A vida é feita de mudanças. Milhões delas. Um dia a gente acorda, tem uns fios brancos aparecendo no espelho. Uma dor nas costas que a gente nunca tinha sentido antes. Ficamos até mais tolerantes em relação a uma porção de coisas (para um monte de outras continuamos teimosos e rabugentos). Ontem eu mudei. Não dessa maneira sutil que o tempo e a vida nos trazem. Mudei de mudar mesmo. De botar a calça jeans velha, uma camisa xadrez e carregar caixa pesada escada a cima. Não é um lugar definitivo ainda, mas é meu primeiro passo para voltar para a cidade e organizar minha rotina. A Cí tem um apartamento em Pinheiros que ela está terminando de reformar. Vaziozinho. “Dri, pega suas coisas e fica lá em casa até você se organizar. Assim você tem tempo de procurar um lugar com calma.” Nem precisou oferecer duas vezes. No dia seguinte eu já estava arrancando a chave das mãos dela e chamando um carreto. Só a idéia de poder concentrar tudo o que é meu em um único espaço físico (e poder ter noção real do que eu ainda tenho ou não na vida) pareceu cair do céu. Eu sou meu xiita no quesito “quero tudo arrumado ao mesmo tempo agora”. Quando eu mudo, gosto da casa com cara de ser habitada há décadas no final da tarde. Dessa vez não foi bem assim. Peguei minha faxineira de manhã e fomos as duas dar um gás no apartamento antes do carreto chegar e colocar caixas em todos os lugares. Acontece que o apartamento estava imundo. IMUNDO! Sabe quando fazem aplicação de gesso e fica tudo branco? Então. Tenta limpar casa suja de gesso, tenta. Às vezes eu sentia que a gente estava vivendo o Mito de Sísifo. Varria, limpava, passava pano, ficava bonitinho. Quando secava, continuava tudo branco. Vontade de chorar. Um apartamento tão pequenininho e parecia que a gente não ia terminar nunca. Não terminamos. Conseguimos dar uma bela geral, deixar as coisas mais ou menos organizadas e a cama arrumada. Isso já eram 20h. Eu ainda tinha aniversário da vovó. Voltei mega tarde e capotei. Literalmente. Melhor jeito de ignorar a zona que está isso aqui. Como eu falei, o apartamento está terminando reforma. Então agora, além de tentar abrir todas minhas caixas e arrumar as coisas, eu preciso acertar os detalhezinhos que estão pendentes. A geladeira não está gelando (assistência técnica durante a semana e comer na padoca até segunda ordem), o pezinho do fogão está quebrado (juntei umas madeirinhas e fiz um calço, tipo quando a gente dobra guardanapo de papel para não deixar a mesa do bar bamba). A pia da cozinha não está instalada. Isso vai ser mais complicado, precisa de um pedreiro e a Cí precisa ver como ela vai querer o gabinete que fica embaixo. E o chuveiro está bichado (resolvido. Comprei um novo hoje na Leroy Merlin por R$25. Agora só preciso achar alguém para instalar na segunda-feira... já me disseram que não é uma boa idéia fazer isso sozinha.) O interfone está desconectado e a escrivaninha precisa instalar. Estou sem intenet, sem TV à Cabo. Preciso comprar uma estante para meus livros. Meus sapatos estão amontoados no meio da sala, parecendo o Monte Fuji. Eu tenho 7 caixas de mudança que nem foram tocadas ainda. Continuam com o lacre. Com toda a loucura e falta de tempo que está minha vida, essa adição de tarefas caseiras quase me deixou louca nos últimos dois dias. Eu sou virginiana. Padrões estéticos e ordem são realmente necessários para a minha saúde mental. Então eu começo a olhar para a toda a bagunça, começo a fazer lista de coisas no meu caderninho para não esquecer de nada, e olhando dessa forma a coisa começa a ficar bem desesperadora. Quase 48h que eu comecei a mudança e não está com cara de que vai ficar em ordem tão rápido. Essa situação de impotência perante a desorganização me deixa bem angustiada. Me faz sentir insegura. “ÊÊÊ Laiá Dona Adriana! Vai saber porque a vida está te colocando nessa situação logo de cara, chegando de volta em casa!?” Pois é. Talvez porque se tudo fosse do jeito planejado, eu iria continuar rolando pedra montanha acima só para vê-la despencar quando chegasse ao topo. Talvez porque na minha vida eu rolei pedra demais. E eu acho que estou chegando no momento em que, se a pedra tá afim de ficar lá embaixo, que bom para ela. Vou deixar ela lá. Ficar um pouco acampada no meio das caixas, porque a gente não se instala impecavelmente em 15 dias. Não precisa estabelecer certezas só porque eu voltei para casa (mesmo porque, durante toda a viagem eu só carreguei incertezas). Quem quer fazer muita coisa, acaba não fazendo nada. Eu percorri milhares de kilometros esse ano. Não tem como voltar ao mesmo lugar. Não dá. Então eu mudei. Assim como esse apartamento, essa mudança não é definitiva. E cair no truque de achar que é, é como rolar pedra morro acima. O segredo é cuidar das coisas que eu tenho controle. Ligar para a assistência técnica, pendurar roupa no cabide. Tomar banho gelado, passar pano úmido no chão e rever a trilogia do Kieslowski que eu roubei da minha irmã no laptop mesmo. Porque é sábado à noite e eu não vou conseguir transformar esse lugar em uma casa se eu ficar acordada até as 4h da manhã todos os dias. Eu não sei nem de que lado da montanha eu quero ficar. Quanto mais carregar a pedra comigo.
2 comentários:
virginiana no último...poc a poc, rossati...e nosso projeto?...tv a cabo deixa pra lá...só os livros, os dicos, o laptop con wifi...os amigos, claro...e colher com a mão a pimenta e o sal...te amo, saudades!
Banho frio, colchão no chão, padaria, caixas escada acima, duas mudas de roupa para todos os dias, um clássico da mudança... sozinho. Porque tem coisa, que é sim, uma espécie de delícia, e que a gente só curte... sozinho.
Postar um comentário