terça-feira, 7 de setembro de 2010

FORMIGUINHAS NA LANCHEIRA

Quando eu era pequena minha irmã mais velha juntava toda a criançada da rua e levava a gente para fazer trilhas nas férias. Passei várias férias de infância fazendo trilhas em Paranapiacaba e no Pico do Jaraguá. A gente saía cedinho, levando uma mochila com sanduiches, frutas, sucos e chocolate. Pegava o trem e descia todo mundo em uma empolgação só. Não tinha a sofisticação de “hiking poles” nem nada. A gente pegava gravetos caídos na floresta para ajudar nas subidas. Molhávamos os tênis (que eram tênis comuns mesmo, bem baratos porque ninguém era rico) nos riachos. Comíamos nossos sanduiches de queijo e bisnaguinha com requeijão no alto da montanha, e voltávamos no final da tarde. Imundos e felizes. Lembro até hoje da música dos vendedores ambulantes nos vagões dos trens. A forma cantada de vender chocolate, salgadinho ou o que mais enchesse a barriga no final do dia. Chegávamos em casa em tempo de um banho, jantar e desmaiar na cama às 20h30. Exaustos. Uma benção para as mães. Meus pais são donos de escola. Eu nunca tinha férias convencionais como as outras crianças. A gente quase nunca viajava. Ou porque não tinha dinheiro (depois de pagar férias e décimo terceiro para toda a equipe), ou porque eles precisavam aproveitar as férias para a manutenção da escola. Pintar paredes, reformar carteiras, refazer as lousas. Então as caminhadas que minha irmã inventava eram nossa única diversão as férias inteira. Na adolescência ainda fiz um pouco com alguns amigos. Mas eu sempre acabava amiga de pessoas nada esportivas. Meus 20 e poucos anos foram totalmente sedentários e boêmios. Não andava nem até o estacionamento. Deixava no manobrista. De vez em quando eu até tentava subir alguma parede, descer de rappel algum viaduto. Mas tudo brincadeira de final de semana. Resolvi mudar de estilo de vida mesmo chegando aos 30. Mas nem por causa disso meus amigos mudaram, e a boêmia vai sempre me acompanhar. Um pouco antagônico conciliar, mas eu sou a favor do equilíbrio. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Meus amigos ainda me acham louca de acordar cedo para participar e corrida de rua. Nem cogito convidar ninguém para vir junto. Minha irmã, quem diria, virou mãe sedentária. Nunca mais fez uma trilha na vida. Eu aprendi que se você quer fazer alguma coisa, melhor não esperar por ninguém para fazer junto. Eu viajo sozinha porque se fosse esperara alguém para me acompanhar não iria a nenhum lugar. Então aqui na Suíça resolvi resgatar minhas tarde de infância subindo Paranapiacaba sozinha. Porque de todos que nos acompanhávam naquela época, eu sou a única que ainda faz isso. Primeira coisa que eu mantenho em mente é que vou andar enquanto me der prazer. Regra numero um para mim em uma trilha: se não tiver gostoso, pára tudo. Lógico que é puxado e muito cansativo em alguns trechos. Mas eu nunca chego em um nível de me violentar. Detesto competições. Competir sozinha então, bem estúpido. Então eu me jogo nas trilhas mais interessada em o que eu vou aproveitar delas, do que quantos kilometros, ou quanto tempo, ou quão alto eu vou chegar. Fazer lanchinho no meio da floresta é muito legal. Eu adoro picnics. Fiz vários na Villa Borghese enquanto estava em Roma, e tentei fazer alguns em Provence (mas a audiência não contribuiu). Acho picnic um estilo de vida. Me trás uma nostalgia dos tempos de pré-escola. Quando eu abria minha lancheira e vinha o cheiro do suco de laranja. A descoberta do lanche que minha mãe tinha separado para a tarde. (Lembro tão bem da minha lancheira de infância! Era amarela e vermelha, com o desenho de uma formiguinha. Tinha uma menina na sala ao lado com uma lancheira idêntica. Às vezes a gente acabava trocando os lanches por engano.) Aqui na Suíça tenho me perdido pelas trilhas todos os dias. Memos hoje que o tempo virou. Amanheceu com uma chuva gostosa de ficar na cama, mas eu levantei mesmo assim. Me joguei nas montanhas. O Matterhorn estava todo escondido. Embaixo de nuvens. Mudei meus planos no meio do caminho. Eu ia fazer uma trilha mais panorâmica. Com vista para os 38 picos com mais de 4000m da região. Mas com a neblina que não deixava ver um palmo a frente, me mantive na altura dos 2500m. Entrei por uma trilha de mata, cheia de pinheiros. E almocei sentada em um banco com esquilinhos brincando de pega-pega a minha volta. Voltei para a cidade no meio da tarde. Um pouco mais cedo por causa da chuva. Fiz macarrão com champignon e molho rosé (só porque champignon é bem barato por aqui), capuccino e chocolate. Lavei minhas roupas. Fiquei duas horas fazendo planos com a Cí no skype. A gente deu tanta risada, que tinha gente aqui do lado na sala do hostel dando risada junto, sem entender nada. Só porque a risada estava gostosa de se dar. Eu gosto quando minha alma se envereda por essas searas. Quando a vida fica simples e bonita. Hoje, no meio da montanha, eu olhei para o céu e sorri. Agradeci. Agradeci. Agradeci. Falei bem alto (porque não tinha ninguém por perto e eu não corria o risco de passar vergonha) “Obrigada astral! Obrigada! Eu quero assim! Eu quero assim!”.

2 comentários:

Anônimo disse...

Boa lembrança, a dos piqueniques. Lembro-me de uma vez em que fomos de trem para Paranapiacaba e descemos a pé até Itanhaém. Uma longa caminhada, que fazíamos de tênis e lanche na mochila. Havia no caminho uma ponte, de madeira e corda, que balançava sobre um riacho quando a atravessávamos. E eu descia fazendo contas de cabeça, 1, 2, 4, 8, 16, 32, até algumas centenas de milhares, algo que sei fazer até hoje, já nem sei se de cálculo ou se de memória. Hoje me equilibro entre os hábitos saudáveis e a boêmia adquirida, longe de pensar em abandoná-los ou me abandonar aos extremos. Um equilíbrio tênue: tenho poucos companheiros de caminhada e muitos companheiros de bar.

Ana Carolina Avilez disse...

Voltei no tempo agora :)
"Olha a alga mineral é um real" "Olha o muranguetes, chocolate com recheio de morango" hahaha!! Há quanto tempo que não me lembrava disso. Tudo isso passava-se dentro do trem, antes ou depois das fantásticas caminhadas...
Este foi um habito que nasceu no Senemby e que persiste na minha vida até hoje. Caminhar exaustivamente, com ou sem destino!!
E espero que isso continue nas nossas vidas por muito mais tempo!!
Sempre bom ler-te!! Já, já estas aqui comigo :)