quarta-feira, 6 de junho de 2012

UM PAÍS DE “ALMOST”


Cinco horas de diferença é muito. Então o jetleg está gritando. Perdi o café da manhã hoje, e passei o dia todo tentando me convencer de que era mais tarde do que realmente era. Ponto para as garotas, que foram dormir tarde e ligaram o piloto automático. Meu dia se resumiu a checar as condições do tempo para mergulhar - Péssima notícia: com a mudança do tempo a visibilidade está quase nula e a maré bem agitada. Sem previsões de mergulho até o final de semana - Aproveitei para passear por Waterfront, tirar fotos, comprar livros e postais para os meus sobrinhos. Até cruzei com uma foca no meio do cais. Fiquei louca, pulando igual a Felícia, querendo tirar fotos. A foto ficou ruim, mas eu agendei meu passei para Robben Island para ver a cela do Mandela. Só para registro, tudo aqui tem aroma de Nelson Mandela. Todas as ruas, os shoppings, as escolas públicas: tudo tem o nome do homem. E não precisa muita força para entender porque. Esse cara é mais do que um ser humano, e eu fico me perguntando se existiria África do Sul sem Mandela. Eu acho que não,e também é a opinião geral dos locais com quem tenho conversado. Tanto brancos quanto negros. Por isso parei em uma livraria grande, do tipo Fnac, e comprei dois livros de jornalistas. Um que fala do período pós Apartheid, e outro que fala do pós-Mandela. Gosto de comprar livros de jornalistas sobre os países que visito. Geralmente trazem um ótimo panorama em regiões que passaram por conflitos. Mas falando das impressões que tive de África do Sul até agora: O assédio é algo tão agressivo que me deixa enjoada. Do tipo, os caras te param na rua. Literalmente. Você está atravessando uma rua, cheio de carro esperando para passar, e o cara te segura pelos ombros para dizer que “você é uma mulher bonita, tem um sorriso bonito, um nariz bonito...”, até que você fuja e diga “Obrigada” o suficiente para eles ficarem sem argumentos. Hoje, voltando para o hotel, peguei um taxista que insistia em ser meu amigo no Facebook, e em fazer um rendez-vouz de vinhos e sexo no meu quarto de hotel. Assim, sem vergonha nenhuma. Na lata.  Eu, que não sou besta e aprendi que não se discute com um cara que está te dirigindo em um país estanho que você não conhece, só sorria e dizia em francês “oui, oui”, (ele era do Congo), mas rezava secretamente para um anjo me colocar bem longe dali (Mandela? Hello?). O assédio é algo extremamente agressivo aqui. Quem é mulher, fica se sentindo um pedaço de caça. Já tinha sentido isso no Marrocos, mas achava que era diferente na dita “África negra”. Puro engano. Embora Cape Town esteja muito longe de qualquer imaginário de África que eu já tive. É como entrar pela sala VIP. Nada aqui me parece real.  Consegui me livrar do taxista tarado e encontrei Manu para buscarmos alguma diversão na noite. Fomos até o Waterfront, que estava desértico, e esbarramos em um músico que estava saindo de um restaurante terminando um show. Como somos cara-de-pau, abordamos o moço e o fizemos nos oferecer um tour pela noite de Cape Town. Anthony é de ascendência inglesa, mas tem jeitão de holandês (Apesar de minha queda pelos holandeses, juro que a abordagem foi totalmente despretenciosa!), ele é casado e tem duas filhas. Uma de 7 e outra de 16 (alguém engravidou na adolescência, minha gente!). Ele nos levou até Long Street onde há vários bares e pubs, com música ao vivo, e clubs, que garantem o fim de noite da balada caboense (isso existe?). Segundo ele, todas as noites terminam em Long Street. Ficamos em um pub tomando Castle (cerveja típica da África do Sul que não tem nada de mais) e rindo do padrão “Discovery Channel” de relacionamento do local. Anthony, o músico que nós sequestramos, nos convidou para jantar na casa dele na sexta com sua esposa, (O que adoramos... Mas sabe como é, né!? Ainda não descobri se o povo de Cape Town é como os cariocas que dizem “passa lá em casa” e depois desaparecem.) Depois ficamos com algumas garotas do pub e eu dei um show ensinando-as a rebolar ao som de Carlos Santanna. (It´s all on the hips, baby!) Ainda se vê uma divisão bem nitída entre negros e brancos, embora os jovens digam que não sentem qualquer diferença. Todavia, quando pergunto se eles se sentem a vontade para fazer qualquer coisa que um branco faça, eles gaguejam e dizem “almost everything”. É um país de “almost”. Almost seguro, almost perfeito, almost África. Embora exista estrutura, e Cape Town seja um oásis de segurança pública e oportunidades, ninguém conseguiu me convencer de que, assim que o Mandela morrer, isso aqui vira um pátio de guerra. Outra coisa, impossível sair desse lugar sem uma opinião formada de Nelson Mandela. Ele é o ar, a atmosfera, a força que move essas pessoas. E qualquer pessoa que se diga atéia, eu aconselharia uma pausa para leitura dos pensamentos desse homem. Se ele não era um anjo, eu não sei o que são anjos. Uma das personalidades mais admiráveis, intrigantes e abençoadas que nós tivemos o privilégio de ter na história. Cruzar com o nome dele nas esquinas é um alento, uma certeza de que esse mudo tem salvação e de que existe todo um povo no Sul da África capaz de escrever uma história diferente. Gosto de dar valor para as pessoas pelo seu potencial, e não pelo o que elas ostentam ou acham que valem. Então eu sou fã desse senhor grisalho até a última vuvuzela. Depois da minha intensa experiência no Marrocos, queria muito conhecer também a África negra, não apenas a muçulmana. Cape Town não é seu melhor exemplar. É cosmopolita, europizada, almost branca demais. Mas mesmo entrando pela “sala VIP da África”, ainda acredito que não se sai ilesa de qualquer experiência. Ou almost ilesa.

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