sábado, 4 de setembro de 2010

O QUE SE DEVE E O QUE SE QUER

Ando pensando muito no que eu QUERO para mim. Muitas vezes eu acabo esbarrando no que eu DEVO fazer. Cada vez fica mais claro que a gente não DEVE nada a ninguém. Como viajante, por exemplo. Quando eu comecei essa jornada, mesmo que inconscientemente, ficava um sentimento de obrigação de ver e fazer determinadas coisas. Isso é o que sempre me intrigou em turistas. O Alê me falou que turistas (vulgo “gafanhotos”) são os proletários do novo século. Eles acordam cedinho todos os dias, pegam filas, tiram fotos de todos os monumentos e ticam em suas listas de coisas a fazer tudo direitinho. (Torre Eiffel. OK. Big Ben. OK. London Eye. OK. Sagrada Família. OK. Coliseu. OK.) Depois voltam para casa todos orgulhosos com o dever cumprido. Fazer turismo é praticamente coletar provas de que se esteve em determinados lugares. Não vou dizer que não fiz coisas que eu sentia que DEVIA fazer porque eu estaria mentindo. É muito comum ouvir a frase “Como você esteve em tal lugar e não fez tal coisa?”. Então eu me lembro da primeira vez que cheguei na Fontana de Trevi. Eu já estava em Roma há duas semanas, mas sem muita vontade de explorar os pontos turísticos. Uma tarde saí da escola e desci no metrô Barberini para achar a tal fonte de Fellini. Fui sem o mapa, meio deixando a cidade me empurrar até ela. Cai em uma rua de trás, saindo ao lado da Fontana e o que eu vi foram cerca de 500 pessoas amontoadas tirando fotos frenéticamente na minha direção. Por um segundo tive a sensação de ser uma celebridade perseguida por paparazzi. Quando olhei para o lado vi a tal Fontana. Ela lá, parada. Sem a Anita Ekberg dançando para Marcello Mastroiani. Mesmo assim centenas de pessoas apinhadas gritavam, falavam e tiravam fotos desesperadamente. Não resisti e comecei a rir. Comprei um gelatto e sentei no meio dos gafanhotos e fiquei rindo. Fiquei um bom tempo rindo no meio daquilo tudo. Impossível tirar uma fotografia sem um milhão de cabeças na frente. (Fiz questão de tirar uma no meio dos gafanhotos!!!) Pessoas pulando para jogar moedinhas. Adolescentes ensaiando poses sensuais. Todo mundo muito satisfeito com o dever cumprido. (Estive na Fontana de Trevi e lembrei de você!) Fiquei imaginando as pessoas voltando para casa de viagem, e mostrando as fotografias para os amigos com centenas de cabeças de estranhos na frente. Claro que a questão não é conseguir tirar uma fotografia sem “poluição”. Para isso existem cartões postais (e fotógrafos muito melhores do que todos nós). Mas eu fico me perguntando porque essas pessoas estavam fotografando? Porque elas estavam ali? Será que elas realmente queriam estar ali ou elas sentiam que “uma vez em Roma...” elas DEVIAM estar ali. Mesmo porque os romanos mesmos nem passam perto daquela praça. Esse é um exemplo extremo. Roma é uma cidade que transcende todos os clichês de turismo. É o maior festival de gafanhotos da face terrestre e não seria Roma se não fosse também isso. O que me leva para o oposto. Vira e mexe me aconselham a não ir para determinadas cidades porque “não tem nada para fazer”. Eu fico pensando porque será que as pessoas me dizem isso? O que será que elas estavam procurando lá que não encontraram? Ontem um australiano me dizia para não ir para Geneva porque não tinha nada lá e me perguntou como era a vida noturna no Marrocos. Sabe que nem pensei nisso! Nunca me passou pela cabeça que eu DEVESSE conhecer a vida noturna de todos os lugares que eu fosse. Às vezes as pessoas funcionam assim. “Sightseeing”. OK. “Comida típica”. OK. “Vida noturna”. OK. “Museu”. OK. Muitas delas detestam museus. Eu estava com um amigo em um museu há alguns meses atrás, eu procurando a sala que tinha um Veermer que eu queria ver. Quando encontramos eu parei em frente ao quadro e fiquei observando um pouco. Ele virou para mim e perguntou “Esse é um quadro famoso?”. Eu respondi “É uma obra menor de Veermer, mas o pintor é bem famoso.” Então ele puxou a máquina fotográfica e tirou uma foto do quadro. (Pra quê???) “Artista famoso”. OK. Comecei a, antes de qualquer coisa, me perguntar o que eu QUERO antes de decidir fazer algo. Então ficou mais claro que o que eu DEVO fazer não tem tanto a ver com obrigação do que com realizar minhas vontades. Exemplo besta. Hoje eu estava tomando café da manhã na varanda do hostel em Interlaken. Eles têm um lounge delicioso ao ar livre com vista para os alpes a volta e eu estava tomando meu café quentinho e agradecendo ao astral como faço todos os dias. Esparramada no sofá sentindo o friozinho da manhã de Sol gelado que surgia. Então eu lembrei que estava quase na hora de fazer o check out. E eu já estou bem cansada de empacotar mochila, carregar, ir para lá, para cá... Eu pensei “Não quero empacotar minha mochila denovo.”. Eu não preciso se eu não quiser. Posso apenas ir até a recepção e dizer que vou ficar por mais uma noite. Que vou ficar por mais duas noites. Que vou ficar a semana inteira. Então eu pensei novamente no que eu quero. Eu quero ficar em Interlaken? Não. Eu quero ir para Zermatt, fazer uma clássica trilha de hiking, ver o Matterhorn. Então eu subi para o quarto não porque eu DEVIA fazer check out, ou porque eu DEVIA empacotar minha mochila. Mas porque eu QUERIA ir embora de Interlaken. Existem milhões de outras coisas que eu podia (talvez até DEVESSE) fazer em Interlaken, mas eu não sentia vontade de fazer mais nada. Acho que esse talvez seja o grande segredo. Quanto tempo eu passei na minha vida fazendo coisas que eu achava que DEVIA sem pensar se eram as coisas que eu QUERIA. Tudo é uma questão de achar o equilíbrio entre o que realmente se quer, e agir de acordo para se conseguir. Não acredito em regras. Em um conjunto de ações para se seguir e ser feliz. Algumas vezes eu vou entrar no meio de todos os gafanhotos e fazer tudo como manda o Lonely Planet porque eu QUERO fazer aquilo. Outras vou virar as costas para todas as coisas “imperdíveis” e passar a manhã inteira de pijama na cama fuçando no facebook dos meus amigos de colégio. Não existe receita para ser feliz, para se divertir. Se fosse assim nenhuma celebridade milionária tomaria antidepressivo. Quantas pessoas eu ouço reclamando do emprego, do parceiro imaturo ou infiel, da cidade barulhenta e caótica em que mora. Mas em seguida respondem, “Mas eu não quero mudar meu padrão de vida”, “Eu não quero ficar sozinha”, “Eu não quero morar em uma cidade pequena”. Então segura a onda, meu filho! Se a sua vontade de ganhar dinheiro é maior do que a de fazer o que você gosta, então você está vivendo a vida que você quer. Se a sua vontade de estar em um relacionamento é maior do que correr o risco de nunca encontrar um parceiro ideal, você está vivendo a vida que você quer. Se a sua vontade de estar em uma cidade cosmopolita é maior do que aguentar o tédio e as faltas de opções de uma cidade pequena... bem vocês entenderam. Ou vai buscar um jeito de conseguir as coisas que você quer. Escolhas são difíceis, se a gente quiser que sejam. Eu, particurlamente, acho mais difícil ficar forçando a barra para controlar a vida. Como diz aquele ditado japonês, “Seja como um bambu. Firme no solo, mas flexível ao vento.” Eu estou fincada nas minhas vontades. Me dobro ao vento não porque eu DEVO, mas para que minhas raízes nunca deixem o solo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sempre senti isso em viagem. O que é que estou fazendo aqui? E agora, para onde vou e pra quê? E no fim, me diverti sempre mais onde nem imaginei, e dos jeitos mais "banais" (um sorvete, entre gafanhotos). Tive momentos sublimes também onde achei que DEVIA estar. Mas os melhores momentos foram sempre aqueles em que marquei um encontro comigo, viajei comigo e, quando cheguei, eu estava lá.