Ninguém vem para a África do Sul e sai daqui sem tomar um bom vinho. A primeira vez que provei um vinho sul-africano foi há uns 10 anos atrás, em uma confraternização das meninas da FAAP em que todo mundo ficou bêbada. Tipo de cair. A balada começou comum jantar comportado no BOP (que depois virou Studio SP e depois virou sei lá o que, porque não saio mais à noite) e acabou no extinto Massivo (Nossa, tô tão denunciando idade com essa abertura de post...) e tudo o que eu lembro é da gente comemorando e erguendo os braços toda vez que alguém lembrava do rótulo do vinho. “Vinho de oncinha, UHUUUUU!!!”. O rótulo tinha estampa étnica e eu procurei várias vezes por esse vinho novamente e nunca achei. Talvez porque a natureza é sábia e nunca mais vai me permitir repetir o tal episódio. Tenho certeza que perdi uns 500 pontos orgulho pessoal naquela noite. (Orgulho? É de comer?) Então eu já sabia que aqui era um lugar para se considerar os vinhos. E também que eles têm uma uva própria, o Pinotage (um híbrido de Pinot Noir com outra que esqueci o nome, mas termina com “age”). Fiz várias pesquisas sobre tours para fazer degustação, mas não tinha achado nenhum que tivesse me passado confiança. No geral são todos o mesmo preço (R850, algo em torno de R$210) e dizem fazer as mesmas coisas. Vi alguns por quase a metade do preço, mas fiquei com medo de acabar em um ônibus cheio de mochileiros de dreads e descartei logo de cara. You buy cheap, you got cheap. Aqui no hotel e o guia do transfer ficavam tentando empurrar tours para a gente, mas a coisa tinha tanta cara de roubada que meu instinto me faz ter vontade de sair correndo. Literalmente. Sabe quando você se imagina em um ônibus com outros 15 brasileiros fazendo piadas racistas e cantando Michél Teló? Então. Fora que tinha toda pinta de ser aquele tipo de degustação “CVC”: O cara pára o ônibus, desce a Caravana de Piracicaba, jogam meia dúzia de vinho tosco na nossa frente, a tia gorducha vai reclamar que não tem “vinho doce”, o povo vai comprar moscatel para comer com pizza, e ninguém vai falar nada sobre enologia. Tô fora! Sinto cheiro de roubada à distância. Tentei o Lonely Planet (sempre me ajuda, mas dessa vez foi nulo!), quase fechei com uma empresa que fazia tours nas vinículas em 4x4, mas então descobri a Wine Desk e a Ligia! Ligia é uma portuguesa da Ilha da Madeira (e sei lá porque nós só conversamos em inglês, fiquei pensando nisso hoje), que já trabalhou com a Board of Wine, foi professora, e resolveu usar seu conhecimento para ajudar as pessoas comuns a realmente conhecer o vinho sul-africano: abriu uma agência. Eles só fazem tours pequenos, com no máximo 7 pessoas. O guia é sempre um especialista em vinhos e os roteiros saem da mesmice do pacotão Stella Barros. Fiquei apaixonada na hora e, seguindo a recomendação dela, fizemos hoje um tour com degustação de brandy e chocolate ao final. Às 8h30 o guia veio nos buscar no hotel em uma Mercedes branca (tô falando que nasci para a primeira classe!!!). Sorte do dia um: como estamos em baixa estação éramos as únicas bookadas para o tour, então tivemos um tour particular! \o/. O guia, um senhor gentil, educadíssimo, chamado Dave. Apesar do forte sotaque inglês, ele jura que é sul-alfricano há 4 gerações. Manu estava de ressaca de ontem (ela ficou até depois na balada, eu canso logo e voltei para o hotel mais cedo) e foi dormindo no banco de trás. Eu fui na frente tagarelando igual uma matraca, falando sobre a cultura, a economia, contando piadas e me divertindo com Dave, enquanto ouvíamos música clássica. Dave também é um guia de hiking (Pois é rapazes! O tiozinho tem o maior fôlego e sobe mais montanha do que a galera com barriga de cerveja que eu conheço!) e conhece aquela região como a palma da mão. Me deu uma tristeza de pensar que não vou ter tempo de fazer nenhuma trilha se quer. A cidade é toda rodeada por montanhas e campos liiiindos! E existem diversas trilhas de hiking por todos os lados. Dava tranquilo para passar uma semana por aqui só subindo montanha.... - suspiro - A primeira parada foi na KWV, um monstro das vinículas do país. É na verdade uma cooperativa, então eles não produzem a própria uva. Compram de produtores selecionados. Colocaram um vídeo sobre a história do vinho em Cape Town, depois fizemos um tour pelas adegas. As instalações são lindas, impecáveis. A equipe de primeira, muito bem treinada, e o cheiro de madeira e uva curtida que se sente no ar é inebriante. Depois fomos para o bar onde Connie, uma senhora elegantíssima, nos recebeu para falar sobre os vinhos e oferecer a degustação. Foi ela que me ajudou na minha escolha. Fizemos a degustação “master”, só com os vinhos tops e premiados da casa. Provei dois brancos (um Chardonnay e um Viognier. Não sou super fã de brancos, mas gosto de Chardonnay. O outro achei meio enjoativo para tomar puro. Talvez com um queijo ou uma refeição. Depois provei três tintos. Um Pinotage, um Shiraz e um blend. O Shiraz fiquei completamente apaixonada. Foi de cara o melhor vinho do dia. Comprei duas garrafas! (Não comprei uma caixa porque eu destruí o limite do meu cartão de crédito em Miami). Depois fomos para a Kanonkop onde uma outra senhora elegantíssima nos serviu uma degustação só de Pinotage. (Essas mulheres que trabalham em vinículas são sempre tão elegantes, gentis e educadas. Elas se movem com suavidade e possuem gestos comedidos. É uma coisa inabalável! Queria tanto ser como elas e não esbarrar nos displays de demonstração só de tentar deixar minha coluna reta...) Comprei outra garrafa e uma caixa de isopor própria para levar o contrabando para casa. Depois paramos em uma outra vinícula , essa familiar (que não me lembro o nome porque já estava bêbada e tirei um cochilo no carro). Era uma fazenda linda, dessas de cenário de filme. Entre as montanhas, com bichinhos soltos e um mastiff gigante e fofo nos recebendo na porta. Dentro nos esperando tinha uma lareira deliciosa e um almoço caseiro preparado exclusivamente para nós. Sorte do dia dois: fez um dia lindo! O clima está frio, rola um cachecol na rua, mas com Sol e céu aberto. Comemos maravilhosamente no meio daquele cenário incrível. Para mim uma torta especial vegetariana, compotas, geléias, patês, salada, tudo feito ali na fazenda. Inclusive o pão e a manteiga! Degustamos alguns vinhos durante a refeição, nenhum memorável, mas a essa altura já não fazíamos muita questão mesmo. Depois tomamos café fresquinho e voltamos para a estrada para a última parada. A destilaria de brandy foi uma surpresa totalmente positiva. Não tomo brandy, não sou uma pessoa de destilados, mas acreditei em Lígia que a experiência era de surpreender até os mais céticos. Dito e feito. O lugar era um paraíso, elegante e sofisticado. Desses que você até se sente mais rica só de sentar no sofá. Um homem muito educado e descontraído já nos recebeu na porta com coqueteis na mão (Gosto disso! Aceito alguém me esperando em GRU sábado à tarde com um coquetel no portão de desembarque!). Ele sentou com a gente, explicou sobre a história da casa, o processo do brandy e a forma como eles produziam a bebida ali. (Brandy nada mais é do que um “vinho destilado”, vulgarmente conhecido como cognac. Só que os franceses são chatos e dizem que cognac só o produzido na região de Cognac. Então, meu filho, se você tomava um “Dreher” crente que era conhaque, tenho péssimas notícias para você...) Depois nos trouxe uma bandeja com três taças de brandy, três barras de chocolate e uma xícara de café. Explicou como deveríamos aquecer o brandy na mão, qual era o ritual para provar, e orientou qual chocolate deveria ser harmonizado com qual brandy. O resultado foi que a cada mordida de chocolate e gole de brandy, uma explosão de sabores e sentidos acontecia na minha boca. Eu tinha vontade de escorregar no sofá de couro e virar meus olhos fazendo gemidos como se estivesse tendo um orgasmo. Sabe aquela descoberta sensorial que você tem quando descobre um sabor novo? Quando você junta queijo e fruta pela primeira vez, ou descobre o sabor de mel e mostarda junto, ou curry com leite de coco? Essas misturas que fazem a comida e a bebida ficarem divinas? Então. Brandy e chocolate! Minha nova paixão. Voltamos flutuando para o hotel, onde caí na cama e pedi serviço de quarto fechando completamente os trabalhos do dia. Sorte do dia três: bom demais estar viva. ;-)
Dave, nosso super guia, assistindo Manu tentando descobrir as notas do vinho na KWV.
O paraíso onde a gente almoçou.
Eu, bancando a rica, tomando brandy. A foto está fora de foco para mostrar o estado da pessoa...
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