À parte das informações básicas da culinária portuguesa, precisava muito falar aqui de uma das melhores refeições da minha vida. Sempre que dou umas voltinhas, reservo uma grana para fazer uma boa refeição completa no local. Nem sempre é caríssima, quase nunca na verdade. Mas sempre procuro um restaurante que seja muito bem indicado, quase uma unanimidade; e que traga muito da culinária local. Em Évora fui à “Tasquinha do Oliveira”. Mega recomendado pelo Lonely Planet (e eles nunca erram!), e mega recomendado por 10 entre 10 pessoas que você cruzar no Alentejo. A “Tasquinha do Oliveira” é um micro-restaurante, são 5 mesas apenas, e todo o serviço é feito pelo Sr. Oliveira e sua esposa. Ela na cozinha, e ele fazendo as honras da casa. Abriram o local em 96, com a intenção de vender vinhos e petiscos apenas, mas o boca-a-boca foi rápido e os clientes exigentes, então ampliaram o menu e se tornaram um dos melhores restaurantes de Évora. Cheguei na hora do almoço decidida a seguir qualquer recomendação que o Sr. Oliveira me desse. Para entrada ele tinha exposto no balcão algumas saladas para escolha (acho que vem daí nossa cultura de aperitivos de balcão em botecos). Fui em uma de cogumelos paris frescos curtidos em azeite e vinagre com folhas de hortelã, e pedi um queijo de ovelha feito na região. O queijo, servido em pedacinhos individuais ainda com o tecido envolto, era curado na parte externa e por dentro extremamente cremoso e suave. Feito de leite fresco, o sabor era do azedo da coalhada, só que mais doce e macio na língua. O vinho que Sr. Oliveira me sugeriu foi o Herdade do Pombal, da região de Estremoz. Tão perfeito que se abria em sabores super complexos junto com o queijo e o vinagre. Então ele começou a me trazer várias opções de entrada para eu experimentar. Pataniscas de bacalhau, uma espécie de tempurá feito de massa muito leve de farinha, bacalhau desfiado e bastante salsinha. Parecia um floco de neve gigante de tão leve. E uma outra versão dos cogumelos paris, só que assados com lascas de paio. Como prato, segui a proposta da Rota dos Sabores do Alentejo (um projeto organizado pelo Turismo que estipula um sabor alentejano por mês e que é o grande foco nos restaurantes participantes). Abril é o mês do borrego (carneiro). Então fui de Borrego Assado à Alentejana, que são pedaços de perna e mão de carneiro assados em forno com batatinhas inteiras douradas e servido no molho da própria gordura e saladinha de couve picada. Para acompanhar, Sr. Oliveira me trouxe bolinhas de melão geladíssimas e super doces, que junto com a carne (que parecia uma manteiga de tão perfeita) explodiam na minha boca despertando algumas papilas gustativas que não são sempre exigidas. Cada garfada era um orgasmo, te juro! E enquanto eu estava lá, mastigando borrego e me encharcando com a complexidade frutada da trincadeira (uma casta comum nos vinhos do Alentejo, e a que mais agrada meu paladar), eu resolvi que nunca mais iria comer por come, só para me alimentar e pronto. Decidi que daquele momento em diante toda refeição seria um acontecimento, ou não seria. Quero me maravilhar com a comida, vibrar com os encontros do meu paladar, mesmo que seja um fast food, mesmo que seja pipoca no cinema. Cada refeição deve ser incrível em seu contexto. O ser humano é o único animal que desfruta as nuances da gastronomia, todos os outros apenas se alimentam. É um desperdício negar a si mesmo essa experiência. Acho até que é pecado! Na sobremesa fui superlativa e pedi Sericaia e Encharcada. Sericaia é um doce típico alentejano, uma espécie de pudim feito de farinha, ovos, canela e servido com uma ameixa em calda, e a Encharcada é um doce de ovos, açúcar e canela curtido em calda. Para acompanhar fui de vinho licoroso Mouchão, que é um vinho muito próximo no paladar ao Porto (produzido pela mesma técnica), mas da região. Como toda refeição deve ser terminada com um café (e café ainda é minha paixão), Sr. Oliveira me serviu um espresso bem tirado, com espuma caramelo na superfície e paus de canela fresca para mexer e deixar o aroma. Muito tímido, Sr. Oliveira puxa conversa aos poucos, fala baixo, sorri de lado, e parece ter muito carinho pelo Brasil. Se ele pensa em ampliar as 5 mesinhas para aumentar o faturamento? De jeito nenhum! Está preocupado mais em nunca perder a qualidade. Vai mantendo a vidinha com a esposa, de forma despretenciosa, simples e muito bem cuidada. Espero mesmo que a ganância capitalista fique bem longe de Évora. Enquanto eu flutuava pelas calçadas, ainda anestesiada dessa experiência deliciosa, cheguei a conclusão do seguinte. Comendo do jeito que eu comi, já entendi como foi que a esposa do Sr. Oliveira arrumou o marido.
"...estou procurando, estou procurando. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi." (Clarice Lispector - Paixão Segundo GH)
sexta-feira, 16 de abril de 2010
COMER
À parte das informações básicas da culinária portuguesa, precisava muito falar aqui de uma das melhores refeições da minha vida. Sempre que dou umas voltinhas, reservo uma grana para fazer uma boa refeição completa no local. Nem sempre é caríssima, quase nunca na verdade. Mas sempre procuro um restaurante que seja muito bem indicado, quase uma unanimidade; e que traga muito da culinária local. Em Évora fui à “Tasquinha do Oliveira”. Mega recomendado pelo Lonely Planet (e eles nunca erram!), e mega recomendado por 10 entre 10 pessoas que você cruzar no Alentejo. A “Tasquinha do Oliveira” é um micro-restaurante, são 5 mesas apenas, e todo o serviço é feito pelo Sr. Oliveira e sua esposa. Ela na cozinha, e ele fazendo as honras da casa. Abriram o local em 96, com a intenção de vender vinhos e petiscos apenas, mas o boca-a-boca foi rápido e os clientes exigentes, então ampliaram o menu e se tornaram um dos melhores restaurantes de Évora. Cheguei na hora do almoço decidida a seguir qualquer recomendação que o Sr. Oliveira me desse. Para entrada ele tinha exposto no balcão algumas saladas para escolha (acho que vem daí nossa cultura de aperitivos de balcão em botecos). Fui em uma de cogumelos paris frescos curtidos em azeite e vinagre com folhas de hortelã, e pedi um queijo de ovelha feito na região. O queijo, servido em pedacinhos individuais ainda com o tecido envolto, era curado na parte externa e por dentro extremamente cremoso e suave. Feito de leite fresco, o sabor era do azedo da coalhada, só que mais doce e macio na língua. O vinho que Sr. Oliveira me sugeriu foi o Herdade do Pombal, da região de Estremoz. Tão perfeito que se abria em sabores super complexos junto com o queijo e o vinagre. Então ele começou a me trazer várias opções de entrada para eu experimentar. Pataniscas de bacalhau, uma espécie de tempurá feito de massa muito leve de farinha, bacalhau desfiado e bastante salsinha. Parecia um floco de neve gigante de tão leve. E uma outra versão dos cogumelos paris, só que assados com lascas de paio. Como prato, segui a proposta da Rota dos Sabores do Alentejo (um projeto organizado pelo Turismo que estipula um sabor alentejano por mês e que é o grande foco nos restaurantes participantes). Abril é o mês do borrego (carneiro). Então fui de Borrego Assado à Alentejana, que são pedaços de perna e mão de carneiro assados em forno com batatinhas inteiras douradas e servido no molho da própria gordura e saladinha de couve picada. Para acompanhar, Sr. Oliveira me trouxe bolinhas de melão geladíssimas e super doces, que junto com a carne (que parecia uma manteiga de tão perfeita) explodiam na minha boca despertando algumas papilas gustativas que não são sempre exigidas. Cada garfada era um orgasmo, te juro! E enquanto eu estava lá, mastigando borrego e me encharcando com a complexidade frutada da trincadeira (uma casta comum nos vinhos do Alentejo, e a que mais agrada meu paladar), eu resolvi que nunca mais iria comer por come, só para me alimentar e pronto. Decidi que daquele momento em diante toda refeição seria um acontecimento, ou não seria. Quero me maravilhar com a comida, vibrar com os encontros do meu paladar, mesmo que seja um fast food, mesmo que seja pipoca no cinema. Cada refeição deve ser incrível em seu contexto. O ser humano é o único animal que desfruta as nuances da gastronomia, todos os outros apenas se alimentam. É um desperdício negar a si mesmo essa experiência. Acho até que é pecado! Na sobremesa fui superlativa e pedi Sericaia e Encharcada. Sericaia é um doce típico alentejano, uma espécie de pudim feito de farinha, ovos, canela e servido com uma ameixa em calda, e a Encharcada é um doce de ovos, açúcar e canela curtido em calda. Para acompanhar fui de vinho licoroso Mouchão, que é um vinho muito próximo no paladar ao Porto (produzido pela mesma técnica), mas da região. Como toda refeição deve ser terminada com um café (e café ainda é minha paixão), Sr. Oliveira me serviu um espresso bem tirado, com espuma caramelo na superfície e paus de canela fresca para mexer e deixar o aroma. Muito tímido, Sr. Oliveira puxa conversa aos poucos, fala baixo, sorri de lado, e parece ter muito carinho pelo Brasil. Se ele pensa em ampliar as 5 mesinhas para aumentar o faturamento? De jeito nenhum! Está preocupado mais em nunca perder a qualidade. Vai mantendo a vidinha com a esposa, de forma despretenciosa, simples e muito bem cuidada. Espero mesmo que a ganância capitalista fique bem longe de Évora. Enquanto eu flutuava pelas calçadas, ainda anestesiada dessa experiência deliciosa, cheguei a conclusão do seguinte. Comendo do jeito que eu comi, já entendi como foi que a esposa do Sr. Oliveira arrumou o marido.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário