sexta-feira, 28 de novembro de 2014

DAS PEQUENAS OPRESSÕES QUE A GENTE NEM SABE QUE SOFRE


Eu, em toda minha meiguice...

Tem uma cena no livro “Comer, Rezar, Amar” da Elizabeth Gilbert, em que ela está na Índia e resolve fazer um voto de silêncio. Ela não quer ser mais a pessoa tagarela, que não para quieta e está sempre envolvida em tudo. Ela quer ser a pessoa plácida e contemplativa no fundo da sala, que nada fala e só observa tudo com sabedoria. Seu projeto de fazer voto de silêncio vai por água abaixo porque em seguida ela é escalada para ser a representante de acolhimento de uma nova leva de pessoas que chegavam para o retiro. Uma função que exige toda sua comunicação e tagarelice. O que ela aprende com isso é que o Universo tem um plano para você, do jeitinho que você é. 

Eu me identifiquei tanto com essa cena! Minha vida inteira oscilei entre minha personalidade forte e espaçosa, e um desejo de controle, de me transformar em uma pessoa contida, recatada, sutil. Em me transformar em alguém que eu não sou. Eu nunca vou ser a garota silenciosa no fundo da sala. 

Nas últimas semanas ando pensando muito sobre pequenas cobranças que sofro na rotina de relacionamentos que tenho. É muito comum ouvir de algum amigo, ou colega, ou familiar; sempre pessoas muito bem intencionadas e que são movidas por um desejo genuíno de me ver bem: “Adriana, você é muito tagarela!”, “Você tem que ser mais delicada”, “Você não pode ser assim. Assusta as pessoas.”, “Adriana, você é meio barraqueira.”. 
Quer saber se eu falo muito? Falo, quando estou feliz e em um ambiente que me sinto segura, falo pra caramba. 
Se eu sou barraqueira? Não, não sou. Na verdade tenho horror à escândalos. 
Se eu saio por aí agredindo as pessoas? Não, não saio. 
Agora, quer saber se eu sou uma garota de fala mansa, com opiniões diplomáticas e controladas e que se esforça para conquistar a aprovação e o carinho de todo mundo? Também não, não sou. 

Eu sou uma garota espaçosa. Tenho essa sede, essa gana de vida que aspiro todo o ar à minha volta. Falo, penso, conto história, questiono. Tenho uma sinceridade cortante que costuma pegar as pessoas de surpresa, e nenhum problema em ser contraditória. Não tenho medo de polêmica e acho um tesão quando tem gente discordando. Se eu discordo, vou discordar de verdade. Não largo a coisa no meio do caminho só para fazer a fofa. Não sou do tipo que coloca panos quentes para mudar o assunto para o clima no final de semana e pedir mais uma taça de chardonnay. Eu demorei muito tempo (muito mesmo) para aprender que, para a maioria das pessoas, não é legal ser assim como eu sou. Invariavelmente alguém vai dizer que isso incomoda, que é desagradável. Que “você é uma menina tão bonita”, as pessoas gostariam mais de mim se eu não fizesse isso. E, sabe? Isso é bem desconcertante. Porque geralmente esses comportamentos são pontuados quando você está se sentindo mais inteira, mais autêntica. Acabam sendo um balde de água fria. E daí dá um sentimento bem ruim quando dizem essas coisas. Eu me sinto culpada, inadequada. E dá vontade de fazer voto de silêncio e ficar quietinha no fundo da sala. 

Comecei a perceber que de certa forma era isso que eu fazia. Me fechava na ostra, fugia do mundo. Passava a achar as relações humanas difíceis e sofríveis. Afundava por alguns dias no sofá, até tentar sair novamente. Ficava por um tempo controlando meus gestos, minhas palavras, minhas expressões. Repetia tudo o que eu dizia mentalmente para ver se não tinha nada ali que pudesse assustar as pessoas, que pudesse fazer de mim uma pessoa horrível. Depois de um tempo, relaxava. E voltava a ser um vulcão. 

A ideia de que uma mulher tenha um conjunto de gestos de conduta que ela deva seguir para ser agradável para a sociedade é tão opressora quanto tantas outras formas físicas de submissão. Quando se cobra de alguém que ela seja mais delicada, mais feminina, mais suave (como alguma personagem de Downtown Abbey), está se castrando o selfie dessa pessoa, sua maior essência.

Claro, existem habilidade sociais, educação, gentileza. Essas são coisas que devem sim ser cobradas e incentivadas. São muito bem-vindas e necessárias. Não estou falando disso. Estou falando de personalidade. Eu demorei muitos anos para entender que, se uma pessoa se assusta com minha sinceridade, é ela quem está assustada e eu não tenho nada a ver com isso. Se uma pessoa se choca com minha espontaneidade, o problema é dela e eu não tenho nada a ver com isso. Principalmente, se uma pessoa me sugere ser mais contida e delicada, ela está oprimindo as coisas que fazem de mim quem sou. 

Lembrei de um velhinho japonês que lia mão na Liberdade uma vez, e me disse que eu não me casaria porque eu tinha a boca muito grande. Que homem não gostava de boca muito grande. Que eu devia ficar de boca fechada para arrumar um homem. Acho que talvez o velhinho esteja certo. Talvez ainda tenhamos uma sociedade em que a maioria dos homens não estejam preparados para alguém como eu sou, e para esses seja necessário esconder isso. Mas exatamente por ser quem eu sou, eu prefiro ficar sozinha a ter que fechar a boca para atender expectativas. As mulheres também. Talvez de tanto ouvirem que devem falar menos, ter menos opinião e serem mais delicadas, nem percebem que estão reproduzindo comigo as opressões que sofreram. 


Eu acredito que o Universo tem um plano para mim, do jeitinho que eu sou. Um pouco espalhafatosa, faladeira, cheia de opinião. É assim que eu sou. Por favor, não me peça para ser mais delicada,  mais contida. Não me peça para ser a pessoa plácida e contemplativa no fundo da sala, que nada fala e só observa tudo com sabedoria. Não me peça para ser menos do que eu sou. É agressivo, e atrapalha os planos do Universo para mim.

2 comentários:

weslayne disse...

Olá??


Amei seu desabafo.

Achei que eu era a única com essas características e já sofri com comentários assim.


Obrigada por compartilhar seu cotidiano com tanta verdade.

A sociedade tenta nos colocar em padrões que não existe.

Aliás, não é a toa que todos nós somos diferentes. E eu creio que Deus fez um plano e destino diferente para cada um.

Um grande abraço e continue sendo quem você é, leio suas postagens e pretendo viajar como você faz.

Que Deus lhe presentei nessa tarde tão nebulosa e bela.



Weslayne

Ana Carla disse...

Concordo com você. E com o Universo. *pisc*