sexta-feira, 20 de agosto de 2010

TUDO NOVO

Noite exaustiva no aeroporto. Embora o sleeping bag tenha sido uma benção (dormi enroladinha e quentinha dentro dele) é ainda bem desconfortável para alguém que nunca cogitou a possibilidade de acampar. Fiquei no setor de embarque onde tinham algumas outras pessoas dormindo nos bancos. Enfiei minha bagagem embaixo e estiquei o sleeping na frente. Do lado ficava a escada rolante com uma gravação ininterrupta e alta dizendo “Please watch the step. If you are carrying a large bag, please consider to take the lift. Thank you!”. Isso sendo repetido um zilhão de vezes por toda a madrugada parecia um mantra nos meus sonhos. Às quatro da manhã a sala estava lotada de gente. Povo passando e empurrando carrinhos e bagagens do meu lado. Levantei, enrolei o sleeping e desci para fazer o check in. Ainda tive de esperar as atendentes da British Airways abrirem para despachar a mochilona. Elas com uma cara de sono tão forte quanto a minha. Fui até o banheiro, lavei o rosto, escovei os dentes. Me sentindo o próprio Tom Hanks. Eu não tinha jantado ontem, então estava me sentindo um pouco fraca. Comi uma versão light do café da manhã escocês. Pão, linguiça, bacon, ovo frito, café e suco de laranja. A versão completa vem ainda com feijão cozido (!!!), tomate e cogumelos assados e haggis. Eu comi haggis em Edinburgh, e vou falar que não é comida para começar o dia. Haggis é comida de gente pobre que, assim como nossa feijoada, acabou virando tradicional e todo mundo come. Antigamente as melhores partes do carneiro ficavam com as pessoas ricas. A classe média se apoderava dos fígados, rins, coração, etc... E quem era pobre, pegava todo o resto (e eu digo TODO o resto mesmo) triturava em uma massaroca, enfiava tudo dentro do estômago do bicho e assavam. O resultado é uma almondega duvidosa que se come com purê de batata e molho de pimenta. É bem saboroso se você não pensar o que pode ter lá dentro. Mas eu também não penso o que tem dentro de uma salsicha quando como cachorro quente. É só torcer para não morder em nada “sólido” demais (vai que é um dente...). Meu vôo saiu às 6h30 e eu capotei de sono antes mesmo de ouvir os avisos de segurança. Sou tão grata por ter comprado uma almofadinha de pescoço inflável há alguns meses atrás. Acordei com o baque do avião pousando em Gatwick, Londres. Uma hora de conexão e peguei um outro vôo para Dubrovnik. Do meu lado uma adolescente de cerca de 18 anos, muito bonita, digitava frenéticamente no blackberry conversando com alguma amiga por IM. “Agora que veio a tona que papai tem um caso a situação toda tá uma merda. Eu não sei se eles vão se divorciar, ou não, mas mamãe fica fingindo que está tudo bem e eu sou a única que está puta com tudo isso...”. Olhei para o lado e nas outras poltronas estavam a irmã mais nova lendo um dos livros descartáveis de Jodi X, o pai adultero com cara de cidadão exemplar em um blazer Zegna (muito bem cortado por sinal), a mãe e um menino de uns 8 anos tocando o terror. A mulher era bonita, muito bem conservada. Devia ter uns 48 anos, magra, elegante, e com olhos de completo terror. Acontece até nas melhores famílias inglesas. Cheguei em Dubrovnik e passei por um segundo de desespero quando imaginei que minha mochilona havia sido extraviada em algum lugar da conexão de Glasgow para Gatwick. Só susto. Foi a última a sair na esteira, mas saiu. Enquanto eu puxava a mochilona para colocar no carrinho pensei que talvez teria sido uma boa idéia extraviar a bagagem. Minhas coisas essenciais estão na minha bagagem de mão (laptop, diários, HD, cartões e documentos). Ando sentindo que minha “bagagem” anda pesada demais. Talvez eu esteja me agarrando a coisas e insistindo em carregar. Talvez seja melhor largar algumas coisas por aqui... Eu fiz uma sessão estabanada de “Dia da Noiva” em Glasgow antes de voltar para o verão. Resolvi eu mesma fazer minhas unhas, depilação, tingir o cabelo (que sempre desbota depois daquela vez que tive de ficar loira e ruiva... quando eu tinha outra vida.). As unhas estão todas machucadas para variar. E tortas. Deixei o creme depilatório tempo demais, então minhas axilas estão doloridas. Arranquei um pedaço do meu lábio superior com a cera fria tentando fazer o buço. Só dói quando eu rio. O cabelo, todavia, ficou milagrosamente perfeito. Mais escuro e no tom exato do natural. Estava saindo para o saguão aqui no aeroporto (o vôo da Kika chega em uma hora e estou esperando ela para irmos juntas para a cidade) e minha imagem apareceu refletida na porta de vidro. Parei por um minuto. Me olhei no reflexo. Sem maquiagem, com o rabo de cavalo. Os ossos dos ombros estão um pouco saltados porque perdi peso. Meu cabelo escuro como há muito tempo eu não via. Estou no controle da minha vida, pensei. Estou no controle da minha vida. Passei pela porta automática e recebi na cara o bafo quente do verão dos balcãs. Não falo a língua (não dá nem para tentar uma versão Tarzan), não entendo o dinheiro. Agora é tudo novo. Meus primeiros minutos na Croácia e eu já aprendi duas palavras. Voda e Pivo. (Água e cerveja, respectivamente!) Agora é tudo novo.

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