"...estou procurando, estou procurando. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi." (Clarice Lispector - Paixão Segundo GH)
domingo, 5 de setembro de 2010
NO CÉU
A Suíça é uma top model. Mas não como nossa Gisele, que tem cara de rata de praia, de menina criada correndo pelada no quintal. A Suíça está mais para Charlize Theron. Um desbunde em todos os ângulos. Sofisticada até pintando parede. Tanto que deram um Oscar só porque ela conseguiu a proeza de ficar feia. Mas sim, a Suíça. Cheguei ontem. Zermatt foi amor à primeira vista. Amor, amor de verdade. Zermatt é uma cidade para poucos. Primeiro que é cara. Mas ninguém aqui parece se importar. Dinheiro é só um papel que sai do caixa automático e eu tenho a sensação que não importa o número que vem na conta, essas pessoas nem sentem que pagam. Segundo que você só chega aqui de trem. E trem, obviamente, é uma fortuna aqui na Suíça. A linha Matterhorn Express sai de Visp e é o único jeito de chegar aqui. Pelo trem você já vai sentindo onde está se enfiando. As janelas de vidro inteiriço vão da altura do assento até o teto. Metade do teto também é de vidro. Tudo porque o trajeto faz você querer que o teto todo fosse de vidro. Como toda boa top model, a Suíça sabe mostrar seus melhores ângulos. Colinas verdes, estéticamente decoradas com rochas que parecem terem sido escolhidas a dedo. Vacas que mais parecem hipopótamos de tão grandes, badalando os igualmente enormes sinos de seus pescoços. Ovelhas brancas como a neve fazendo figuração. Chalés espalhados nas montanhas, para a gente imaginar cenas românticas de inverno. Um rio azul claro leitoso que corre entre pedras brancas e cinzas. E olhando pelo teto, os cumes nevados da cordilheira. Me belisca porque parece sonho. Ao desembarcar em Zermatt uma infinidade de carrinhos elétricos (tipo esses de golf, só que mais sofisticados) estão esperando os hóspedes endinheirados que serão conduzidos aos discretos hotéis 5 estrelas que transbordam pela cidade. Carros, motos e afins são proibidos. Eu subi a rua principal e tive certeza de que tinha atravessado um portal. Descoberto um lugar mágico. A cidade respira saúde, elegância, esporte e qualidade de vida. Tudo por causa da estrela maior. O Matterhorn. Um monumento da natureza de mais de 4000m de altura e de pura rocha. Um triângulo perfeito apontando para o céu (ou talvez indicando que o céu é aqui). O dedo de Deus pedindo silêncio pela sua grandiosidade. Impossível ignorar a magnitude dessa montanha. A maior da Suíça. Impossível não se entregar boquiaberta por longos minutos, ignorando a mochila pesada nas costas, a sede, a vontade de fazer xixi e a falta de comida do dia inteiro. Olhei para o Matterhorn e decidi no mesmo segundo. Não vou sair daqui. Cancelei minhas reservas para Montreux e para Geneva, que eram meus próximos destinos e me instalei em Zermatt. Tudo o que eu sempre imaginei dos Alpes Suíços é isso. Versão Verão, lógico. No inverno essas ruas fervem ainda mais. (AH! Fico só imaginando essa cidade branquinha de neve....) Sabe onde estão todos os milionários maravilhosos do mundo? Andando de carrinho elétrico aqui do lado. Alpinistas passam carregando seus equipamentos. Centenas de hikers, como eu, comprando o picnic para a trilha do dia seguinte. A juventude mais rica da Europa solta fumaças displicentes de seus cigarros nos terraços dos restaurantes. Bicicletas passam velozes e desviam das pranchas de snowboard pelas calçadas. Todo mundo carrega algum equipamento esportivo. Todo mundo está aqui para extrair o melhor da vida. Eu sinto como se eu tivesse uma pulserinha VIP para o camarote. Cheguei no céu e aqui tudo é lindo, silencioso e em paz. Essa é a minha versão de retiro espiritual! Me joguei em uma trilha logo cedo hoje. Fui até onde dava da base da face norte do Matterhorn. Dali em diante só se você for um alpinista bem experiente. A cidade tem até um cemitério cheio deles. Depois voltei pela clássica Matterhorn Trail até Zermatt. Dessa vez me alimetei direitinho, me hidratei direitinho. Oito horas de hiking bem mais confortáveis. Comprei os hiking poles, e eles são um alívio nas descidas. Ajudam muito a distribuir o peso do corpo que vai todo para as pontas dos dedos dos pés. São 400Km de trilhas na região. Claro que não vou fazer todas. Amanhã resolvi tirar o dia de folga, talvez tentar uma curta à tarde que explora os lugares onde vivem as marmotas. Tem outra que é rota de Edelweiss silvestre (embora não seja época). Eu sempre achei um tédio aqueles anjinhos tocando harpa nas ilustrações do paraíso. Acontece que eles sabem de um segredo que a gente não sabe. Uma vez que você chega no céu, é tudo tão bom e tão perfeito, que você não precisa fazer mais nada mesmo. Só silêncio em mim e o som das montanhas lá fora.
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Um comentário:
Aprendi a respeitar tua prumada
E desconfiar do teu silêncio
Penso ouvir a pulsação atravessada
Do que foi e o que será noutra existência
É assim como se a rocha dilatada
Fosse uma concentração de tempos
É assim como se o ritmo do nada
Fosse, sim, todos os ritmos por dentro
Ou, então, como um música parada
Sobre um montanha em movimento
(Morro Dois Irmãos, Chico Buarque)
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