sábado, 29 de janeiro de 2011

OZ

Sumi. Por uma semana. Foi uma semana intensa em todos os sentidos e existem coisas na vida que a gente simplesmente não consegue narrar em “real time”. Têm horas que a gente precisa dar uma folga e deixar fluir. Viver. Sentir. Chorar. Eu chorei pra caramba essa última semana. Bebês também choram quando nascem. Então eu vou escolher olhar para tudo o que eu vivi como um renascimento. Acho que é assim que a coisa foi mesmo. Ontem foi meu último dia no projeto. Eu sei que foi pouco tempo, mas amor não tem nada a ver com tempo. Tem a ver com disponibilidade. Sempre que um voluntário vai embora eles fazem uma cerimônia de despedida. O voluntário fica sentadinho em uma cadeira na porta e todas as crianças vêm, uma por uma, dar um abraço e se despedir. Eu assisti algumas despedidas durante esse tempo aqui, e já achava cruel só de assistir. Viver então... bem difícil de explicar. Ontem também tivemos a comemoração dos cumpleaños. Uma vez por mês eles comemoram o aniversário de todos os alunos daquele mês. Todos cantam parabéns, então as crianças quebram a piñata (um bonecão feito de jornal cheio de doces dentro), comem tortillas com suco e ganham presente. Foi uma festa, todos super excitados. Todo mundo tirando fotos. A criançada rolando no chão para pegar as balas. Depois colocarm a tal da cadeira na porta e me deram um lenço de papel (olha o absurdo. UM lenço. SÓ UM LENÇO!!!) E começou a delicada sessão de tortura feita por criancinhas guatemaltecas. Se vocês virem as fotos que Martin tirou para mim, iam entender. Em todos estou com uma careta horrível de choro. Meus alunos de Fuego. Um por um. Sussurrando baixinho no meu ouvido que me amavam e que estavam tristes, e que iam sentir minha falta. Alguns entraram duas vezes na fila. Outros seguravam meu rosto com suas mãozinhas sujas e me olhavam nos olhos. Como se não quisessem esquecer do meu rosto. Como se estivessem fotografando em suas memórias quem eu era. Pode ser só uma ilusão, mas eu prefiro pensar assim. Eles me perguntavam porque eu estava indo embora e me pediam para voltar um dia. Agora me explica. Como é que a gente vira as costas e vai embora de algo assim? Para a crueldade ficar ainda mais sofisticada, eles repetem a sessão no periodo da tarde. Na hora do almoço, Dona Elena me vestiu com um traje típico maya. Eu mal podia acreditar. Fiquei a tarde toda vestida com o traje. Priti depois me contou que nos 9 meses que ela está no projeto, essa é a terceira vez que ela vê isso acontecer. Que Dona Elena quase nunca faz isso. Foi uma honra tão grande. O traje maya é uma combinação de blusa e saia longa toda trabalhada a mão, com um tecido grosso e pesado. O figurino todo é muito caro. A saia tem um processo para ser dobrada e colocada e é amarrada com um cinto bem apertado na cintura. Demorei uns 15 minutos para me vestirem a roupa. Eu fiquei me sentindo uma princesa. Tem um quê de New Look da Dior. Talvez seja daqui que Dior tenha se inspirado. Então no final do dia eu fui torturada em trajes típicos. Pelo menos na segunda vez levei um pacote de lencinhos comigo. Como em um piscar de olhos se foram todas. Todas as crianças. Meus pequeninos de Fuego. E eu me vi no meio daquele pátio de terra batida vazio, vestida de princesa maya, com a cara inchada, o nariz vermelho e o coração minúsculo. Voltando para Antigua, Martin e Kim fizeram um longo HH. Fui para casa correndo para tomar banho e encontrei com todos os outros voluntários no restaurante dos garçons italianos gatos. Fizemos um jantar delicioso, cheio de risadas, fotos, piadas e apple martinis. Depois fomos para o El Muro na melhor das intenções de nos embebedar, mas o que aconteceu mesmo foi que eu, Hannah, Martin e Kim nos jogamos nos sofás da parte de trás do bar que estava vazia e afundamos em depressão. Eu conheci pessoas muito legais esse mês. Me diverti com todas elas. Mas os três foram meu centro. Minha base. E mesmo que eu tivesse as mesmas crianças adoráveis e remelentas, minha experiência aqui não seria um terço do que foi se eu não tivesse eles. Eu sou mesmo uma pessoa de muita sorte. Muito abençoada. Eu encontro família por onde eu passo. Eu tenho grandes amigos no Brasil, eu tenho verdadeiras irmãos. E dizem que se a gente encontra um assim, de verdade, já pode se considerar uma pessoa de sorte. Eu olhei para o meu lado e eu tinha três sentados nos sofás de um bar na Guatemala. E isso, é muito mais do que eu mereço. Mais cedo eu e Martin estávamos tentando lembrar como é que a gente tinha virado amigos (mais ou menos o que eu e a Y fazemos de vez em quando). Eu acho que esse tipo de pergunta não tem resposta. Amigos a gente não faz. Eles acontecem. Simplesmente acontecem. E se a gente deixa eles acontecerem, é muito bom. Quando a gente deixa eles acontecerem tudo é amor, e é aceito, e é incondicional. Os bares em Antigua fecham à 1h por lei. Então levamos Hannah até o ponto de taxi e voltamos os três à pé para casa. Em silêncio. Um atrás do outro. Eu ia olhando as pedras de paralelepípedo passando sob meus pés. Martim ia a frente, Kim atrás de mim. Não sei porque me veio a mente o caminho de pedras amarelas que Dorothy precisava seguir para encontrar o Mágico de Oz. Engraçado, mas eu não conseguia de jeito nenhum lembrar do final do filme. Então eu quebrei o silêncio. Soltei no meio da noite a pergunta mais surreal daquele momento. “Como é mesmo que termina o filme “O Mágico de Oz”? Claro que foi Kim quem me deu a resposta, porque ele é uma dessas pessoas que carregam uma pureza que eu sinto inveja. Ele é bom, positivo, otimista e faz tudo para que todos a sua volta estejam bem e felizes. Então ele começou a me contar o final do filme, com riqueza de detalhes. Contando como se conta para uma criança um conto de fadas. Me ajudando a lembrar como é que Dorothy voltou para casa. Saiu daquele mundo colorido e voltou para o Kansas. Hoje à tarde eu fiz aquele caminho pela última vez. Com os paralelepípedos passando debaixo dos meus pés. (Eu vou omitir a cena de despedida que eu e Martin tivemos na porta do Raibow Cafe hoje, porque tem coisas que são preciosas e eu guardo comigo). Eu estou voltando para casa. Na minha cabeça eu ouço a voz de Kim contando o final do filme. E a última frase, que essa eu me lembrava. “Não há lugar como nossa casa.”


*Quarta-feira amanheço no Brasil. Volto a escrever de lá. Só um pouquinho mais de silêncio por aqui.

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente. Quem (jamais) pode viver para escrever uma frase assim: "E começou a delicada sessão de tortura feita por criancinhas guatemaltecas"? Adoro seu blog. Viajo com você. Bom retorno!