quarta-feira, 16 de outubro de 2013

SOBRE DÉBITOS E AREIA MOVEDIÇA


Ano passado, quando tirei férias e fiz uma roadtrip pela Itália, havia prometido ao Alê que passaria na volta por Barcelona para ficar um pouco com ele. Acabei cancelando e voltando antes para o Brasil por causa de alguns problemas de trabalho. Em janeiro havia me programado para uma nova temporada européia, e novamente prometi passar para ficar uns dias com o Alê. Cancelei a viagem por vários motivos, e aumentei meu débito de amiga que promete e não cumpre. Dessa vez cruzei o oceano novamente, mas nem considero uma viagem. Vim para um retiro budista em Sintra e resolvi aproveitar para visitar algumas amigas que tiveram filhos no último ano. Para quitar o grande débito, resolvi que chegaria por Barcelona, para cumprir a promessa e rever essa cidade que não tive a oportunidade de absorver de verdade da outra vez que estive. Acabei ficando uma semana inteira com o Alê, e foi como era quando estávamos saindo da FAAP e passávamos as tardes e noites por São Paulo. Continuamos os mesmo. Envelhecemos, mas continuamos os mesmos. Alê me leu alguns trabalhos lindos que tem escrito. Acho um desperdício tão grande ele não colocar um pouco mais de esforço em produzir e publicar. Alê é de verdade um escritor fantástico, um pós-beatinik com muito mais autenticidade do que todos os posers que tentam ser undergrounds no Brasil. Ele foi uma grande inspiração para mim. Foi por causa do Alê que comecei a pensar a sério em escrever, como profissão, como vida. Na verdade essa é a única coisa que realmente fazemos bem. Somos bons em várias coisas, somos versáteis, mas nossa essência é essa. Nós dois somos pessoas que escrevem. Alê tá levando uma vida ótima em Barcelona. Seu apartamento é espaçoso e confortável, tem até um terraço grande com churrasqueira, onde ele estende uma rede e planta girassóis. De onde também se avista as torres da Sagrada Família. O prédio não tem elevador, e nos primeiros dias senti meu pulmão desafiado para subir os 123 degraus até o sexto andar. Eu contei. Acho gostoso ver essa vida simples, sem extravagâncias que ele está levando. Coisa que nos é quase impossível em São Paulo. Faz quase três anos que eu me restabeleci, só com uma mochila de roupas velhas e surradas, e já acumulo mais coisas do que o Alê em 7 anos fixos em Barcelona. Porque acabamos tão rapidamente como acumuladores inúteis? Mesmo olhando para minha bagagem de não-viagem agora - já que não vim de mochila dessa vez - tenho a certeza de que carrego só o básico, mas o meu básico está excedendo os limites de despacho. Esse é o tal do piloto automático. Ficamos tão acomodados nessa vidinha de rotina e conforto urbano, que vamos afundando no supérfluo sem nem nos darmos conta. Vira areia movediça. O dia que você se pegar assinando contrato de casa em condomínio fechado, e blindando o carro para poder ir ao cinema no shopping, sinto muito! É porque já perdeu o fôlego e nada mais te salva. Quando eu quebrei com tudo e resolvi ir em busca do que me fazia sentir viva, eu achei que era uma coisa definitiva. Que aquela experiência e aquela transformação me pertenciam eternamente, e que eu nunca precisaria me preocupar de estar absorvida no nada novamente. Então eu estava arrumando minha mala ontem, me perguntando como era possível o meu “básico” ser tanto assim, quando me ocorreu que é preciso um trabalho contínuo. Aqui estou eu já afundando novamente, ligando o piloto automático e deixando tudo o que realmente me faz feliz para uma outra hora. É preciso acordar todos os dias, e quebrar essas amarras sociais todos os dias. É preciso partir e buscar o que nos faz vivos todos os dias. Porque quando relaxamos, quando nos acomodamos no que pode ser seguro e certo - ainda que seja a segurança e a certeza de que nos transformamos - a areia movediça nos engole, e passamos nossas semanas entre a rotina de trabalho, a cerveja com os amigos, o programa de TV, a pizza do sábado e a busca nas araras e prateleiras das lojas de uma satisfação que não está ali para vender. Compramos o que nos oferecem para que sirvam como substitutos. Compramos qualquer coisa que esteja ali para vender. Se não nos reinventamos todos os dias, e nos atiramos no mundo com os olhos ávidos pelo novo, pelo maravilhoso todos os dias; se não nos dispomos a experimentar, transgredir, inovar, podemos assassinar nossos talentos, endurecer nossa alma, até o ponto de que nem a memória nos resgate a euforia de sermos nós mesmos. Quando nos perdemos na insatisfação do trânsito, da política, da corrupção, dos impostos, da crise, deixamos de usar essa energia para mudar de lugar, e mudar nossa perspectiva. É preciso estar em constante movimento, constante renascimento. Resgatar nossas essências do lodo desse mundo amortecido, hipnotizado. Deixei meu livro em cima da mesa de centro do Alê. Escrevi na dedicatória: “Senta essa bunda na cadeira e escreva. É só isso que a gente sabe fazer. Te amo. d.”

terça-feira, 1 de outubro de 2013

CORRA, DRI CORRA



Eu sou da opinião que, cada pessoa deve achar qual o seu esporte. Não que cada pessoa tenha apenas um esporte, mas cada pessoa vai se sentir bem fazendo determinada(s) atividade(s) física(s). Tem gente que gosta de tudo, é verdade. Faz, pula, pinta e borda. Outros já comparam qualquer atividade com uma sessão de tortura chinesa. Mas a verdade é que, quando encontramos alguma atividade que nos dá prazer, a vida fica muito mais gostosa e fácil de se levar. Já vão 10 anos e eu descobri a corrida. É uma das atividades da minha vida. Nesses 10 anos passei por períodos de intensa dedicação, e completa abstinência. Mas sempre corri. O que gosto na corrida? É um esporte independente. Não dependo de ninguém para correr. Sou eu, meu tênis e uma pista. A gente pode correr em qualquer lugar do mundo, qualquer hora do dia. Funciona quase como uma meditação. Enquanto corro sou eu e meus pensamentos, e nós vamos nos organizando conforme meu corpo vai sendo desafiado. Para mim sempre foi um problema, a mente muito ativa e o corpo nunca cansava. Sofri anos de insônia por causa disso. A corrida me ajuda a equilibrar a equação. Me faz um bem danado. Com os acontecimentos dos últimos meses, que me obrigaram a refletir sobre todas as coisas que eu tenho feito na vida, comecei a resgatar o que realmente me é caro. Com isso voltou a corrida à toda. Ainda não recuperei o fôlego dos meus tempos aureos, mas o gostoso de atividade física é que conseguimos ver resultados rápidos, eles são perceptíveis. O fôlego melhorou gigantescamente. E já estou alcançando um ritmo que não dá mais vergonha de contar para os amigos. Para me coroar retomei com tudo as corridas de rua. Esse é um dos meus grande prazeres. Adoro corridas de rua!!! Acho que todo mundo deveria participar de pelo menos uma na vida. É uma atmosfera muito boa, muito positiva, de alegria, dedicação, saúde. Cheia de gente bonita. A gente vai correndo pelas ruas da cidade, enquanto voluntários gritam frases de incentivo e nos aplaudem quando a gente passa. No final a gente ganha um monte de brindes e até uma medalha. Quer coisa mais legal!? Eu sinto falta de companhia para fazer essas coisas. Meus amigos são todos sedentários, e ninguém nunca se anima a me acompanhar. Mas a corrida pode ser assim também. Uma história da gente com a gente mesmo. Esse final de semana fiz dobradinha. Fiz a Fila Night Race e a Etapa Primavera do Circuito das Estações da Adidas. A Fila Night Race foi na USP. Achei um pouco desorganizada. A largada estava quase sendo dada e ainda havia uma fila kilométrica para retirar o chip. Os funcionários sem nada de proatividade. Alguns sem fazer nada, parados, olhando a banda passar, em vez de se prontificarem e ajudarem a distribuir os chips para que todos os corredores pudessem largar com calma. Ainda não entendo porque esse frescura de entregar chip no dia. Antes tivessem entregado já com o kit. Eu gosto bastante de corridas na USP. A USP é como um dos nossos quintais, um lugar tradicional para corredores paulistanos. Também é uma das poucas oportunidades de ir ao campi. Desde que saí da faculdade o universo universitário foi ficando cada vez mais distante. É gostos correr entre as faculdade, beirando a raia. Uma pena que a USP esteja tão abandonada. As ruas estão todas esburacadas, feias, mal tratadas. A prova virou praticamente uma corrida de obstáculos. Desvia do buraco, pula a cratera, e cuidado para não tropeçar no degrau. Fiz 5K assim, passando por todos os obstáculos sem torcer o pé nem uma vez. No domingo foi o dia do Circuito das Estações. Acordei às 5h30 e tava uma chuva forte na janela, o dia todo escuro. Juro que fechei os olhos e considerei por dois minutos a possibilidade de ficar na cama e cabular a corrida. Mas depois resolvi ir, porque correr me faz sentir muito melhor do que ficar na cama. Fui esperando fazer a corrida na chuva. Me agasalhei, coloquei uma camiseta de manga longa por baixo, tênis velho para poder ensopar na chuva e saí toda descabelada, esperando que a chuva desse um jeito na juba. Mas Murphy sabe das coisas. Assim que cheguei no Pacaembu o céu abriu, o tempo esquentou e no primeiro km eu já estava super-aquecida. Tive que perder um tempo parando e tirando a blusa de baixo para continuar a corrida. Essa prova é bem legal. Tem um pouco de altimetria, para aumentar o desafio. A gente sai da Praça Charles Miller, desce a Pacaembu e pega o Minhocão, depois volta pela contramão até a praça de volta. É um circuito gostoso de fazer. Adoro correr no Minhocão. A organização lançou um desfio bem legal. Fez percursos com 1K a mais para quem quisesse se desafiar um pouco mais. Como não aceitar uma proposta dessas!? Claro que fiz 6K, feliz, tranquila. Cheguei descabelada, mas com um sentimento de bastante completude. Depois o tempo fechou de vez, mas daí eu já estava em casa. Pude ficar nas cobertas, trabalhando em um livro o domingo inteiro, sem um pingo de peso na consciência. Achar uma atividade física é um pouco assim, deixa de ser um sacrifício. Passa a ser um suporte para a vida, algo que soma e fortalece os nossos dias.