quarta-feira, 8 de setembro de 2010

SLOW

Eu gosto de ficar confortável em algum lugar. Conforto é uma palavra que abrange muitas coisas. Às vezes é um sofá, imediatamente confotável. Às vezes é uma cama macia ou um chuveiro quente. Mas eu gosto da definição de confortável que envolve familiaridade, reconhecimento. Aquelas coisas que demoram tempo. Por mais que a minha ânsia de ver o mundo antes de morrer (ainda mais porque a gente nunca sabe quando isso vai acontecer) me faça ter vontade de sair como uma louca indo para o máximo de cidades que eu puder, eu estou firme e forte na minha veia de slow traveller. Esse é um conceito que surgiu há uns 10 anos atrás. Um movimento que foi contra a corrente dos “must see, must do” e começou a abdicar de ver o máximo para ver “ao máximo”. O idéia básica de slow travel é você parar algum tempo em algum lugar e se familiarizar com esse lugar, ao invés de pular como macaco de galho em galho. Quando você se propõe a fazer uma viagem e fica 2-3 noites em cada lugar, sua experiência vai ser muito mais de empacotar e desempacotar sua bagagem do que viver os lugares que você estiver visitando. Ano passado eu estava pulando como macaco em uma mochilada pelos Lençóis Maranhenses, Delta do Parnaíba e Jericoacoara. Quando cheguei em Jeri tinha planejado ficar apenas por 3 noites. Acabei ficando uma semana. Foi essa reduzida no ritmo que me permitiu conhecer muitas pessoas que realmente vivem e escolheram viver naquele lugar, participar de atividades com a comunidade, entender os conflitos sociais que acontecem por baixo do véu do turismo e fazer amigos que mantenho até hoje. Na verdade tive de sair fugida de Jericoacoara, jogando minha mochila na caçamba de um caminhão e gritando “Vai! Vai! Vai!”, senão acho que até hoje estava lá. O tempo vai trazendo um conforto familiar e daí qualquer lugar do mundo vira nossa casa. Zermatt começa a se desvendar agora. Algo que nunca teria acontecido se eu tivesse pegado o trem e ido embora há 3 noites atrás como era o programado. Já descobri as vilinhas nos morros onde moram a maioria dos trabalhadores da cidade. Pude assistir a invasão portuguesa que incomoda os locais. Portugueses adoram imigrar para Zermatt, e isso está virando um problema real para muitos dos cidadãos. Em uma sala de aula da escola pública, 50% dos alunos são portugueses. O profissional de educação que nasceu, se formou e foi preparado dentro de sua cultura e só fala alemão, precisa se adaptar a um impacto de hábitos, costumes, língua, que não deixa os suíços necessariamente felizes. Além disso estou tendo a oportunidade de mergulhar no universo dos alpinistas. Uma tribo toda própria com liguagem, estilo de vida e maneira de se relacionar bem particulares. É curioso poder compartilhar o que se passa na cabeça de pessoas que arriscam a própria vida pela ânsia de subir uma montanha. Chegar até lá em cima. Todos eles saem de manhã para escalar sabendo que podem não voltar. É uma forma bem louca de levar a vida. Mas quem é que disse que a gente tem certeza de que sempre vai voltar? Foram seis meses para entender que meu ritmo é mais lento. Tentei acelerar tantas vezes, me estapeei comigo mesma. Mas a tendência do corpo é sempre voltar para seu estado natural. Eu sou do tipo que gosta de raízes. Que mergulha para ver o fundo dos icebergs. Não gosto de arranhar a superfície. Não faz nem cosquinha! Então eu volto e me lembro da Francezca, minha professora de italiano lá atrás. “Piano, Piano, Piano”. Em toda minha vida sempre foi assim. Eu vou devagar. Na fábula de Esopo, eu sou a tartaruga. Sempre fui. Espero sempre ser.

Um comentário:

Anônimo disse...

O viajante apressado fotografa, exibe as fotos e conta onde esteve. E logo se pergunta onde foi que esteve. E volta a contar o que ainda lembra. E volta a viajar, quando já não lembra. E logo fotografa, logo exibe, e logo conta onde esteve. Escutando suas histórias, talvez ouvisse do cacique de Eduardo Galeano: "Você coça, e coça bastante, e coça muito bem. Mas onde você coça, não coça!”