segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

GUATEMALA - DIA 1

Sabe qual é o café da manhã típico guatemalteco? Banana da terra frita, uma pasta bem temperada de feijão preto e ovos mexidos. Juro que comi isso hoje às 6h30 da manhã. Acompanhado de momento família com a minha host family e conversas sobre diferenças culturais dentro da América Latina. Depois fui andando até o café que é nosso ponto de encontro para irmos ao projeto. Eu estava um pouco apavorada. Hoje eu ia finalmente enfrentar uma horda de crianças remelentas sem ter a menor idéia do que fazer com todos eles juntos dentro de uma classe. A comunidade em que trabalho fica a 45 minutos de Antigua. O clima na van é de sono, café e uma ou outra conversa perdida. Phoebe e Sarah revisavam  as lições do dia em suas apostilas. As duas são internas do projeto. Sarah vai ser transferida para o projeto em Salvador no Brasil no próximo mês. Ela quer que eu ensine português para ela... me deu uma preguiça! Quando a gente fala em comunidade indígena vem toda uma imagem a nossa mente, não!? Ocas espalhadas no meio da floresta. Cabanas improvisadas com fogueiras na porta. Ou, melhor ainda, aquelas casas de pedra que nos remetem às ruínas mayas da região. Se você também pensou em uma dessas alternativas, sinto lhe dizer que nenhuma corresponde a realidade (nunca corresponde!). A comunidade de Itzapa nada mais é do que uma grande favela com casas precárias de alvenaria, algumas de madeira, sem água encanada e sem saneamento básico. Quase nenhum asfalto. O projeto tem recebido poucos voluntários, então algumas turmas estão em recesso. Eu peguei a sala Fuego, onde ficam as crianças de 6 à 10 anos. Phoebe é a responsável pela sala, eu e Alec (um senhor australiano que está com a esposa voluntariando no projeto) demos suporte. De manhã eu praticamente observei e ajudei a colocar um pouco de ordem. As crianças frequentam escolas públicas e participam do projeto no período livre para reforçar o conteúdo. Cerca de 80% da população da Guatemala é indígena. (Isso inclui o presidente). Até uma geração atrás essas pessoas não frequentavam nenhuma espécie de escola. Em parte por causa da pobreza e da necessidade de cada membro da família contribuir com o orçamento familiar (Nada muito diferente de qualquer periferia brasileira), mas em grande parte por uma questão cultural. Os índios não mandam seus filhos  para a escola, e quando mandam, vão os meninos. As meninas são completamente negligenciadas. O projeto procura suprir também essa lacuna. Essas crianças vêm em sua maioria de lares desestruturados. Famílias numerosíssimas, onde não há cultivo de afeto, individualidade ou privacidade. Convivem em ambientes violentos, com pais drogados e alcoolizados. As taxas de alcoolismo entre os índios é estratosférica. Sofrem abusos físicos, psicológicos e sexuais. Apresentam sintomas de desnutrição e subdesenvolvimento. SAbendo disso, eu fui preparada para me deparar com um verdadeiro caos. Crianças chorando, gritando, correndo, quebrando coisas. Piolhos pulando nos meus cabelos. Qual não foi minha surpresa ao encontrar as crianças mais doces e amáveis que já conheci. Elas chegam na escola completamente entregues, e dispostas a gostar de você, não importa quem você seja. Mesmo sem nem serem apresentadas, elas seguravam minha mão, me faziam elogios, pediam colo. Me abraçavam milhares de vezes. Conforme foram ficando mais “íntimas”, pulavam no meu pescoço, pediam abraços e sorriam. O tempo todo, sorriam. Na sala eles estavam bastante normalizados. Um pouco ansiosos, mas isso acredito que seja em parte pela falta de preparo pedagógico de todos os voluntários que passam por ali. Mesmo Phoebe, que é uma interna do projeto e é muito esperta e dedicada, não tem a mínima idéia de como estabelecer regras e rotinas em uma sala de aula. Não que eu mesma saiba muito, mas vinda de uma família de pedagogos e donos de escola por todos os lados, algumas coisas eu aprendi por osmose. A turma da tarde já foi mais caótica. Cerca de 22 alunos que começavam pela primeira vez no projeto. A grande maioria nem alfabetizada estava. Ficamos os três sambando com o exercío que tínhamos proposto (e que era anos luz mais puxado do que o nível das crianças), até que o sino finalmente tocou e nós pudemos sentar e tentar entender o que tinha acontecido. REsultado é que amanhã vamos ter de voltar do zero e revisar toda a matéria que crianças nessa faixa etária deveriam dominar. Alec ficou com os exercícios matemáticos. Eu estava até agora preparando uma folha de exercícos para trabalhar vogais. Muito divertido trabalhar linguagem de uma língua que não é sua e voce não domina. Fiquei horas procurando no dicionário palavras em espanhol que começavam com cada vogal para ter na manga. Assim que as crianças saíram, todo nós pulamos para dentro da van e voltamos para Antigua. Tomei um café muito rápido com Alec e Phoebe enquanto planejávamos o dia de amanhã e segui correndo para minha aula de espanhol. Vou dizer que não parecia tão puxado quando recebi toda a programação antes de vir para cá. Eu estava tão cansada, suja. Passei o dia lembrando do tal do café da manhã. Terminei minha aula (que é particular, então não dá nem para enrolar no meio da classe) e voltei me arrastando para casa. Já tinha escurecido e eu nunca senti tantas cólicas na minha vida. Dispensei o jantar, tomei um chá de boldo e camomila. Aquele café da manhã exótico não foi apenas uma lembrança do dia todo. Parece que a lembrança vai se estender por toda madrugada... Bem. Eu vim preparada para que isso acontecesse. Só não esperava que fosse tão logo. Amanhã começa tudo de novo. Com bananas fritas, frijoles e cólicas.

Um comentário:

kika disse...

Agora sim!!