Faz um ano que eu voltei da minha jornada a todos os lugares (e a lugar nenhum), e mesmo considerando que pouco tempo depois teve a Guatemala porque eu não estava sabendo voltar direito, e eu realmente só sinta que tenha voltado a partir de fevereiro, é meio inevitável não pensar e refletir nesse meu trajeto de volta para casa. Nas coisas que eu fiz durante esse ano. Em como eu tenho reconstruído minha vida.
Se secretamente eu tenha a sensação de estar tomando (e de ter tomado) muitas decisões erradas, isso é algo totalmente subjetivo que pode ser questionado (e, vamos combinar, eu costumo mudar minhas opiniões com a cara de pau de um político em campanha). Mas uma coisa que venho me questionando, e de fato tem me incomodado muito, é a pergunta que fiz no meu último post. Quando foi que a vida ficou tão complicada?
Sou da opinião que a vida não é complicada. Quem complica somos nós. É pessoal e intransferível. Então tenho me questionado isso. Quando foi que EU deixei a vida tão complicada? Há um ano atrás tudo o que eu tinha era um punhado de roupas encaixotadas (que fui descobrir mais tarde que metade não me serviam mais), e um outro tanto de livros. Era só. Passei um ano da minha vida carregando 17Kg em uma mochila em que se resumia tudo o que eu precisava. Até que era muito e por diversas vezes fiz rapas homéricos. Calças, blusas, livros, cremes. Existem partes de mim espalhadas numa pá de hostels europeus. Agora me explica, como foi que em tão pouco tempo eu consegui terminar com uma agenda lotada e sacrificante, sete débitos automáticos diferentes, despertado, 2 suplementos vitamínicos, dois cartões de crédito, um carro, uma bicicleta procrastinada, um curso, um MBA, uma empresa, um sócio, uma assistente, uma faxineira, oito clientes, alguns amigos (na maioria com contatos estritamente virtuais) e nenhum namorado. Me explica! Como pode 17Kg se transformarem em tudo isso tão rápido. O que eu concluí é que eu me deixei contaminar por tudo aquilo que eu fugi quando eu resolvi ir. Então eu comecei um movimento de simplificar minha vida. De abrir mão de alguns luxos e serviços que nós temos como essenciais aqui no Brasil. Resolvi fazer uma rapa e largar um monte de coisa no armário do hostel.
Agora eu estou levando uma vida mais à européia. Onde as responsabilidades pelo meu padrão de vida estão mais relacionadas às coisas que eu faço do que às pessoas que eu contrato. Primeira coisa que eu fiz foi suspender a faxineira. Luxo. Luxo, sim senhora. Elas são maravilhosas, é verdade, mas é um luxo contratar alguém para limpar sua casa. Coisa típica de país de primeiro mundo. Meus amigos europeus arregaçam a manga e passam seu próprio aspirador de pó. Acho bem honrado. Lógico que isso não quer dizer que minha casa vai ficar aquele “primor de limpeza” europeu. Afinal mora uma Monica Geller dentro de mim. Então eu tenho me divertido em limpar minha casa semanalmente, lavar roupas. Lavar a louça que sempre foi uma tortura chinesa, acabou virando um hábito. Passar roupas apenas que era um grande problema. Nunca sabia como fazer nem por onde começar. Agora aprendi. Ligo a TV no horário da minha série favorita, coloca a tábua em frente e mando bala. Outra coisa milagrosa que eu descobri foi o “ferro a vapor”. Invenção de gênio!!! Já viram um desses? Sério! Isso precisa ser divulgado em larga escala, devia receber incentivos fiscais do governo. Eu defendo o direito de toda dona de casa ter um ferro a vapor! Acredite em mim. Faz toda a diferença, principalmente com camisas (mesma com as de algodão egípicio tão fáceis de passar).
Outra coisa que eu fiz (mas já desisti) foi começar a cozinhar mais em casa. Mas daí existe um problema técnico da completa imperícia da cozinheira aqui. Depois de destruir diversos ingredientes maravilhosos, promover um descarte de comida que fariam ativistas africanos se contorcerem e minha professora de catecismo me garantir o inferno, resolvi que é muito mais prático manter opções básicas de lanche na geladeira e comer em pequenos restaurantes caseiros. Como fazem tantos europeus. Só não consigo abrir mão de uma das refeições principais como tantos deles.
No quesito locomoção estou fazendo uma coisa inédita para mim em São Paulo, mas que fazia tanto em todas as cidades que passei. Tenho usado transporte público sempre que posso. Vou te contar! O metrô de São Paulo é fantástico! Estou adorando essa nova linha amarela. Acho confortável, rápido. Comprei até um Bilhete Único. Me sinto européia de verdade quando uso, ainda mais porque não acho que o valor do transporte público seja muito acessível para a realidade brasileira. Assim como o valor do transporte público europeu. Rá! Verdade que falta ainda muita estrutura (e eu vou começar uma campanha por uma Estação Benedito Calixto em breve), mas é uma sensação muito boa a de usufruir de algo que é feito para o coletivo e pensar que estou fazendo minha locomoção mais sustentável. Sei lá, não é grande coisa. Mas é alguma coisa.
Também cancelei a assinatura do jornal. Vamos combinar que quase nunca tenho tempo de ler o jornal. Daí rola uma culpa quando não leio... Então ficou assim. Dia que deu vontade de ler, levanta a bunda e atravessa a rua para comprar na banca. Ponto.
Ainda tenho bastante coisa para transformar, é verdade. Preciso aprender a vencer meu recente vício virtual e encontrar mais pessoas de carne e osso. Preciso me concentrar mais na meditação, controlar mais meu temperamento, parar de estourar com tudo e todos, aproveitar mais os eventos culturais da cidade, aproveitar mais as áreas públicas da cidade. E juro que ainda esse ano faço um picnic no parque. Mesmo que todo mundo me olhe como se eu fosse farofeira. O dia que você sente taquicardia porque discutiu com o técnico da TV a cabo, e não se conforma que por causa dele não conseguiu gravar a estréia da nova temporada de uma série de TV machista e sexista, é porque você deu prioridade para coisas que pesam muito na mochila. O segredo, amiguinho, é manter a mochila leve. Com a mochila pesada, você não consegue sair da estação. Meio européia, meio paulistana, meio brasileira... não importa. O segredo é manter a mochila leve.
Um comentário:
Texto gostoso, Adri. Mais Dri R., e nada D. Ando nesse pique-esconde contigo, escrevo, quero o projeto, você sugere e eu calo. Querendo esvaziar a mochila também. Me ajuda?
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