sexta-feira, 6 de julho de 2012

DIÁRIO DE PARATY - WOODSTOCK


Ontem o Edu me falou: “Daqui a pouco você vai perceber que isso aqui é o Woodstock da Terceira Idade”. Eu entendi o que ele quis dizer. A Flip é badalada. A cidade está apinhada, restaurantes lotados, gente para todos os lados. A expectativa é chegar em 25 mil visitantes no sábado. Vai ser legal manter barrinhas de cereal na bolsa, porque vai estar impossível sentar em algum restaurante. Mas porque uma pessoa viria à Flip se não é apaixonada por livros? Em síntese o que acontece o dia inteiro é que um monte de escritores sentam com outros escritores e respondem perguntas de mais escritores, sobre os seus livros, ou como escreveram seus livros, ou porque escreveram seus livros, ou como gostam de escrever seus livros, e que livros liam quando escreveram seus livros. Como a maioria das pessoas que eu conheço dizem que gostam de ler livros, mas gostam mesmo é do efeito decorativo que o livro dá à mesinha de cabeceira do quarto, dá para entender que neguinho para se enfiar cinco dias chutando pedrinha nas ruas de Paraty, só mesmo sendo apaixonado por literatura. E nisso a terceira idade sai ganhando. É um festival de cabecinhas brancas. Velhinhos e velhinhas em caravana, grupos de amigas fofocando nos cafés. Eu fico eufórica de saber que, enfim, minha vida social pode ter algum tipo de salvação. Mesmo que minha turma não tenha exatamente a mesma faixa etária. Hoje cedo fui para a sala de imprensa logo depois do café da manhã. A internet virou artigo de luxo e estava todo mundo reclamando. Ficava um tempão fora do ar, e quando voltava todo mundo corria para postar, mandar emails, fazer upload de fotos; o que durava 5 minutinhos, até aparecer a página de erro no seu browser novamente. Então eu pegava um café, puxava papo com os jornalistas do meu lado, e esperava a próxima onda de conexão. O 3G também é lenda urbana. Vi gente dizendo que postou foto no Instagram, mas só acredito vendo. O meu é totalmente inexistente. Depois peguei a coletiva de imprensa do Enrique Vila-Matas. Ok, eu não vou bancar a jornalista investigativa, mesmo porque eu não engano ninguém, e eu não tenho pauta nenhuma para escrever. Então o que eu fiz foi ficar quietinha na mesa, gravar tudo e anotar o que achava interessante. Algumas coisas deram para ser usadas como conteúdo. Outras anotei para mim. O que mais gosto de ouvir de escritores consagrados é sobre seus métodos de trabalho. Escrever é, talvez, um dos ofícios mais solitários que existem. Eu sinto muita falta de interação, de troca. Só quem escreve sabe como é torturante o processo de erro e acerto, e revisão, e tentativa, e comiseração. Aos poucos cada um vai criando um processo para facilitar o trabalho, melhorar a qualidade, otimizar o tempo. Acho que por ser um ofício tão pessoal, a gente não encontra um “Manual do escritor” para vender nas bancas. Não existe uma regra de como organizar seu tempo, ser disciplinado, facilitar a criatividade. Existem momentos em que a coisa flui miraculosamente. Outros de um desespero descomunal. E nesse processo todo a gente escreve muita coisa ruim, muita coisa que vai para o lixo. E muita coisa que somos capazes de matar para não deixar ninguém ler. Literatura não é texto de blog, que eu sento na cama antes de dormir, digito o que vem na cabeça e posto sem nem revisar os acentos. Literatura é ruminada. E esse processo de criação, a maneira como cada escritor trabalha e retrabalha seu texto, pode ser a diferença entre um romance de sucesso ou um texto nunca terminado. Por isso quando o Enrique Vila-Matas disse que imprime cada capítulo, trabalha à mão no papel, depois volta para o computador para reescrever, imprime novamente, volta para o computador... Eu achei brilhante (embora totalmente insustentável). Quantas vezes tive vontade de voltar para versões antigas do meu romance e que se perderam completamente em arquivos interminados e “salvar como” que nunca mais encontrei. Por mais que a virtualidade nos ofereça a praticidade da condensação do espaço físico, nada como manter uma trilha real de migalhas de pão do seu percurso para ter certeza de que vai chegar até o fim. A coletiva me garantiu material para o resto do dia, então resolvi tirar folga. Fechei o computador e assisti às duas mesas da tarde sem nem olhar para o celular. Me apaixonei de imediato por Alejandro Zambra. Corri comprar o livro dele assim que saí da tenda. Comprei outros 13 livros também. Sempre tive problemas com limites, não vai ser agora que isso vai mudar. Depois uma deliciosa mesa com Javier Cercas e Juan Gabriel Vásquez. Dei uma volta pelas ruas do centro histórico sozinha. Tirei fotos. Me senti apaixonada novamente. (E olha que faz muito tempo que não me sinto apaixonada). Tantas coisas que eu gosto tanto. Livros, histórias, literatura, pessoas andando pelas pedras, as luzes nas janelas das esquinas históricas, fotografias com cores de fábula. E eu me sentindo inteira como há muito não me sentia. Com aquela certeza de que estou exatamente no lugar onde eu deveria estar. Resolvi não assistir à última mesa, (era Fernando Gabeira e Luiz Eduardo Soares falando de autoritarismo). Encontrei a Lu para jantar em um restaurante bacana no centro. Tomamos vinho branco. Falamos sobre os livros. E na saída tivemos momento frissón ao ver Luis Fernando Veríssimo e Zuenir Ventura do nosso ladinho. Eu fiquei exausta desse primeiro dia. Sempre disse que sou uma senhoura de 85 anos aprisionada nesse corpinho de 35. Tudo o que eu queria era voltar para a pousada e começar a ler “Bonsai”. Dormir cedo. Ficar em silêncio assimilando tudo. Muito longe do rock and roll. Assim como minhas colegas da caravana da Terceira Idade, esse é sem dúvidas o meu tipo de Woodstock.

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