sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

PEQUENO TOUR PELO SAARA – PARTE 1

Já que ontem foi um dia inútil – e teria sido o mais inútil dos inúteis, se eu não tivesse conseguido pelo menos fazer as unhas da mão à tarde – resolvi implantar uma estratégia de guerrilha para conseguir realizar meus compromissos dentro do caos que tem estado São Paulo no último mês. A idéia é, acordar cedo, fazer tudo o que puder no menor número de lugares possíveis e voltar para casa até às 16h, antes da chuva. Madruguei às 6h e, ao contrário do habitual, não apertei o Snooze quinze vezes. Li jornal, assisti jornal. Trabalhei, telefonei, arrumei papeizinhos, arrumei a cama, me arrumei. Banho, escova, maquiagem. Uma roupa que me fizesse parecer uma mãe bem sucedida, feliz e confiável para o teste que tinha de manhã. Pra variar, eu e meu delírio de Stepford Wife. Então às 9h40 começa a brincadeira. Desço na garagem do prédio e um dos meus pneus está no chão. Ok. Meu pai era uma pessoa horrível e me obrigava treinar trocar pneus dos carros na garagem de casa, então teoricamente eu tenho um treinamento bem traumatizante para a situação. Pensei em subir com o carro até o posto de gasolina ao lado do prédio, mas o pneu estava no chão-no chão mesmo. Chamar o zelador? Nem! Detesto a cara de donzela indefesa com que os homens nos olham quando pedimos ajuda para trocar o pneu. Já estava atrasada, e não seria a primeira vez que eu faria isso sem descer do salto. Lá vou eu trocar pneu do carro, pular em cima da chave para desafrouxar os parafusos, empurrar estepe, rezar para o macaco ficar firme durante a operação. Quando eu já estou pingando em bicas, a franja ensopada e o restante do cabelo parecendo um cogumelo descabelado, aparece aquele vizinho que eu venho paquerando no elevador desde que mudei. Lindo e perfumadinho saindo do elevador. Se oferece para ajudar, mas já estou quase terminando, então eu bufo (denunciando todo meu sedentarismo dos últimos meses) e agradeço, e tento não parecer tão derrotada pelo pneu. Ele insiste, e eu falo algumas coisas desconexas e bobas que me fazem sentir no colegial falando com o gato da escola. Ele vai embora e eu fico juntando o resto das peças e socando tudo no porta-malas. Quando enfim apoio o carro no chão, percebo que o estepe também está murcho. Penso em subir para casa novamente e refazer o banho, a escova, a maquiagem; mas não tenho tempo e ainda tenho de passar no posto ao lado do prédio para calibrar o estepe, e em uma borracharia (antes que o pneu que eu coloquei se desprenda e saia rolando pelo meio da Paulista). Depois de tudo resolvido e alguns longos minutos torrando no trânsito para fazer um caminho ridiculamente curto, chego ao teste na Vila Mariana. Só um parênteses, eu gosto de fazer publicidade. É rápido, fácil, não me atrapalha em escrever, consigo me manter anônima, dá dinheiro, não ocupa quase nada do meu tempo. Não faço mais nem um quinto do que costumava a fazer, mas de vez em quando topo fazer algum teste que tenha um roteiro legal ou que seja discreto (ou seja, vai passar só no Centro-Oeste ou na Guatemala), que não vai divulgar muito minha imagem, e que tenha um cachet legal. Encaro como um extra, não como profissão ou “trabalho-trabalho”. Mas mesmo com esse desprendimento todo, existem alguns dias que sinto vergonha de fazer isso. Fico realmente constrangida (talvez a organização social de um teste de casting mereça um post todo seu um dia). Vocês vão entender por quê. Bom, eu chego ao teste, pego minha ficha, preencho, sorrio, faço a fofa e corro para o banheiro tentar me recompor, lavar minhas mãos que estavam pretas de pneu, e quando olho no espelho tem uma marca preta de fuligem gigante no meu queixo. Me lavo umas vinte vezes, reaplico protetor solar e vou para a sala de maquiagem. A maquiadora mal passa um pincel com pó no meu rosto, e enche meu cabelo com spray, então eu vou para o teste parecendo um guaxinim, com olheiras bem aparentes e o cabelo lambido de lado parecendo um capacete. O teste é um daqueles comerciais cretinos, mas que alguém escreveu e achou que pudesse ser genial. Então eu sou uma dona de casa muito feliz, que chega em casa com as comprar do supermercado. Enquanto eu arrumo as compras, um passarinho bate na janela e eu olho surpresa para ele. Certo? Não dá para inventar muito em cima disso. Mas em publicidade eles adoram tratar tudo como se fosse uma refilmagem quadro a quadro da Escadaria de Odessa (aliás, eles têm certeza de que a importância histórica será a mesma), e a diretora me pede para fazer uns 3 tipos diferentes de “surpresa” ao ver o tal do passarinho, em diferentes intensidades, e depois algumas versões sorrindo para o passarinho. E lá vou eu imaginar que um passarinho está me chamando na janela, e eu fico sorrindo para um pedaço de folha de papel pregado com fita crepe em um tripé, e a diretora fala coisas como “Agora o subtexto é: Que gracinha!”, “Vamos fazer uma ‘surpresa casual’”, “Eu quero que você tire as frutas de modo orgânico”, “Agora olha para o passarinho e fica olhando pra ele”. Eu saí do estúdio com a certeza de que fiz um dos piores testes da minha vida, e me odiando por ter me submetido a esse mico. Voltei para a estufa em que meu carro se transforma quando eu o uso, e enfrentei meia hora de trânsito infernal até chegar a um Shopping e comer alguma coisa. Com o calor, a demora, as buzinas e minha hipoglicemia, eu estava quase desmaiando no meio da Avenida Brasil. Imagina que legal? Passando depois no Jornal da Globo: “Após tempestade de ontem, e no dia mais quente de fevereiro nos últimos 150 anos, trânsito fica inviável depois que mulher desmaia na direção causando acidente e congestionamento eterno.”


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