Minha mochila nem esfriou no armário e lá estou eu novamente na estrada (ou melhor, no aeroporto). Eu adoro viajar pelo Brasil. É um continente todo próprio de possibilidades. Já fazia um tempo que eu queria atacar o norte do país, e quando a gente fala em norte vem logo a mente a Floresta Amazônica e Belém do Pará. Chegar em Belém tem um gostinho de viagem internacional. São três horas em um avião (eu demorava muito menos na maior parte dos trechos que fiz pela Europa), então o sotaque é tão forte, o vocabulário todo próprio, a paisagem, cores, cheiros. E como sempre, como todas as vezes que vim para o Norte-Nordeste, fico me questionando o que nos faz nação. Como essa viagem é um bate-volta, e o propósito é mais de trabalho, vim com um pacotinho CVC. Nunca tinha viajado com essas companhias de viagens antes. Tô achando um luxo essa coisa de "transfer no aeroporto", "receptivo" e "city tour". Dormir em hotel com TV, frigobar, Ar Condicionado e sem nenhum coreano tagarela roncando na parte de baixo do beliche. Mas tive de aturar uma senhorinha japonesa que estava do meu lado no avião looooouca para compartilhar sua empolgação. Empolgação mesmo foi entrar na van do transfer e descobrir que ela e as três amigas dela estão fazendo o mesmo pacote que eu. Ficou toda animada, coitadinha. Eu me sentindo culpada. Ok! Às vezes eu estou mais aberta para interações sociais com estranhos, mas no geral não sou conhecida pelo meu bom-humor e simpatia. Cheguei no hotel e já liguei para a CarolH. Fomos bater perna pela cidade e tentar tirar algumas fotos. Esqueci que nessa região chove todos os dias. Tava um Sol lindo quando pousei no aeroporto, mas no meio tempo de chegar no hotel e arrumar as coisas, o céu tinha nublado e destruído minha luz azul linda de tirar foto de coisas coloridas. Ainda assim tirei alguma coisa que dá para usar, com cara cinza de céu todo poderoso.Tomei um "Guaraná Garoto" na Praça da Republica, que a vendedora jogou dentro de um saquinho e me deu para tomar com um canudinho. Adoroa lógica prática de preservação dos vasilhames. Andamos até o famoso "Ver o Peso", comemos Pirarucu com Açaí e provamos uma infinidade de sorvetes diferentes. Todos um desbunde. Sapotilha, tapioca, bacuri. Coisas que só existem por aqui e para mim é difícil explicar. Como explicar que a semente, ou fruta, ou raiz, ou folha, ou algo inominável e que só existe nessa região do mundo, e que foi processada e utilizada por alguma tribo indigena para algum propósito terapêutico, e que acabou caindo no gosto popular e chegando à mesa do nortista comum? Mais do que um outro país, parece mesmo que estou em outro planeta. Depois andamos pelas Docas, que parece uma galeria com lojas e restaurantes mais sofisticados. Eram as antigas docas da cidade e passaram por uma mega recauchutagem. Tem um deck longo para as pessoas passearem a beira rio, mesinhas em choperias chics, galpões de vidro, banheiro limpinho e ar condicionado (nem vou ficar com aquele chororô que todo mundo tem quando o assunto é temperatura em Belém. É quente? Sim. Muito? Muito. É o que é. E ficar repetindo que é quente não vai mudar nada a situação) Verdade que é meio cafona, mas às vezes eu acho que gente que reclama desse tipo de restauração de espaço urbano é intelectual da Vila Madalena que quer manter tudo com uma certa estética de miséria para se sentir menos culpado de tomar vinho impor'tado. Qual é a graça de vir para o Norte do Brasil se está tudo cafona e com paredes de vidro? Ainda cafona, eu acho legal que a população daqui tenha algo arrumadinho e bonito para poder passear. As meninas botam vestido e salto alto para andar de um lado para o outro no deck. E mesmo que elas nunca tenham ouvido falar de Manolos ou Laboutins, eu gosto de ver que isso é universal. Eu também tenho meus endereços em São Paulo onde eu gosto de andar de um lado para o outro de salto alto. Agora à noite a gente foi ver a estética de miséria que infelizmente é grande parte desse país. Fomos para o bairro da Cremação para jantar na Peixaria do Careca. Famoso por todos os lados, o Careca em questão é o dono de uma garagem com meia dúzia de mesas de plástico na calçada. O cardápio, bem simples, foi impresso à jato de tinta e laminado na papelaria do bairro. Peixes nas melhores receitas paraenses e algumas opções básicas para os menos afoitos a novidades, como PF, bife à cavalo e filé de frango à milanesa. Tudo muito simples e com promessa de bem feito. Mandamos ver uma caldeirada mista de peixe, que ele adicionou camarões e patinhas de caranguejo. Veio acompanhada de arroz branco e pirão. Aquela panelada fervendo, inundando de cheiro verde nosso paladar. Um crime! Comemos como duas felizes. Eu ainda que amo pirão. Sobrou a panela inteira, que fizemos uma quentinha e levamos para uma moradora de rua no caminho de volta. Ainda pensamos em dar uma volta na feira da Cremação, mas a maior parte das barracas estavam fechadas. As únicas resistentes eram algumas de sopas e comida rápida de rua. Um grupo de pessoas viam o show de Paul McCartney em uma TV improvisada, enquanto um casal comia um PF nas mesinhas mal iluminadas por uma instalação elétrica puxada de gato do poste da esquina. Ao lado deles, no balcão da barraca, três baratas dançavam frenéticamente. Uma delas, tão feliz e confortável, tinha as asas levantadas. Parecia que torcia \o/. Eu não resisti. Comentei mesmo, e bem alto "Olha só, as baratas!". Em toda volta era como se o comentário nunca existisse. O casal continuava comendo, a cozinheira mexendo a sopa. Nem Paul McCartney notou. As baratas faziam parte, eu é que não. Então é curioso, pensar que me sinto mais parte de Roma, na Itália, ou de Amsterdam, na Holanda, do que de uma capital do meu próprio país. E daí? Daí que é muito contraditório, que é muito diverso. Talvez por isso que eu ame, e eu sinta mais sede de viver e conhecer. Porque como o Brasil não há. Ainda que seja tudo diferente, e tão distante do que eu chamo de realidade. Ainda é Brasil. E é por ser tão diferente que é tudo Brasil, e meu país.
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