quarta-feira, 3 de março de 2010

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Segunda-feira comecei a me localizar no Porto. Viriato foi muito gentil e me levou para um tour a pé. A cidade toda é muito agradável para se passear a pé. Eu tenho a sensação de estar em um filme de época. O tempo todo. A arquitetura, as paisagens, os figurinos. O Porto é uma cidade extremamente charmosa. As esquinas se desdobram revelando cafés, padarias, lojinhas irresistíveis. O frio dá um tom mais especial, deixa o passeio mais agradável. Tem feito cerca de 10 graus durante o dia, mas as caminhadas ajudam a esquentar. Geralmente só sinto quando sento em algum lugar ao ar livre e o corpo esfria. A população portuguesa é bastante envelhecida. Por todas as ruas há velhinhos passeando, tomando chá, conversando em bancos de praças. Como a locomoção é muito fácil, tenho a impressão de ser uma ótima cidade para se envelhecer. Engraçado que o Porto é uma cidade litorânea e rodeada pelo Rio Douro. Então ouve-se gaivotas e uma abundância de ofertas marinhas nos restaurantes, embora a paisagem seja muito diferente da minha referência de cidade litorânea. Fui com Viriato até Vila Nova de Gaia, onde fica o galpão de seu grupo de teatro. Vila Nova de Gaia é uma das inúmeras cidadezinhas que rodeiam o Porto de forma cornubada. Tão próxima que fomos andando do centro até lá. Fica do outro lado do Rio Douro e é onde estão as vinículas do famoso Vinho do Porto. Todas à beira rio, possuem tours de degustação que vou fazer mais para frente. (Confesso que só liguei os pontos de que o “vinho do porto” é feito na “cidade do Porto” quando já estava aqui. A loirice é uma coisa que fica impregnada no cérebro pelo resto da vida!) O cenário teatral me pareceu muito próximo ao paulista, com as mesmas dificuldades. A diferença é que o universo em que eles estão inseridos é bem menor, então é possível uma expressividade maior. É bem diferente se destacar em uma cidade de 250 mil habitantes, e em uma de 18 milhões. Ainda assim a conclusão é a mesma. Um dos motivos de haverem tantos cafés, restaurantes e lugarzinhos para comer é que, apesar de o número da população oficial ser modesta, todas as pessoas dessas cidades vizinhas trabalham aqui e contruibuem para que o número de pessoas no centro durante o dia suba para perto dos 2 milhões de habitantes. Conheci o lugar onde Carol trabalha. Um clube privado muito antigo (e não o antigo a que temos referência no Brasil, mas antigo de verdade). Ela é a responsável pela biblioteca do lugar, que tem, entre outras raridades, a primeira edição de “Os Lusíadas” de Camões. (eu que sempre considerei a primeira edição de “Dom Casmurro” algo antigo...). À noite fomos ao supermercado e eu protagonizei uma cena de gargalhadas e saltinhos entre os corredores quando vi o preço do vinho. Basicamente E$3 pela mesma garrafa que no Brasil me custava R$65. Decidi que não me hidrato mais com água e estou convencida de que essas pessoas não são todas alcoólatras por uma mera predisposição genética. Em compensação um mamão papaya sai pela bagatela de R$12, mais ou menos. (E quem precisa de mamão papaya, quando pode-se entrar em coma alcoólica por tão pouco?)

Hoje sai pela cidade sozinha. Parando em alguns pontos, tirando fotos, ouvindo o sotaque. Atrás da reitoria da Universidade do Porto (que é um prédio que ocupa um quarteirão) achei um albergue incrível. O Poets Hostel. Me deu uma bela idéia da categoria dos hostels que vou encontrar por aí, e me deixou bastante tranqüila. Eu sei que não vou ficar tão bem instalada como estou no Porto, mas é muito bom saber que as opções de estadia barata são tão fofas. O Porto é uma cidade universitária, então na hora do almoço as ruas se enchem de estudantes que andam aos bandos, conversam, riem. É um contraste interessante com a comunidade de velhinhos que transborda dos bueiros. Na Praça dos Leões eu tentava me localizar para chegar até a Rua Santa Catarina, e um senhor se ofereceu para me indicar o caminho. Ao ouvir meu sotaque brasileiro ficou todo feliz, me deu dicas de todas as paradas que eu deveria fazer, explicou, rexplicou e me abraçou, me encheu de beijos e falava “Oh! Uma moça brasileira, tão boazinha, Oh! Que boazinha você é!”, e me apertava. Eu fiquei lá, no meio da praça, sendo agarrada por um velhinho que estava todo emocionado de me ajudar. Dizia “Obrigada. Muito obrigada.” e tentava delicadamente me desvencilhar dos braços do senhor. Não sei se isso é pela imagem afetuosa que nós precisamos carregar mundo a fora, ou pela fama duvidosa que as brasileiras têm por aqui. Justo eu que detesto contato físico. De qualquer forma, foi a primeira manifestação positiva que recebi por ser brasileira. O portugueses não morrem de amores pelo Brasil, e tem seus motivos para isso. Fiquei algum tempo dentro da Livraria Lello. Uma livraria super tradicional e famosa daqui, tem uma arquitetura toda preservada e os livros dormindo nas enormes prateleiras de madeira. Uma escadaria grande no centro do salão que leva para o segundo pavimento, um café, e a sensação de que eu deveria usar algum tipo de figurino por estar lá dentro. Linda! Um pouco mais abaixo entrei em uma loja fofa, cheia de coisinhas de decoração. Antigamente (antigamente de verdade) era uma loja de tecidos, e os balcões, os caixas, a estrutura toda está preservada. Isso é muito comum por aqui. Difícil descobrir ao certo se uma loja é ou não tradicional, pois os prédios são tão conservados, as estruturas mantidas, que por mais que a loja possa ter sido aberta semana passada, ela tem cara de existir há dois séculos. Atravessei a Praça da Liberdade, subi até o Coliseu para ver a programação. Coliseu é a principal casa de shows e concertos daqui. Com uma estrutura interna bem parecida com a do Teatro Municipal de São Paulo. Perdi uma apresentação de ballet de “A Bela Adormecida” com uma Cia. Russa que foi ontem, mas ainda tinha a opção de assistir uma montagem de “La Traviata” na terça que vem. Agora estou escrevendo no salão do Majestic Café. Fica na Rua Santa Catarina, bem próximo à Fnac. Outro lugar que sinto como se precisasse de figurino de época para estar mais adequada. Não é dos lugares mais baratos dentro dos padrões do Porto, mas nada assustador para uma paulistana. Pedi um “Chá da Tarde”, composto de sanduiches, pãozinhos, geléias e vários doces deliciosos e custa a mesma coisa que um Buffet de café-da-manhã em uma padaria comum em São Paulo. O salão de mármore tem o teto todo desenhado. O encosto do sofá é feito de um couro trabalhado e desgastado. Provavelmente por décadas de pessoas sentando para seus chás. As paredes de madeira emolduram espelhos manchados de tempo. Turistas entram pela porta o tempo todo, disparam flashs. Do outro lado do salão um grupo de quatro senhoras entre os 70 e os 80 anos toma chá e come bolos, conversando muito próximas. Imagino que fazem isso religiosamente, todas as semanas, nos últimos 30 anos. Ao meu lado dois senhores discutem sobre o que fizeram na última semana e olham de tempos em tempos para o meu laptop profanando a atmosfera do café. Um homem acabou de chegar, está se preparando para tocar o piano de calda no fundo do salão. Existe uma melancolia no ar o tempo todo na cidade. No rosto das pessoas, no tom de voz. Mesmo dos mais novos. Não sei se são as máculas de uma crise que não atravessou o Atlântico. Não sei se é uma característica de um povo espremido em uma tirinha de terra na ponta da Europa por 900 anos. Sei que minhas primeiras impressões de Portugal são de saudades de algo que não se sabe bem o que. Começo a entender um pouco de Portugal, e do porque do fado não ser um canto, mas um choro.

2 comentários:

MH disse...

Sabia que vc ia se encantar imediatamente com todo o clima do "velho mundo". É apaixonante, não é? Não conheço o Porto, mas a Europa tem mesmo esse fascínio... Nossos 500 anos ganham bastante humildade, né?
beijos querida, aproveite um pouquinho por mim...

Cigú disse...

parece que o fado embala essa terra mesmo...
Que delicia te "ler" ( na verdade te "ouvi" vaaaarias vezes:) e lembrar que,o que me faz viajar é a possibilidade dessa liberdade de ser,ver, ouvir, viver o completamente novo.

Aproveita amiga !

Bjbjjbjbjbj

... depois conto de mim ta? :O)