sábado, 23 de janeiro de 2010

OS MEUS TRINTA E POUCOS ANOS

Sempre que eu percebo que estou tendo a mesma conversa com pessoas diferentes, sento em frente ao teclado e tento definir o que está acontecendo. Não que eu esteja sendo repetitiva (isso eu também sou), mas geralmente é um sinal de que estamos todos passando pelas mesmas angústias, as mesmas incertezas; estamos todos na mesma fase, no mesmo momento. O momento, nesse caso, são os trinta e poucos anos. Ok, eu sei! Você vai dizer que é óbvio que eu e meus amigos estamos todos passando pelos trinta e poucos anos, porque curiosamente todos nós nascemos no meio dos anos 70 e considerar isso um fenômeno geracional é estúpido. Também. Mas não apenas isso. Acho que cada geração atinge os trinta e poucos de um jeito, e existem várias peculiaridades na minha geração que não a torna tão óbvia assim. Primeiro vou fazer um recorte nessa geração. Falar da parte que me interessa, e é a que eu posso falar com propriedade por me incluir nela. Vamos falar da geração de Classe Média Brasileira nascida no meio dos anos 70. Se você nasceu em 1976, por exemplo, como eu (variações de 3 anos para mais ou para menos são válidas) e seus pais não estavam exilados em algum país europeu, ou presos no DOPS, ou não cantavam a Internacional escondidos no banheiro, ou nem faziam parte do CCC; então você teve uma típica infância de classe média brasileira. Estudou em escolas particulares simples. Não eram as supra-sumo (essa, aliás, é uma gíria da época, não!?), mas eram as melhores que seus pais puderam pagar com o orçamento familiar. Você usava tênis Bamba ou Conguinha (eu usei Kichute também!). Tinha um vinil do Disco Baby, testemunhou a inauguração do SBT (que na época era TVS), tentou se inscrever na nave espacial do Domingo no Parque para ficar respondendo “SIMMMMMMM” ou “NÃÃÃÃÃOOOO” para o Silvio Santos e ganhar um par de tênis Montreal. Embora a geração Xuxa faça com que eu me sinta uma freira ressentida hoje em dia, não podemos esquecer que fomos criados pelo BOZO. O precursor dos apresentadores infantis cocaínômanos. Você queria a “tão sonhada bicicleta”. Sabia décor a letra de “We are the world”, a coreografia de “Thriller”, chorou quando assistiu “ET” no cinema e torcia para a turma do “AMAREEE-LOOO” no Bambalalão. Aos domingos, depois do almoço com macarronada e frango assado, a família entrava no banco de trás da Caravan e iam todos ver os aviões decolarem no Aeroporto de Congonhas. A gente tinha certeza de que no ano 2000 todo mundo ia morar como “Os Jetsons”. Fomos criados em uma sociedade de certa forma ingênua. Vimos a retomada da democracia, havia Guerra Fria, mercado interno fechado. Nós éramos crianças em um mundo bem controladinho. Chegamos à adolescência sem muitas ambições. Nossos pais de classe média só nos cobravam uma coisa: estudar. “Estudem que o futuro estará garantido.” E era exatamente o que fazíamos, apenas. Passamos nossas tardes assistindo “As Sete Caras do Dr. Lau” na Sessão da Tarde e comendo brigadeiro. Tínhamos acesso à educação privada que nos livraria de uma vida incerta reservada aos pobres desprivilegiados que só tinham as escolas públicas. Fizemos inglês, francês, espanhol (cursos de línguas em geral), aulas de piano, violão. Praticávamos algum esporte. Natação, Volley, Handbol, Futebol, Equitação, Ballet. Alguma coisa que justificasse a máxima “Corpo são, Mente sã”. Fomos para a Disney com a Stella Barros e a Tia Augusta, e votamos para Presidente aos 16 anos (o que não deu muito certo...) Você pode até dizer - Mas vocês não eram a geração Cara Pintada? - e eu vou te contar um segredo. A maioria só pintou a cara porque achava legal a minissérie da Globo Anos Rebeldes”. Uma outra parte só queria cabular aula e fumar maconha. Eu estava na casa da Carol passando trotes no telefone enquanto o Collor sofria o Impeachment. Naquela época os sociólogos não entendiam nada o que se passava, queriam colocar um rótulo de alguma forma naquela legião de adolescentes que não se definia. Chamaram-nos de “Geração X”. Porque não dava para saber o que esperar de nós, e embora fossemos muito inteligentes e articulados, não fazíamos nada com aquilo. Não tínhamos grandes ambições como os hippies, que queriam a paz no mundo, ou os yuppies, que queriam o primeiro milhão antes dos 30. Até o único líder que sinalizava minimamente como um símbolo do que nós éramos, enfiou uma espingarda na boca e deu um tiro. Acho que não dava para imaginar como seriam Kurt Cobain e o movimento grunge hoje em dia. Bom, nós entramos nos vinte e poucos anos da maneira que nossos pais de classe média nos ensinaram. Como estudantes. Ninguém era muito empreendedor. Escolhemos uma faculdade e estudamos. Ninguém tinha o sonho de alguma carreira específica, ambições de se realizar em determinada profissão. A maioria de nós escolheu a faculdade por eliminação, afinal, era só estudar que tudo daria certo. Escolhemos um assunto que nos parecia legal e tomamos cerveja no boteco mais perto do campus. Nossa geração pagou caro pela liberdade sexual dos anos 60-70. Perdemos a virgindade com camisinha. Vimos, muito novos, o Cazuza definhar com a AIDS. E por aprendermos a carregar a camisinha na bolsa, fizemos muito mais sexo do que nossos pais gostariam que tivéssemos feito. Algumas de nós ficaram grávidas sem querer. A maioria fez aborto. Nós nos formamos, arrumamos uns empregos que nos ocupavam. Gastamos nossos salários em bolsas, sapatos, roupas transadas e baladas. Alugamos apartamentos, alguns de nós até casaram. Outros se separaram. E houve aqueles que continuaram na casa dos pais (estava confortável!) Fizemos pós-gradução, mestrados. Fomos para a praia no verão. Até aprendemos a meditar! Nós tínhamos certeza de que a partir de então o mundo nos receberia. Faríamos uns projetos incríveis. Seríamos reconhecidos pelos nossos talentos. Sentaríamos nos finais de semana com nossos amigos também bem sucedidos e pediríamos pizza no domingo à noite. Então nós nos tornamos pessoas legais. Somos cultos, mas não levamos isso a sério, porque sabemos que poderíamos ser muito mais. Consumimos cultura pop, mas lemos os clássicos (Ok! Lemos alguns dos clássicos.). A gente continua assistindo Sessão da Tarde, porque nos falaram que no futuro tudo ia dar certo. Mas não deu. Quem consegue o emprego é o sobrinho do dono da empresa, que fez colegial no Santa Cruz junto com o filho do dono do Itaú. O repórter daquela revista de comportamento namora com a filha do Ministro. O patrocínio é sempre dado para o grupo de teatro da amante do político, ou para a filha do empresário. Não importa o quão incrível o seu projeto seja, as empresas vão apoiar o projeto do filho da atriz Global. A galeria sempre vai expor as fotografias do neto do desembargador. A garota de programa sem nenhuma consciência gramatical vai ganhar R$1 milhão em algum reality show. Porque a gente ficou no vácuo disso tudo. Não nascemos com o futuro garantido pela nossa linhagem, nem tivemos acesso a todas as mazelas que nos dignifiquem em rede nacional. Fazemos declaração de renda todos os anos e sabemos que 40% do nosso trabalho é pago em impostos que nunca usamos. Nossa educação foi privada, nosso transporte foi privado, nossa saúde foi privada. Nós conseguimos nos tornar uma geração inteira de cínicos insatisfeitos. Não vemos muito sentido na maneira como a sociedade está organizada. Não achamos que valha a pena fazer planejamento de carreira, networking. E torraríamos todo o prêmio da MegaSena em 15 dias, só porque não faz muito sentido guardar dinheiro. Ninguém quer galgar cargos em multinacional (mesmo porque, aqueles que galgaram, chegaram lá em cima e viram que não mudou nada, não resolveu nada na vida). Fomos mimados demais para bancar o self-made man agora. Também não queremos ser os “comedores” do pedaço. A gente SABE que pode fazer sexo como e quando quiser, e isso fez a promiscuidade perder a graça. Acho que o grande problema é que a gente estudou tanto, a gente leu tanto, que agora a gente SABE demais. A gente sabe que o circo todo é uma piada, e que ficar revoltadinha também é ridículo. A gente sabe que não existe fórmula mágica, e não adianta ter o carro X, a casa Y e o emprego Z, que a vida continua não fazendo muito sentido. Ninguém avisou a gente que seria assim. Que não dava para ter certeza de nada. Nós chegamos aos trinta e poucos e ninguém está satisfeito. A gente fica pensando se não seria melhor mudar de carreira, mudar de país. Tentar chacoalhar a vida um pouco para ver se a gente sente alguma coisa. A gente queria viajar para a Índia. Ganhar o Prêmio Nobel. Correr as 500 milhas de Indianápolis. Fazer o Tour de France. A gente fez tudo certinho e agora estamos em uma crise danada. Eu não sei se as outras gerações passaram por isso quando chegaram aos trinta e poucos, mas a minha geração está assim. Sem saber o que fazer. Não esperem grandes realizações da gente. Nada excepcional. Talvez os sociólogos estivessem certos. Nossa geração é um grande X. Algo me diz que ainda chegaremos aos quarenta e poucos sem saber o que esse X significa.

3 comentários:

ips disse...

Salut, Adriana ! Falou e disse. É justamente isso aí, com caravan e tudo privado. Até entender que público e pobre não são a mesma coisa e que fazer tudo certinho não dá em nada, muito água rolou. Gostei de reler você e ver que você assumiu no nome o talento nato: escritora. Mas atriz também você é. De rua. Legal. Jóia. Pensei que você não tinha entendido meus elogios sobre o teu último texto, e que se fosse isso seria talvez a síndrome da geração X falando mais alto. Eu adorei aquele texto da paulista chegando no Rio. D'ailleurs, como sempre! Vamo que vamo! Muito legal reler você !

Unknown disse...

Dri,
Texto fabuloso, sacada incrível... expressa sentimentos não só da sua geração, mas da próxima, que é a minha! Ou vai ver eu tô com a síndrome dos trinta e poucos antes dos trinta!

Anônimo disse...

Essa era minha vida e a vida dos meus colegas de escola, que hoje não são os meus amigos, porque a vida (tinha que e) saiu dos trilhos, e tivemos todos que procurar outras afinidades! De uma lucidez invejável, o texto é um pouco triste, confesso. Porque é triste sacar que perdemos nossas ilusões, sem ter nada à mão para por no lugar, além de mais uma garrafa.