sábado, 30 de janeiro de 2010

LIMITES

Quando eu era mais nova detestava essa palavra. Como boa filha de pedagoga, cresci ouvindo que criança precisa de limites. A gente sabe que isso é verdade. Que a principal razão de termos hoje adultos tão inseguros, irresponsáveis e homens tão confusos com os próprios sentimentos (vai me dizer que você nunca saiu com um cara com problemas de comprometimento???), foram pais que forneceram infâncias libertárias e permissivas. Descarregaram toda a culpa (e nem vamos discutir culpa porque isso é um buraco negro) em uma criação inconstante e que originou hordas de adultos de caráter falho. Acho que é normal manifestar rebeldia contra qualquer tipo de limite na adolescência. É por isso mesmo que existe essa fase horrorosa no desenvolvimento humano. Mas nada de desculpas quando se atinge o mínimo de maturidade. Gente que chega aos 30 dizendo que “não gosta de se limitar”, “quer deixar várias opções em aberto” precisam abandonar a adolescência porque o sinal do recreio já bateu há muito tempo. (Curiosamente essas são as mesmas pessoas que passam a vida fazendo sempre as mesmas coisas. Bebendo nas mesmas baladas. Se relacionando com as mesmas pessoas. Com péssimos hábitos alimentares e sempre mantém relacionamentos superficiais e promíscuos) A grande descoberta dos limites com a maturidade é o quão libertadores eles podem ser. Parece que não faz sentido, mas faz. Durante minha formação em teatro tive muitas aulas de expressão corporal. Em um dos semestres do curso meu grupo foi designado a uma nova professora que trabalhava com a técnica de Klaus Vianna. Até então eu estava acostumada mais com técnicas, digamos, libertárias. Rolávamos no chão, bufávamos, nos contorcíamos aleatoriamente. Resquícios de uma arte que se recusa a sair dos anos 70. Então essa professora entra na sala propondo exercícios que limitavam nossos movimentos. “Vocês vão andar usando apenas os calcanhares”. “Vão se levantar do chão usando 5 movimentos”. E por aí foi destrinchando nossos corpos e nossos movimentos, nos obrigando a repensar a maneira como estavam habituados a se mover. No início detestei as aulas. Ficar repetindo infinitas vezes partituras corporais me fazia sentir presa, tolhida. Mas assim que apliquei esses exercícios na composição de uma personagem, no palco, percebi que eu estava me libertando para uma cartela de possibilidades que os meus hábitos corporais não me permitiam enxergar. Limitar meus movimentos a algumas regras pré-estabelecidas me obrigou a desafiar minha zona de conforto e ampliou minha percepção de movimento. Desde então passei a me relacionar com os limites de uma maneira completamente diferente. Acho que são bênçãos. Essenciais ao processo criativo. Minha professora de texto, a tão generosa Noemi Jaffe, sempre coloca algumas restrições para nossos exercícios de narrativa. “Escreva um texto de 30 linhas com no máximo 5 adjetivos”, “Que possua 3 aliterações”, “Sem utilizar o verbo Ser em qualquer conjugação”. Cada vez que nos impomos alguma limitação somos obrigados a buscar alternativas para dizer a mesma coisa de uma maneira diferente, e assim alcançamos uma produção mais sofisticada, diversa e autoconsciente. Antagonicamente, as possibilidade ficam ilimitadas. Com a maturidade também enfrentamos vários outros tipos de limitações que se tornam libertadoras. A idade limitou a capacidade do meu corpo de processar álcool, então eu fui obrigada a descobrir todo um novo leque de opções para me ocupar à noite e substituir meus hábitos boêmios. O que me permitiu descobrir hábitos diurnos que eu não tinha, e uma qualidade de vida que eu não conhecia. O corpo é excelente para nos impor limites. Outro exemplo é meu pulmão, que depois de três internações seguidas por pneumonia, resolveu se revelar asmático. (Parece que tenho brônquios menores dos das pessoas normais.) E eu fui obrigada a andar com uma bombinha na bolsa, vigiar minhas alergias e (depois de muita resistência) parar de fumar, o que me abriu um mundo todo novo de sensações, cheiros, gostos e percepções do meu próprio corpo. O que eu quero dizer é que, sempre que nos deparamos com um limite, somos obrigados a contornar o caminho. Pensar em uma nova direção a seguir. Desligar o piloto automático e tomar nas mãos a direção. E isso vale para relacionamentos também. Acho importante limitar a influência dos outros sobre nós. Quando nos limitamos ao nosso espaço interior de silêncio, descobrimos uma maneira muito mais generosa e ampla de enxergarmos os outros e a nós. Sempre que me sinto constrangida, ameaçada ou impelida por outra pessoa, paro e digo para mim mesma: “É ela, não sou eu.” Existem bilhões de pessoas no mundo, e se deixarmos que todas elas tenham uma opinião sobre nós ficaremos estagnados e perdidos, sem sair do lugar. Escolha uma única pessoa para influenciar a sua vida. Limite essa opção a uma única pessoa. Uma pessoa que tenha todos os dados para emitir uma opinião razoável sobre o que pode te fazer realmente feliz (caso não tenha entendido só existe uma pessoa assim e é você!). Atenha-se a influência dessa única pessoa, e você vai ver como um mundo completamente diferente vai se abrir a sua frente. Diversos obstáculos serão desobstruídos, e você vai poder explorar tudo o que há por trás deles. Eu sei que não é fácil, que não é como apertar um botãozinho e mudar a configuração do Windows. Mas, assim como nas aulas corporais de Klaus Vianna, crie uma “partitura” e fique repetindo várias vezes. A tendência do corpo é voltar para o hábito. A prática cria um novo hábito.

Um comentário:

Anônimo disse...

Um clássico da alienação: invejar o jardim do vizinho e perguntar o que devemos cultivar no nosso. Para não ter que pensar e muito menos buscar.