terça-feira, 23 de março de 2010

LONDON

Tem um filme que eu amo, não apenas pela história mas por tudo o que ele me causou, o que ele representou na minha vida. E isso é uma coisa completamente particular. Não pela obra cinematográfica em si, mas por tudo que ele me disse no momento em que me disse. O filme é uma brincadeira com a vida e uma das melhores obras da minha escritora favorita: Virginia Woolf. Foi por ela que me descobri escritora de verdade. Como eu disse é uma coisa totalmente particular. Existe uma cena nesse filme em que ela pede para o marido para voltar para Londres. Pois, apesar de prejudicial para a saúde dela, era onde ela se sentia inteira, era onde ela era escritora. Assim que pisei em Londres eu entendi porque meus livros favoritos foram escritos nessa cidade. Não vou dizer que vi muito mais da cidade, mas a energia me impregnou todos os poros. Aqui a gentileza e a brutalidade convivem heterogeneamente. Para mim a essência de qualquer ser humano. Londres é humana até dizer chega, um caldeirão de tipos, histórias, personagens. Tenho vontade de chorar pelas esquinas. Sem nenhum motivo. Passo o tempo todo com vontade de escrever, e as palavras fluem, descarregam. Faz tudo parecer realmente fácil. Como se a humanidade finalmente fizesse sentido pela sua completa falta de sentido. Isa tem sido a melhor companhia que eu poderia pedir. Posso absorver o cotidiano sem que alguém fique berrando nos meus ouvidos “você precisa ir tal lugar”, ou “você precisa comer tal coisa”, ou “não acredito que você ainda não fez isso”. Logo no sábado ela me levou em um jantar na casa de um amigo dela. Um brasileiro que já está aqui há 10 anos, e haviam outros brasileiro com tanto tempo de estrada, um neo-zelandês e uma autralia-colombiana. Foi uma dessas noites mágicas em que há vinho, conversas maravilhosas, fotografias roubadas, comida incrível e madrugadas inesperadas. No dia seguinte ainda andamos por Camden que me pareceu meu novo lugar favorito para passeios aos domingos. Ontem aproveitamos a libra deliciosamente baixa e enlouquecemos na Primark da Oxford Street, mas depois entramos na Selfridges para ver de pertinho, babar e por a mão nas criações dos maiores artistas da atualidade (estou falando de Galliano, Marc Jacobs, Lagerfeld, Alexander McQueen… a turma toda!). Depois saímos de lá imaginando como seria legal ser milionária e ter um dia de Pretty Woman naquelas escadas rolantes e fomos comer um dos cookies mais indecentes que já tive a oportunidade de colocar na boca. Hoje me enfiei pela Chapel Market, descobrindo lojinhas, olhando as barracas da feira. Pessoas de todas as raças, todas misturadas. Grupos de adolescentes mulçumanas com a cabeça coberta. Indianos, paquistaneses, japoneses, negros. Ainda me surpreendo com a gentileza autêntica das pessoas. Aliás com a autenticidade toda das pessoas. É a palavra que mais me ocorre. Autenticidade. Londres é uma cidade de verdade. E quando eu já sorria para a garoa, já me mimetizava como quem nem mais sente o frio, a realidade veio correndo em minha direção e foi derrubada bem aos meus pés. Na verdade a razão de eu estar tão feliz com o meu cartão de crédito e aproveitando tanto a capacidade dos meus reais comprarem libras, é a mesma que fez aquele homem sair correndo de dentro do supermercado cheio de sacolas sem pagar. Eu só vi o homem correndo na minha direção. Típico biótipo inglês, branquelão, quase vermelho de tão loiro. Atrás dele um negão corpulento, pula e o agarra. Os dois caem bem aos meus pés. Bandejinhas de carne caem da sacola e são recolhidas por um ajudante latino com o uniforme do supermercado. O negão corpulento olha aflito para o homem, quase como quem implora ele mesmo por uma chance, e diz “What were you doing, man? You were trying to rob the market. Don´t do that. They will call the police. You will get in trouble. Why, man?” O homem foi levado para dentro do supermercado. Então por um instante todas as pessoas naquela quadra tiveram a crise estampada na cara. Por um rápido segundo. O cobertor é muito curto. Cobre-se a cabeça, mas expõe-se os pés. E todos voltaram para suas vidas individuais. Voltaram para seus milhões de rituais de gentilezas diárias. Andando pelo lado direito das escadas rolantes, dando passagem na porta do metro, se desculpando por esbarrarem em você nas calçadas. Um mundo de gentilezas que me faz pensar que talvez a Babel fosse antes de tudo uma civilização.

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