domingo, 7 de abril de 2013

1996 - 2013



1996
Eu tinha 19 anos, estava com o coração partido e fui ao Hollywood Rock ver o show do The Cure. Era uma pessoa ansiosa, queria fazer tantas coisas. Eu não sabia muita coisa da vida naquela época. Não que eu saiba muito mais agora, mas tenho uma visão muito mais real do que é a vida. Muito menos ilusões. Minha bagagem era pequena. Eu tinha muitos sonhos e planos para realizar. Queria viajar. Sonhava em ir para a Índia, mas o máximo que tinha chegado era a Disneyworld. Queria escrever, fazer cinema. Queria fazer trabalho voluntário, ser correspondente de guerra, grande executiva, mudar o mundo. Lia compulsivamente. Ia ao cinema mais compulsivamente ainda. Eu não sabia me expressar direito naquela época. Não sabia falar, opinar. Estava em metamorfose. Eu era magrela, tinha o cabelo armado. Sabia tocar os acordes de “Close to me” no piano (talvez por isso ainda hoje seja minha música favorita deles) e, durante aquele show, me apaixonei. O moço estava fascinado por mim. Era narigudo e tinha um sorriso lindo. Me levantou nos ombros, cantou “Friday, I’m love” no meu ouvido e trocamos de camiseta. Levei para casa a sua da “Física - USP”. Ainda demorei meses em uma paixão platônica até ficar com ele. Depois ficamos, desficamos. Namoramos, brigamos. Eu fui morar nos EUA, voltei. Ele foi morar nos EUA, voltou. Viramos vegetarianos. Fizemos yoga. Namoramos de novo. Até que eu parti o coração dele e ficamos anos sem nos falar. 

2013
Comprei o ingresso no primeiro dia de venda do show do The Cure. Ainda liguei para o moço e rimos como seria divertido irmos juntos nesse show 17 anos depois. Ele hoje é um amigo querido, está no segundo casamento e só não foi ao show porque acabou de ser papai. Eu dessa vez fui tranquila. Com o coração inteiro, sem nada para consertar. A tranquilidade de quem está conseguindo viver a vida que sonhou. Faço o que amo. Moro onde amo. Tenho amigos que amo e conheço muito mais do que a Disneyworld. Sem a energia que eu tinha em 1996, mas a bagagem necessária para assistir 3h30 de show sem nem me abalar. Ou talvez, abalada demais. Foi uma máquina do tempo. Uma viagem por memórias, momentos, sentimentos, tudo o que eu vivi nesse intervalo de 17 anos. Cada música que tocava era como se um flash involuntário na minha mente. Memórias de tantas coisas que fiz e fui. De tantas coisas que amei. Os anos de FAAP. As festas, os porres. As tarde chuvosas ouvindo “Lullaby”. As madrugadas dançando “In between days” e dublando a música com raiva para outro moço. Discussões ao som de “Push”. O carro cheio com as meninas gritando a plenos pulmões pelas janelas “Friday, I’m in love”. Dias preguiçosos no sofá do Alê ouvindo “The Caterpillar”. Estradas que se desenrolaram ao som de “Lovecats”. Sem querer estavam tocando a trilha sonora da minha vida. E foi uma danada de uma vida. “To kill an arab” me lembrando que eu estava sim, viva. Sempre. “Just like heaven”, “A night like this”, “Why can’t I be you”... São tantas, tantas lembranças. A gente sai pela vida com uma camiseta de um curso universitário na mão e anda tanto, faz tanto, que nem lembra onde ela foi parar. De repente, em uma noite, alguém vai jogando luzes em pontos da nossa trajetória e nos lembramos do caminho que percorremos. Do quanto nos transformamos. Aquelas músicas vão tomando um outro significado. Vão ficando impregnadas com nossas vivências. Viram um canal para tudo que construímos e amamos. Assim, quando estamos perdidos no meio de algum país estrangeiro, depois de muitos meses longe de casa e já sem nenhuma referência de quem somos; ouvir “Close to me” faz com que nos resgatemos. Vem com a memória de quem somos. No show, a voz de Robert Smith já não é mais desamparada também. É mais densa, mais encorpada, e ele não é mais capaz dos gritinhos. Mas ainda é doce. Não podemos nunca deixar de ser doces. Então, quando os acordes de “Close to me” tocaram, me dei conta que não os sei mais decór. Ainda não fui para a Índia. Não mudei o mundo. Não estava apaixonada. Ainda assim, tinha construído uma trajetória muito melhor do que tinha imaginado, descoberto novas formas de amar, de tolerar, de viver. Eu estou exatamente onde quero estar e isso me faz sentir inteira. Olhei no telão e ele sorria. De forma inédita, Robert Smith sorria. Ele também talvez não seja mais aquele garoto melancólico. Eu? Eu também sorria. 

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