Quando eu era pequena uma das minhas histórias favoritas era a do “Patinho Feio”. Não tanto pela transformação do pequeno e feio patinho em um lindo e elegante cisne (eu era pequena e não conseguia dizer “cisne”. Sempre dizia “cismine”). Mais pelo sentimento de inadequação do patinho que ia descobrir depois que estava na família errada. Eu entendia aquele patinho. Às vezes não era uma questão de ser feio, apenas de estar no ambiente errado. Talvez por isso eu tenha passado a minha vida procurando a minha turma. Há três semanas atrás eu assisti “Cisne Negro”. Três motivos para não perder esse filme nem se fosse sexta-feira, véspera de feriado, com tempestade na Rebouças: Ballet. Natalie Portman. Os figurinos. Ouvi algumas pessoas falando mal desse filme. Muitos homens. Talvez seja um filme feminino demais. Toda menina já quis ser uma bailarina. Já ensaiou passinhos na ponta dos dedos com os bracinhos levantados. Acho que toda menina em algum momento da vida se derreteu com um par de sapatilhas. Mesmo que hoje elas sejam Marc Jacobs e cheias de tachinhas. Existem coisas que só sendo mulher mesmo para entender. A gente passa vontade do nosso doce favorito só porque enxergamos coisas que ninguém mais enxerga no espelho. A gente esconde defeitos invisíveis embaixo da roupa. Passa uma cor de batom diferente para tentar ser outra pessoa. A pressão em ser perfeita. A disputa. A constante ameaça de nós mesmas. Como ser cisne em meio a patos? Faz três semanas que eu tenho pesadelos todas as noites com esse filme. E juro que durante o dia sinto as penas brotarem na minha pele. Coisa de louco mesmo! Uma parte da minha pele está com a mesma textura da personagem da Natalie Portman. Coça, enche de bolinhas. E eu escondo das pessoas durante o dia. Claro que é só uma alergia. Vou passar muita pomada e me entupir de Allegra e vai ficar tudo bem. Ainda assim, não consigo deixar de pensar que vou virar um cisne de verdade. Desde que voltei das viagens estou tentando virar cisne. Trabalhando 12 horas por dia tentando organizar o caos que a minha ex-assitente deixou o departamento. Tentando ganhar um pouco de peso para parar de ouvir as pessoas me chamarem de cadáver. Passando por um momento vegetariana. Procurando um apartamento perfeito. Tentando ser uma boa tia, uma boa filha, uma boa irmã. Tentando virar uma Bresson da fotografia. Fracassando retumbantemente em tudo isso. Me sentindo culpada por ter deixado o blog abandonado, por ter me afastado dos amigos, por não conseguir escrever um email decente para meus amigos além mar. Coçando o meu pulso embaixo da mesa para ver se sai alguma pena. A lista é infindável e eu sei. Só eu vejo. Ser perfeita é uma loucura. A gente nunca vai chegar lá. Nunca vai deixar de tentar também. Porque somos meninas, e meninas fazem essas coisas. Apesar da dor, da loucura, da crueldade, a gente espera um dia virar cisne. Acho que o segredo é aceitar que é assim e não fazer muito drama com isso. Eu continuo meditando todos os dias. Talvez isso me ajude a me afastar um pouco das cobranças. Talvez me ajude a ser uma pessoa melhor (IHHH! Mas isso também não faz parte da busca da perfeição? Ser desencanada, saber não se deixar levar pelas cobranças sociais também não é uma cobrança social hoje?). Eu sonho com cisne todas as noites. O que vai me trazer tudo isso? Talvez nada. Do mesmo jeito que não me traria nada a perfeição. De resto decidi. Vou voltar para o ballet. Jogar minha obsessão de perfeição em algo produtivo. E acho que já decidi também minha fantasia de Carnaval.
"...estou procurando, estou procurando. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi." (Clarice Lispector - Paixão Segundo GH)
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
CISMINE NEGRO
Quando eu era pequena uma das minhas histórias favoritas era a do “Patinho Feio”. Não tanto pela transformação do pequeno e feio patinho em um lindo e elegante cisne (eu era pequena e não conseguia dizer “cisne”. Sempre dizia “cismine”). Mais pelo sentimento de inadequação do patinho que ia descobrir depois que estava na família errada. Eu entendia aquele patinho. Às vezes não era uma questão de ser feio, apenas de estar no ambiente errado. Talvez por isso eu tenha passado a minha vida procurando a minha turma. Há três semanas atrás eu assisti “Cisne Negro”. Três motivos para não perder esse filme nem se fosse sexta-feira, véspera de feriado, com tempestade na Rebouças: Ballet. Natalie Portman. Os figurinos. Ouvi algumas pessoas falando mal desse filme. Muitos homens. Talvez seja um filme feminino demais. Toda menina já quis ser uma bailarina. Já ensaiou passinhos na ponta dos dedos com os bracinhos levantados. Acho que toda menina em algum momento da vida se derreteu com um par de sapatilhas. Mesmo que hoje elas sejam Marc Jacobs e cheias de tachinhas. Existem coisas que só sendo mulher mesmo para entender. A gente passa vontade do nosso doce favorito só porque enxergamos coisas que ninguém mais enxerga no espelho. A gente esconde defeitos invisíveis embaixo da roupa. Passa uma cor de batom diferente para tentar ser outra pessoa. A pressão em ser perfeita. A disputa. A constante ameaça de nós mesmas. Como ser cisne em meio a patos? Faz três semanas que eu tenho pesadelos todas as noites com esse filme. E juro que durante o dia sinto as penas brotarem na minha pele. Coisa de louco mesmo! Uma parte da minha pele está com a mesma textura da personagem da Natalie Portman. Coça, enche de bolinhas. E eu escondo das pessoas durante o dia. Claro que é só uma alergia. Vou passar muita pomada e me entupir de Allegra e vai ficar tudo bem. Ainda assim, não consigo deixar de pensar que vou virar um cisne de verdade. Desde que voltei das viagens estou tentando virar cisne. Trabalhando 12 horas por dia tentando organizar o caos que a minha ex-assitente deixou o departamento. Tentando ganhar um pouco de peso para parar de ouvir as pessoas me chamarem de cadáver. Passando por um momento vegetariana. Procurando um apartamento perfeito. Tentando ser uma boa tia, uma boa filha, uma boa irmã. Tentando virar uma Bresson da fotografia. Fracassando retumbantemente em tudo isso. Me sentindo culpada por ter deixado o blog abandonado, por ter me afastado dos amigos, por não conseguir escrever um email decente para meus amigos além mar. Coçando o meu pulso embaixo da mesa para ver se sai alguma pena. A lista é infindável e eu sei. Só eu vejo. Ser perfeita é uma loucura. A gente nunca vai chegar lá. Nunca vai deixar de tentar também. Porque somos meninas, e meninas fazem essas coisas. Apesar da dor, da loucura, da crueldade, a gente espera um dia virar cisne. Acho que o segredo é aceitar que é assim e não fazer muito drama com isso. Eu continuo meditando todos os dias. Talvez isso me ajude a me afastar um pouco das cobranças. Talvez me ajude a ser uma pessoa melhor (IHHH! Mas isso também não faz parte da busca da perfeição? Ser desencanada, saber não se deixar levar pelas cobranças sociais também não é uma cobrança social hoje?). Eu sonho com cisne todas as noites. O que vai me trazer tudo isso? Talvez nada. Do mesmo jeito que não me traria nada a perfeição. De resto decidi. Vou voltar para o ballet. Jogar minha obsessão de perfeição em algo produtivo. E acho que já decidi também minha fantasia de Carnaval.
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