Fiz uma cirurgia sexta-feira. No dente, coisa simples. Para colocar uma longa história em um trecho curto: Há anos atrás eu tinha um molar que ficou sensível em um ponto que precisou ser feito um canal. O canal não foi bem feito, infeccionou, mas como eu não sentia nada só foi descoberto quando a infecção já estava no osso. Refiz o tratamento, que resolveu parte da infecção, mas como ela estava muito profunda e acabou criando um cisto que precisou ser removido mecanicamente. Então lá fui eu, depois de ficar deprimida por uns dias com a notícia, ser anestesiada, ter minha gengiva cortada e descolada, o osso do meu maxilar furado com uma broca. Verdade que foi um procedimento simples, como o endodontista havia prometido. Mas a recuperação é chata. Ele me pediu repouso. Nada de acelerar batimentos cardíacos. Nada de levar a cabeça abaixo do nível do corpo. Apenas líquidos. Hoje posso começar a ingerir líquidos quentes, até ontem eram só gelados. E eu descobri que sopa fria é horrível. Pelo menos se você não sabe fazer. E meu rosto está deformado. Levemente inchado de um dos lados, me dando um ar engraçado. Ontem foi o aniversário do Didi, namorado da Kika. O Didi é alemão e está no Brasil esse mês. Como ele ainda não tem muitos amigos aqui, e os amigos dele são os amigos da Kika, e os amigos da Kika são meus amigos... Eles fizeram o aniversário do Didi aqui em casa. O que foi uma honra e um prazer, porque eu adoro receber gente em casa (adoro mesmo!), e adoro ter motivo para não sair de casa. Foi muito gostoso. O Didi fez uma mesa enorme, cheio de patês, vinhos, queijos, frios, pães, frutas e tortas. Eu tomei uma sopa fria de abóbora e passei a noite tomando chá gelado em taça de vinho, o que foi muito divertido porque tapeou minha cabeça direitinho. E todo mundo jurava que eu tomava vinho branco. J Fazia muito tempo que eu participava de alguma reunião e não bebia. Engraçado a necessidade de beber que geralmente a gente cria. Lógico que eu gosto de tomar um vinho de vez em quando. De dar uma abusadinha esporadicamente. Eu gosto do torpor da embriaguez, embora não faça mais isso com a mesma freqüência de antigamente (nem de perto). O corpo e a idade não permitem mais. Nem a vontade. Foi gostoso passar a noite sóbria. Eu me senti mais calma, mais controlada. A qualidade das conversas que tive foram muito mais agradáveis. Em compensação, a sensibilidade aos que haviam abusado também era maior. Eu não sou ninguém para julgar quem exagera na dose. Mas também não vou deixar de gentilmente pontuar limites quando considerar que estejam sendo ultrapassados. Na verdade isso me dá uma sensação de liberdade. Talvez porque eu esteja cada dia mais fugindo de preceitos de certo e errado. Eu acredito que a base da tolerância é saber que não existe uma verdade absoluta. Que alguma coisa que é muito errada para mim, pode ser considerada certa por outra pessoa. Eu vou tentar não julgar. Não é tarefa fácil, mas se fosse assim tão simples nós alcançaríamos a paz no mundo em uma semana. Não vou mudar os outros, mas posso me modificar. Uma vez eu ouvi que quando a gente muda, o mundo muda. E eu acreditei. Eu quero um mundo mais tolerante, mais calmo e centrado. Eu quero um mundo mais sóbrio e ciente de suas potencialidades. Eu acredito que sóbrios, nós enxergamos os limites. Nós respeitamos mais. Nós somos mais prudentes e amorosos. Menos agressivos. Impossível ser verdadeiro se não estiver inteiro. Eu fiquei pensando quantas vezes eu camuflei coisas lindas sobre mim, quantas vezes mostrei faces das quais não me orgulho e me arrependi na ressaca moral do dia seguinte. Então fiquei ainda mais feliz de ter permanecido sóbria. Hoje acordei com dor. A cirurgia latejando um pouco. Acho que porque não respeitei muito a recomendação de não fazer esforço. Queria deixar tudo arrumado, conversei muito (e mexi muito o maxilar). Mas acordei inteira, da mesma forma que fui dormir. Isso é gostoso. Claro que não vou me tornar abstêmia. Como poderia viver sem nunca mais colocar uma flute de champagne na boca? Sem uma taça de vinho para acompanhar uma refeição divina? Sem uma boa caipirinha para abrir a feijoada? Mas hoje foi uma delícia ter estado sóbria e eu vou colocar isso na lista de prazeres, assim como todos os outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário