"...estou procurando, estou procurando. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi." (Clarice Lispector - Paixão Segundo GH)
domingo, 8 de agosto de 2010
O ASSASSINATO DA STEPFORD WIFE
Morreu. Minha Stepford Wife. Para quem não sabe, “Stepford Wives” é o nome de um livro do Ira Levin em que as mulheres são perfeitas. Lindas, excelentes donas de casa, gentis, submissas, doces, ótimas anfitriãs, cozinheiras impecáveis, mães exemplares, esposas atenciosas, gostosas, um escândalo na cama. São tão perfeitas, tão perfeitas, que são robôs. Existem dois filmes baseados no livro. Um de 75 e outro recente com a Nicole Kidman e o Matthew Broderick. É uma grande crítica na verdade, e acho que toda mulher teve em algum momento um sentimento (mesmo que no fundinho) de inadequação por não conseguir corresponder a tantos padrões. Eu sou virginiana e perfeccionista (é pleonasmo, eu sei!), então na maioria das vezes eu não consigo me perdoar por não ser um robô. É cruel. Estúpido, na verdade. Mas o que se há de fazer. É como me sinto às vezes, e aprendi que negar algumas verdades sobre nós mesmas só torna as coisas piores. Estou aqui, me esforçando para ser uma pessoa melhor. O surpreendente é que estou descobrindo que, para ser uma pessoa melhor, eu preciso ser mais imperfeita. Explico. A experiência na Farmville. Eu arregacei as mangas da minha Stepford Wife e pensei “É agora! Agora que ela vai se refestelar!”. Mas na verdade o que acontecia é que eu não dava conta. E por mais que eu me esforçasse para ser perfeita, as coisas simplemente saíam erradas. Eu me matava para acordar mega cedo, correr antes de começar a trabalhar, fazer tudo o que me pediam, escrever à tarde, ler os livros que havia me proposto ler, planejar a continuação da viagem, manter meu trabalho no Brasil, superar crises, cuidar da pele, do cabelo, relaxar, passear, conhecer as cidades em volta. O que aconteceu foi que, nem todo dia eu conseguia acordar cedo porque eu estava sempre exausta. E fazia muito frio, então eu acabava cabulando a corrida alguns dias. Outros eu me atrasava, e começava a trabalhar depois de todo mundo (Eles são ingleses. Super pontuais. 15 minutinhos é muuuito atraso!) Nem sempre eu conseguia cumprir todo o trabalho, porque obviamente eu demoro muito mais tempo para limpar uma casa do que uma pessoa que está acostumada a fazer isso como profissão. Eu me queimava com o ferro de passar roupas, quase quebrei o aspirador de pó. Super-alimentava a cachorra e a gata. Não conseguia de jeito nenhum limpar as janelas sem deixar a marca do pano (mas nem com reza brava!). Nas vinhas, eu acabava quebrando todos os galhos das parreiras. Perdi inclusive alguns cachos de uva. E todos os bolos que eu tentei assar foram fracassos retumbantes. Viraram comida dos porcos! A parte culinária então foi um desastre. Meu último jantar, fiz batatas gratinadas que ficaram totalmente cruas. Não deu para engolir nem por piedade. Todo mundo quieto na mesa empurrando com o garfo para o canto do prato. Escrevi só meio capítulo do meu livro (eu devia ter escrito cinco). Fiz posts de péssima qualidade no blog. Fui a amiga mais pentelha e carente para os santos dos meus amigos no Brasil e em Portugal. Minha pele virou um lixo (Eu estava fazendo um tratamento com ácido porque ganhei uma mancha castanha na bochecha depois da última mochilada pelo nordeste ano passado, mas estraguei tudo e acho que agora só a dermatologista para consertar.) Meu cabelo todo desgrenhado. Não passeei nem um terço do que tinha imaginado. Li metade só dos livros que eu havia me proposto. E quanto à relaxar, me lembro de apenas um momento em que eu peguei uma caneca de chá, fui para o jardim e fiquei contemplando a vista. Ontem quando o Steve e o Justin foram me deixar na estação de trem, eles se despediram, me desejaram sorte e todo aquele blábláblá. Então Steve vira para mim, cheio de ironia e diz “Ah! E muito obrigado pelas refeições. Foram muito... interessantes. É bom a gente ter algumas surpresas de vez em quando.” O Justin balançando a cabeça e concordando. Daí nós três caímos em uma gargalhada. Porque a vida tem de ser assim. Não pode ser levada à sério. Eu não sou uma cozinheira tão horrível. Nem sou tão estabanada como parece. E eu consigo sim conciliar várias tarefas ao mesmo tempo. Mas parece que desta vez, talvez porque eu estava tão empenhada em ser perfeita, a vida passou uma rasteira e fez tudo o que eu tentava fazer sair do avesso. Porque eu sou humana. E existem muitas coisas que simplesmente não vão funcionar. Porque fazer força só deixa a gente cansada e não faz com que as coisas sejam diferentes do que são. Então eu tinha duas opções. Eu poderia me martirizar. Ficar deprimida. Me auto-repreender e criticar por meses. Poderia me recolher em vergonha e humilhação (dramática!!!). OU! Eu poderia rir disso tudo. Porque é só uma experiência. E é mesmo engraçado. É plot de sitcom. Botar uma brasileira em uma vinícula no interior da Inglaterra e tudo o que ela consegue é um sucessão de fracassos retumbantes. Então nós três caímos em uma gargalhada enorme. Gostosa. Porque era óbvio que, se eu tive alguma Stepford Wife louca para tomar posse desse corpinho, ela caiu em alguma ralo pelo caminho e perdeu a chance. Estou longe de ser perfeita. E isso é o que faz de mim uma pessoa melhor do que quando eu penso que sou (ou tento ser). Complicada. Imperfeitinha. Mas eu. Graças à Deus, não um robô. Mas única em toda a linha de produção.
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Um comentário:
Nada na vida é fracasso, mas sim aprendizado, porque TUDO na vida depende dos olhos que olham e do ponto de vista... eu considero que tenho aprendizados mais fáceis ou difíceis... no fim das contas é uma delícia soltar aquela gargalhada que vem da boca do estômago. Se tudo fosse perfeitinho seria tão chatinho e sem graça... que histórias engraçadas vc teria para contar para seus netos?? ;)
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