sexta-feira, 24 de agosto de 2012

1001 maneiras diferentes de cozinhar melanzane


Acho que viajei mais nesses últimos 3 anos do que na minha vida inteira. É legal sim. É um puta privilégio. Um pouco cansativo também. Na minha última viagem eu ficava me perguntando como consegui ficar aquele tempo todo na mochila em 2010. Sem dúvida que os amigos que me abrigaram por jornadas mais longas no meio do caminho foram essenciais. Por mais maravilhoso que seja viajar, se você não tiver a mínima referência de casa, vai enlouquecer. De verdade. Trombei com vários que estavam bem fora da casinha. Cruzaram a linha. Ficaram tanto tempo fora que talvez nunca mais sejam capazes de voltar. Eles possuem uma certa ânsia nos olhos, e ficavam largados pelos hosteis. Estavam 2-3 anos fora de casa. Já não sabem mais nem definir suas nacionalidades. É muito sedutora a vida na mochila. Ela te chama, te clama. Você quer muito ir, mas depois de um tempo dá medo de não voltar. Eu sempre fico maquinando maneiras de descobrir o meio termo. Sempre disse que quero criar meus filhos na mochila, trocando fralda em aeroporto. Já não tenho mais essa ilusão. Pela simples razão de que não acredito mais ser possível encontrar alguém com o mesmo pique. Alguém que goste da mochila, sem ter dreads e ser hippie; ou que ame a cidade e todas as frescuras que eu gosto nela, sem ser um coxinha empertigado. De qualquer forma, não vem ao caso. Tirei umas férias esse mês e, embora em um primeiro momento meu impulso tenha sido de narrar a viagem como sempre faço por aqui, dessa vez senti que precisava de fato ficar em silêncio. Tenho sentido a vida me fechando tantas portas, e eu precisava ficar quietinha para poder ouvir onde as outras estavam se abrindo. Foi ótimo. Achei foco. Achei o que eu queria no meio da balburdia que eu sou. Voltei com o olho na bola. Decidida também a cortar o cabelo e fazer uma tatuagem. É. Viajar pode ser perigoso também. Dessa vez dei uma passada em Portugal, só para ver pessoas que eu amo e que não posso ver todo dia porque o mundo é muito grande e coloca pedaços da minha alma espalhados entre oceanos. Talvez por isso eu sinto que preciso sempre partir. Depois eu e a Keka embarcamos para a Itália. Primeiro porque ela não conhecia. Segundo porque em Roma foi um dos lugares onde eu fui mais feliz. E é sempre legal voltar para lugares onde se é feliz. O mais gostoso é descobrir que aquele lugar te desperta ainda mais amor do que você tinha pensado. De uma forma que eu só conseguia suspirar pontualmente ao longo do dia “Eu amo Roma!”. Sim, e Roma é amor ao contrário. Ela estava lá, do jeitinho que eu lembrava. Com o metrô caótico, as ruas cheias de turistas. O calor escaldante, os nasonos jorrando água. Os melhores gelatos do mundo. Depois descemos para Nápolis, que foi bem decepcionante. Feia, suja, perigosa. Totalmente dispensável. E de lá, Erna nos encontrou e embarcamos em um Panda pela Costianera Amalfitana até Réggio di Calábria. Foi lindo. Foi como viver em um filme. Aquela costa deslumbrante, de mar azul e seixos quentes. A água salgada e transparente. Os dias intermináveis à 40o e spritz ao final da tarde com aperitivos. Vilas medievais. Vielas que nos imploravam por fotos. Na Calábria encontramos Schilla. Uma vilazinha de pescadores que foi paixão imediata das três. Víamos o Sol se pondo quase na Sicília, e jantamos sobre pallets com uma lua cheia gigante refletida na água. O melhor de ter feito tudo isso, foi ter feito sem a neurose de mandar emails, trabalhar, verificar mídias sociais, falar em skype. Sem nenhuma interferência que me tirasse da viagem. Apesar de ter viajado tanto ultimamente sempre estou com interferências me deixando incompleta na viagem. Isso devo muito à Itália. O italiano vive o momento. Ele é muito inteiro no que ele faz. Se ama, ama. Se chora, chora. Se está vivendo aquele momento, ele vive o momento por inteiro. Acho que a vida cosmopolita nos impele a ser multitarefados demais. Não basta tirar férias, é preciso atualizar status de FB, twittar a previsão do tempo, mandar email pro povo do escritório. Eu resolvi assumir o italian way of life e quando chegamos em Schilla eu já tinha certeza de que, embora eu seja feliz na minha vida e goste das coisas que eu faço, eu não estava vivendo a vida que amo. Porque existe uma diferença entre gostar e amar. Sim, eu gosto do meu trabalho. Não, não é a coisa que mais amo. Acho que se não tivesse feito essa descoberta tão óbvia até Schilla, não teria tido uma experiência tão formidável na Sicília que estava para vir. Erna se despediu em Catânia. Eu e Keka continuamos na Sicília, seguimos para as Ilhas Eólicas e depois encontramos Fran em Palermo para seguir para Trapani e as Ilhas Égadi. Talvez seja a baixa expectativa, já que eu esperava da Sicília uma paisagem desgastada e maltratada. Talvez seja porque aquelas ilhas são mágicas mesmo. Mas eu me rendi, me bronzeei. Descobri mil maneiras diferentes de comer melanzane (a nossa berijela). Me fartei em comidas, cheiros, vinhos. Tudo encharcado de azeite (e que azeite!), de molho de tomate tão fresco e tão doce. Tardes engolindo azeitonas. Longas caminhadas, mergulhos entre água-vivas. Desencanei do peso, das manchas na pele. Das roupas sujas de tanto tempo de mochila. Tem algo dentro de mim que é italiano. Tem algo que mora ali, naquele mar mediterrâneo. Voltei mais cedo. Quando se resolve o que quer da vida, não temos muito mais vontade de enrolar. Naquele mar resolvi o conflito do meu livro, reconquistei minha vontade de me apaixonar. Resolvi também a trama para mais dois livros e inspiração para um outro. Assim, em algumas semana, quatro livros. Quatro tatuagens. Eu nunca comprava berinjela em casa. Nunca sabia o que fazer com ela. Essa semana fui à quitanda. Na geladeira tem dois tipos diferentes de berinjela. Manjericão, limão siciliano, abobrinha, cogumelos. Só o tomate que não deu certo. Tava feio e tão caro! Eu, particularmente, gosto da vida com sabores frescos. Muitas vezes é só descobrir o que fazer com os ingredientes. 

(PS.: eu ainda vou voltar para a Sicília, aprender a cozinhar e escrever um livro com esse nome: “1001 maneiras diferentes de cozinhar melanzane”)

Um comentário:

Ana Carla disse...

Seu texto é inebriante.