nunca. O camping, todavia, estava mais vazio e era mais confortável. Um rio forte abastecia com água. Mas como era um rio de glacial a água era turva. Bem estranho. Lá fiz mais algumas trilhas, mais uma tonelada de meditação em pedras estratégicas no meio dos caminhos e em mirantes. E voltei para El Chaltén na sexta-feira no final da tarde. Mais 3h30 de caminhada, dessa vez descida. Estourando meus joelhos e me fazendo pensar com muito amor e saudades na minha manicure, na minha podóloga, no meu cabeleireiro e em uma bela sessão de massagem em um SPA. Mais do que tudo, o que eu pensava era em um banho quente. De verdade. Com água correndo em cima do corpo e cheirinho de sabonete. Eu tenho minhas frescuras, eu sei. Tenho minhas particularidades, minhas neuroses, minhas manias. Tenho, inclusive, (um monte) minhas chatices. Mas quando você se encontrar submersa na natureza, com todas suas coisinhas dobráveis que sustentam fragilmente seus hábitos civilizatórios. Quando você acorda no meio da noite ouvindo o vento quase arrancar sua barraca, e a poeira sujar tudo o que você tem pelas frestas de respiro. Quando você cruza com um carcará gigante buscando comida pelo mato ao amanhecer. Quando você olha para trás, no alto de uma montanha, e perde de vista a trilha, mas sabe que no começo mal enxergava o lugar onde chegou. Quando você trás aos lábios uma concha de mão cheia de água gelada e pura e sente a sede de duas horas de esforço se aplacar enquanto o estrondo de uma avalanche ressoa pelo ar. Quando seu suor gruda na sua roupa e você sabe que ela não vai estar limpa e passada na sua gaveta no dia seguinte. Alguns conceitos de necessidade, precisão, alguns conceitos que nos fornecem a estrutura de quem somos, o que somos, eles mudam. Porque quando você estabelece seus limites de conforto vem à tona sua verdadeira essência de ser humano. E essa é a que nós vivemos nos esquecendo, e nos transformando em profissões, em marcas, em consumidores. Ao final do dia só queremos descobrir como não sucumbir ao selvagem. Como nos livrar das moscas sem matá-las. A melhor coisa de todo esse contato com a natureza é encontrar esse limite que nos faz humanos e animais ao mesmo tempo.


segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

PARTINDO DE PUERTO NATALES


Festa de Ano Novo ontem foi aqui ao lado do Erratic Rock, no Base Camp. É um bar e loja de aluguel de equipamentos do mesmo dono, o Bill. É também onde rolam as palestras sobre os circuitos de Torres Del Paine gratuitamente todos os dias às 15h. Nós estouramos champagne, cantamos, dançamos. Todos sentindo que nem parecia Ano Novo. Eu e umas cariocas, porque estava frio demais. Os europeus, porque estava calor. De qualquer forma, todo mundo muito longe de casa. Mas foi legal. Formou-se uma irmandade, uma união. Na expectativa de boas notícias, na distância e estranhamento da própria casa, na vontade de colocar a mochila nas costas e continuar. Principalmente na frustração de termos chegado tão perto sem ter visto as belas torres. Eu fui dormir cedo. Porque não queria me embriagar, estava cansada e acordava cedo hoje para um passeio de barco que tinha reservado. Existe essa empresa chamada Agunsa que organiza uma excursão de lancha de um dia inteiro pelos fiordes e pelos glaciares aqui de Puerto Natales. Tirei algumas fotos legais, fiz uma trilha tranquila até o Glacial Serrano. Dormi bastante nos trechos de navegação. Depois nos levaram até uma Estância onde foi servido o almoço. Churrasco para variar. Um prato de legumes picados e refogados para mim. Sentei ao lado de um casal venezuelano que está morando no Rio há um ano e meio. Adoro esses encontros ao acaso que as viagens propiciam. São ótimos para conhecer pessoas, conhecer mais sobre seus países, e distanciar a visão que eu tenho do meu próprio. Um passeio agradável, e foi bom poder explorar um pouco da paisagem e das atrações desse lado da Patagônia. Que não é só o parque. Sobre o incêndio, está finalmente sob controle. Agora combate-se o fogo subterrâneo que ainda queima a terra e as raízes. Acredita-se que até que tudo seja resfriado e apagado ainda demore um mês. Um mês, por causa de um descuido de algums minutos. Sabe-se lá quantas décadas até que a natureza se reencontre e apague as cicatrizes. Foram 11.000 hectares queimados. Todo o W. E essa é a última coisa que eu falo dessa tragédia. Hoje à noite deixei Puerto Natales e os queridos amigos que fiz lá. Durmo em Calafate para amanhã cedinho pegar o primeiro ônibus para El Chaltén. O plano é acampar por 3 dias em volta do Fitz Roy. Segundo o guia “Trekking na Patagônia” do Lonely Planet, Torres Del Paine e Fitz Roy são os dois highlights da Patagônia. Como não foi possível ver um, vou correndo de encontro ao outro. Estou ansiosa mesmo para desligar completamente pelos três dias. (Mas nem tanto pela expectativa de banho zero no mesmo período!) Quase perdi o ônibus para Calafate. Desembarquei do passeio e fui correndo buscar a mochila no hostel. Correndo é força de expressão. O vento voltou e é IMPOSSÍVEL correr contra esse vento. É uma coisa assustadora, não estou exagerando não. Você precisa pisar firme e inclinar o corpo para frente para conseguir se locomover. Minhas coxas até doeram com a força da resistência. Então foi basicamente isso: peguei a mochila voando, mal dei tchau para as pessoas e fui a última, no último minuto, a entrar no ônibus. Cansada, bufando. Sentei no meu lugar, o ônibus deu partida e saiu. Ufa! Uma viagem de cerca de 5 horas de Punta Arenas à Calafate. De novo aquela paisagem linda e desértica. Eu coloquei The Lucksmiths no Ipod e encostei a cabeça no vidro do ônibus. Desenrolavam-se centenas de kilometros na minha frente de uma paisagem seca e linda. O campo que se perdia até um altiplano no horizonte. A estrada dura, reta, vazia que seguia impiedosa. Ovelhas pastando. Pássaros enormes pousados em rochas assistindo o pôr do Sol. Sim. Às 21h30 começou o pôr do Sol mais espetacular que eu já vi. Ele caia atrás do meu ombro direito. Eu via refletido o contorno do ônibus no asfalto, enquanto a luz alaranjada devorava toda a paisagem até fazer as nuvens do céu criarem vida e tornarem-se sólidas. Paralelo à estrada um bando de cavalos corriam livres sem destino, desviando de pequenas lagoas, com o vento balançando suas crinas, me fazendo puxar o ar em angústia de ver tanta liberdade assim, explícita. Três raios grossos e vermelhos saíam do horizonte e cortavam o azul implacável, e nesse momento eu não agüentei e chorei. Chorei porque meus olhos não agüentaram tanta beleza. Chorei porque a maneira como a vida acontece aqui faz com que eu tenha vontade de abraçá-la mesmo sabendo que eu vou sucumbir no segundo seguinte. Chorei porque, se eu estou começando o ano desse jeito é porque eu sou muito abençoada. Chorei porque é isso o que a gente faz quando presencia um milagre. Do outro lado do ônibus o Sol executava um espetáculo de despedida de seu primeiro dia. Ele ardia, quase cantava, e suas chamas se agigantavam pelo céu e o horizonte até que não pudesse enxergar. Fez o dia vermelho, de vida; e me deu de presente as fotos laranjas que eu tanto procurava. Como uma pintura, pinceladas de Van Gogh na minha frente. O céu da Patagônia.