segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

DOIS X

Ando pensando muito em como ser mulher é uma coisa definitiva. Não na questão óbvia e imutável dos dois cromossomos X. Mas em como sua vida está subordinada irremediavelmente a essa condição. Essa semana fiz exames ginecológicos de rotina, mamografia e fiquei menstruada. Isso significa uma série de procedimentos bem invasivos e pouco confortáveis. Meus seios foram achatados e massacrados em um aparelho enquanto eu gritava “Ui! Ui! Ui!”. E homem ainda reclama de exame de próstata. Só porque o médico precisa enfiar um dedo em algum lugar pouco confortável. Em mim enfiaram, além do dedo, um espéculo, dilataram, jogaram líquidos que ardiam, passaram gaze, recolheram secreções, tiraram fotos e filmaram. Depois foi a TPM. Os hormônios todos brincando de ping-pong com o meu humor. Eu comendo todo o chocolate possível e imaginável em um raio de 30Km. E agora vou ter de sangrar por uns dias e fingir que nada está acontecendo. Essas são questões biológicas. Básicas. Imutáveis. Fazem parte dos dois X no meu DNA. Tudo isso é chato mas faz parte. Tem uma função na roda da evolução. Está determinado desde que eu nasci, o médico bateu no meu bumbum, eu comecei a chorar e ele sentenciou “It´s a girl!”. A partir dali todo mundo sabia que seria assim. O que eu tenho pensado é no outro lado de ser mulher. No que não está determinado por cromossomos, mas ainda assim foi sentenciado no mesmo momento do tapa no bumbum. Tenho pensado em como a minha opinião vai ser sempre levemente subjugada por causa do tal cromossomo X. Como vão sempre me olhar com cara de espanto por eu viajar sozinha. Como eu vou sempre ser uma presa mais apetitosa para violência urbana. E as exigências estéticas da sociedade serão muito mais enfáticas. Como as decisões que eu tomar nessa fase da minha vida (casar, não casar. Ter filho, não ter filho. Fazer ginástica, não fazer ginástica. Etc...) são muito mais determinantes do que se eu tivesse um cromossomo Y. Essa semana tive uma reunião com um advogado que acabou de ter seu primeiro filho. Ele pediu para fazermos a reunião no café ao lado da casa dele, e lá estava ele com o bebezinho fofo de tudo enquanto discutíamos os procedimentos legais para a abertura da associação. O bebê chorou durante quase toda a reunião e por diversos momentos tivemos de fazer algumas pausas para ele ninar a criança. Claro que eu acho lindo pessoas com bebês, ainda mais os recém-nascidos. Nas mesas ao lado todo mundo olhava com ternura. Que louvável um homem fazendo papel de pai! Eu fiquei pensando. Se eu tiver um filho, e marcar uma reunião do lado de casa, e levar meu filho para a reunião. As pessoas vão achar louvável também? Será que vão enxergar como sinal de fraqueza? Será que vão achar apropriado? Será que a tolerância das mesas ao lado seria a mesma se meu filho começar a chorar? Não acho que o advogado esteja errado, pelo contrário. Acho que as mulheres deveriam poder fazer as mesmas coisas sem serem julgadas silenciosamente. Sem receberem olhares atravessados. Sem temerem pelos seus empregos. E se eu resolver não ter filhos agora, é algo que vai determinar o resto da minha vida. É uma escolha imutável. Eu não vou poder arrumar um cara de 30 quando eu tiver 56 anos e resolver engravidar. Não funciona do jeito inverso. E se eu ficar careca e barriguda, dificilmente isso será visto como sinal de seriedade e maturidade. As minhas relações românticas serão sempre regradas pela minha capacidade de me fazer levemente menos inteligente do que a pessoa com cromossomo Y que estiver ao meu lado. E mesmo eu sendo mais eficiente e produtiva, ainda será considerado futilidade os sapatos que eu compro. Mesmo que custem muito menos do que a motocicleta, o capacete e outros apetrechos dos hobbies dos cromossomos Y. Essas são apenas algumas coisas que foram determinadas quando o médico me deu um tapa na bunda e que não são naturais. Não são biológicas. Não são como TPM. Mas que é preciso lidar e de preferência de boca fechada. Não quero fazer apologia feminista aqui. Estou apenas refletindo e tentando entender. Porque tem coisas que eu sinto na pele, que nem consigo imaginar como mudar. Tem coisa que é biológica e eu não quero mudar. É como me imaginar sendo oriental ou negra. Não consigo. Mas todas as outras, que não estão em nenhum dos milhões de cromossomos do meu DNA. Essas são difíceis de entender.

Um comentário:

Anônimo disse...

Só pode fazer parte da estupidez masculina imaginar que os sapatos, o choro do bebê, a independência e a solitude valem o mesmo, com o sinal inverso, para o homem e a mulher. Talvez porque o incomode imaginar que uma mulher, quando quer, pode prescindir da existência masculina para se sentir bonita, querida, autônoma, feliz - ou viva.