quinta-feira, 7 de outubro de 2010

UM DIA DEFINIDO PELO XIXI

Hoje acordei bem cedinho. Eu tinha o dia todo muito bem planejado. Pegar os museus logo cedo, almoçar pelo centro histórico, alugar uma bicicleta e pedalar até o outro lado da ponte e pelo bairro da universidade. Depois eu ia sentar em um café e ler meu guia da Holanda. Gosto de fazer assim. Comprar o Lonely Planet antes de ir para o país. Ler tudo o que me dá vontade. Dobrar as orelhinhas do que eu quero ver. E chegando ao país eu esqueço o guia e vou seguindo conforme dá vontade. Só que comigo sempre que eu tento controlar, sempre que eu tento planejar demais, dá tudo errado. Então hoje eu acordei, fui fazer xixi e... senti uma ardência. Qualquer mulher com mais de 30 anos já passou por isso pelo menos uma vez na vida. Cistite! A famosa infecção urinária, que vem do nada, ninguém sabe direito porque (no meu caso até sei), e é bem chatinha. Eu estava pesquisando no google sobre sintomas e tratamentos, e tinha um site enumerando quais as possíveis causas de uma cistite. Número um: “ser mulher”. Pois é. Ano passado tive duas vezes. Meu médico me explicou que a maneira como o corpo da mulher foi concebido favorece. A uretra do homem é muito mais longa e por isso os casos de cistite neles são mais raros. Anyway. Como minha uretra é curtinha, acordei e senti o xixi arder. Ontem eu estava dizendo que me preparei para tudo nessa viagem. Tudo mesmo. Antes de sair do Brasil minha médica me passou uma lista super “drugstore cowboy”. Tinha inclusive um antibiótico para o caso de uma cistite no meio do caminho. Que eu, talvez por burrice ou talvez por otimismo, deixei junto com a minha bagagem na casa da Carol em Portugal. Não achei que ia perambular por meses e precisar de um antibiótico. Então comecei a levantar minhas alternativas. Ignorar e não tomar remédio é a menos inteligente das alternativas. Todo mundo sabe que se a bactéria subir para o rim, a infecção se alastra e vira uma nefrite. Daí sim dói para burro e se tem um problema de verdade. Hum! Se fosse no Brasil eu só precisava do nome do remédio e compraria em qualquer farmácia. Fiquei ponderando as possibilidades de comprar um remédio regulamentado sem receita médica e sem falar alemão em uma farmácia de Colônia. Pois é. Talvez não seja das melhores opções também. Então fui para a terceira alternativa (porque a pessoa é preguiçosa e já foi loira). Ativar meu seguro viagem. Em quinze minutos um simpático atendente falando português com aquele sotaque gostosinho de gringo que troca todos os artigos, me passou o contato de uma médica do outro lado da rua do meu hostel, avisou que eu não precisaria pagar pela consulta e que eles me reembolsariam depois pela medicação (olha só!). Lá fui eu na médica alemã. Imaginando que tipo de mímica eu deveria fazer para explicar o que eu tinha caso ela não falasse inglês. E não é que a médica alemã era na verdade romênia e não falava inglês. Mas falava francês, e eu fiquei bem feliz de ter estudado línguas na minha vida, porque mesmo a versão Tarzan me deixou bem confortável de que ela não erraria o diagnóstico e me daria um remédio para bicho de pé. Eu fiquei na sala de espera um tempão lendo meu guia da Holanda e tomando água, porque “je n´avais pas beaucoup du pipi pour l´examen clinique” e saí de lá com uma receita de antibiótico. Depois de toda a maratona, meus planos de pedalar e explorar bairros já tinham passado do meio dia. Acho que antes eu ia ficar bem mal-humorada. Eu ia acabar me trancando no quarto ou passar o resto do dia reclamando que meu dia estava arruinado, e que meu final de semana seria arruinado pelo remédio. E daí sim eu perderia meu último dia em Colônia. Mas como eu não sou a pessoa que eu era ontem. Muito menos a pessoa que eu era há 8 meses atrás, ou um ano atrás, eu já aprendi que a vida sabe mais das coisas do que a gente. Então eu aceitei. Aceitei o dia com cistite, com a manhã passada em um consultório médico. Com jejum forçado até o meio da tarde. E fui andando até o centro histórico. À pé mesmo. Olhando vitrines. Procurando um presentinho para a Erna que vai me pegar na estação de Rotterdam amanhã e me hospedar por uns dias. Comi donuts, daqueles que lambuzam os dedos, e fiquei horas em uma exposição fantástica no Museum Ludwig. Pop Art (que eu AMO AMO AMO!!!), muita video-arte, algumas instalações, uma exposição especial de Lichtenstein (que me deu uma perspectiva totalmente diferente dele) e uma delícia de exposição de “La Bohème” com fotos eróticas do início do século XX (que eu sou completamente apaixonada), entre outras coisas. Vi o pôr do Sol na ponte, linda, toda pendurada de cadeados, e voltei sem rumo, deixando o caminho me levar até em casa. Ainda tropecei em um restaurante vietnamita e comi muito bem. E muito barato. Chegando no quarto, sentei na cama e consegui uma milagrosa unha francesinha enquanto conversava com a Cí pelo skype. Ando tão feliz. Essa coisa de a gente ser responsável pelo nosso estado de espírito é uma puta descoberta. Dá um alívio. Saber que meu dia só vai ser um mal dia se eu deixar. Se eu quiser que ele seja. Se eu escolher. Mesmo que nada esteja sob meu controle. Mesmo que nada saia como o planejado. Mesmo que eu acorde com o xixi ardendo. Agora à pouco os caras que estão dividindo o quarto comigo vieram aqui me chamar para tomar uma cerveja. Eu agradeci, usei o antibiótico com desculpa e sorri. Gentil deles me terem convidado. Mas eu acho que eu prefiro colocar Macy Gray no Ipod, desligar o computador e escrever no meu diário. Acordar bem cedo amanhã e não fazer planos nenhum.

Um comentário:

kika disse...

nega, gostei muito do bola pra frente! uma dica de quem tem cistite volte e meia, muita agua tipo tres copos grandes de uma vez e faz muito muito xixi, que ajuda a sair..