Vamos falar a verdade. Não é clichê não. Dez entre dez solteiros que moram sozinhos têm em seu maior pesadelo morrer sozinho e ser encontrado dias depois semi-comido pelos cachorros. Ninguém está falando da lógica racional de que eu nem cachorro tenho. E caso algo assim aconteça eu espero que a Holly não coma metade do meu rosto e confio fielmente na Jô em chamar ajuda quando chegar para trabalhar na segunda de manhã. A única diferença é a espécie animal e o tempo que vão demorar para encontrar o corpo. O medo continua o mesmo. No geral eu gosto da solidão. Busquei isso na minha vida. Gosto do silêncio, da rotina. De fazer as coisas que eu gosto sem negociar. Sem depender de ninguém. Mas existem os momentos que a gente sente falta de ter alguém por perto. Na hora da pizza sábado à noite. No frio embaixo do edredon. Naquele dia que foi estressante e dá vontade de abrir uma cerveja e conversar com alguém. Verdade que existem amigos para isso. Os meus faz tempo que não estão disponíveis. Ainda assim, amigo tem uma obrigação mais social. Inclui um programa, um compromisso. Telefonemas e combinações. Por mais íntimos que sejam, não correspondem à necessidade que a gente sente às vezes de estar junto. Tô falando daquela coisa família. Daquela companhia incondicional, que está ali porque vive ali. E da qual fazemos tanto parte da vida, quanto eles das nossas. Hoje cedo tinha planejado um domingão bem solitário. Tava um dia lindo de Sol, eu ia fazer um café gostoso em casa, ler o jornal e ouvir Rachmaninov. Depois pegar a bike e pedalar até o Ibirapuera. Adoro assistir às pessoas no Ibirapuera. Tomar água de côco. Voltar para casa, escrever. À tarde eu ia ao retiro no Centro Kadampa e, dependendo do pique no final do dia, assistir Cosmópolis porque todo mundo andou falando desse filme. Só que logo no “café da manhã gostoso”, fiz uma tapioca, capuccino na Nespresso, esquentei um ovo e... não é que ele explodiu no meu rosto. Quente. Fervendo. Bem na hora que eu colocava a cara em cima dele, pronta para jogar sal e comer. Foi uma explosão e tanto. Holly desapareceu de susto embaixo do sofá pelo resto do dia. Eu olhava em volta, a cozinha coberta de casca e ovo por todos os lado, e meu olho doía muito. Pensei: “Ceguei”. À lá Saramago. Mas não. Dramática. Corri para lavar o rosto e quando olhei no espelho lá estava, meu olho esquerdo todo queimado e vermelho. Então foi nessa hora, nesse momento, que eu me dei conta: Preciso arrumar um namorado! Porque essa é a típica situação em que você precisa correr para um hospital. Você vai largar a cozinha coberta de ovo, trocar de roupa apenas e correr para um pronto socorro (ou para a fila de transplante de córneas). Hoje de manhã senti muita falta de ter alguém que segure a minha mão. Que me diga que eu não vou precisar usar um tapa-olho, e nem vou precisar de cirurgia plástica. E que também eu não vou ficar com o rosto manchado para o resto da vida. É lógico que eu sei que nada disso iria acontecer. A dor era suportável e eu conseguia enxergar meu rosto no espelho, mas não existe nada mais solitário do que dar entrada no pronto socorro em um domingo de manhã. Começa assim, você vai para o pronto socorro sozinha, e quando menos se dá conta não tem ninguém no seu enterro e a única pessoa que chora é a carpideira do plano da funerária. A situação é preocupante, minha gente. Não é tanto pelos momentos que a gente vive, mas a solidão que existe no momento em que se morre. Ninguém deveria morrer sozinho. Não deveria, mas a gente sabe que vai. No meu caso, como não estava morrendo nem com cachorros devorando meu corpo, resolvi ligar para o K porque ele sempre me salva. Acabei com o domingo dele. Dirigiu até o hospital, me disse que eu não ia precisar de um tapa-olho e nem ficar com o rosto deformado. Depois de eu ganhar uma pomada e um encaminhamento para um oftalmologista, voltamos para casa. K, que tem mais fobia de relacionamentos do que eu, me confessou que não gostaria de morar sozinho. Se não fosse a mãe moraria com um amigo, mas não moraria sozinho. Falei que tenho sentido vontade de adotar uma criança. Ou de arrumar um namorado (embora em alguns casos isso seja praticamente a mesma coisa). K me disse que achava mais fácil adotar uma criança do que morar com alguém. Não sei. Cada um sabe onde o sapato aperta. Talvez eu esteja amadurecendo. Deixando de lado um pouco essa ideia de autonomia absoluta. Talvez eu resolva baixar a guarda, assumir que eu preciso das pessoas. Deixar me envolver em um relacionamento outra vez. Ou eu sempre posso transformar a gata em vegetariana e ensiná-la a discar 190 para pedir ajuda.
Um comentário:
Adoraria tomar um café contigo e discutir sobre Radiohead, gatos e budismo. rs Já está convidada. Beijos e Força! Edward Bloom.
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