quinta-feira, 30 de setembro de 2010

DEIXANDO BERLIN

Meu hostel aqui em Berlin parece uma república de faculdade. Uma república rock&roll. O quarto,cheio de posters de bandas de rock do chão ao teto. Me lembra muito uns quartos que eu e  a Carol vivíamos durante nossa adolescência grunge. Fazendo olheiras com lápis preto de maquiagem e decorando todas as músicas do Skid Row (aliás, quem são mesmo o Skid Row???). Como todo quarto de adolescente é um lixo. E a limpeza também parece que foi um adolescente quem fez. O café da manhã é legal. Adolescentes precisam comer. Eles têm um pãozinho  que lembra muito meu saudoso pão francês do Brasil. Uma massa pronta que eles assam no forno e vem quentinho, delícia para ver a manteiga derreter de manhã. O problema é que o pessoal do staff combina muito com a atmosfera do hostel. Eles ficam papeando, e fazendo coisas “radicais” na recepção, e sempre esquecem dos pãezinhos no forno. Resultado que todas as manhãs eles queimam. Mas ninguém se importa não. Jogam aquele monte de pão queimado na cesta e todo mundo come. Carvão mesmo. Outro dia o pão estava tão queimado, mas tão queimado, que eu fui pedir alguns pães de forma mesmo. A garota (uma ruiva de marias-chiquinhas, com cara de distúrbio mental) virou para mim e disse apontando para a cesta de pães: “Você sabe que esse daí é igual a esse aqui. Só que esse aqui está fresco e quentinho.” Então eu respondi: “Mas esse daí também está queimado.”. E ela, num tom óbvio, “Não está queimado. Está levemente tostado.” Eu eu fiquei quieta, olhando uma pilha de pães fumegantes e pretos. Suspiro. Às vezes eu queria enxergar a vida com a lógica óbvia dos adolescentes. Às vezes eu tenho uma invejinha dessas pessoas que conseguem continuar adolescentes. Mesmo depois dos 30, dos 40... Mas é só às vezes. Depois passa. Passa rápido. Minha alma não é rock&roll. É mais jazz fusion. Às vezes minha alma fica dramática e escandalosa como ópera. Às vezes é “Carmem”, de Bizet. Mas nunca rock&roll. Eu tenho minhas frescuras, e acho até que sou bem tolerante com muita coisa. Mas eu não morei em república nem durante a faculdade. Apesar de ter sido bem divertido (como experiência antropológica), estou feliz de ir embora do hostel hoje. Verdade que essa atmosfera de “it´s all happening, it´s all happening” é bem a cara de Berlin. Berlin é um campus. Fervilhante de idéias, causas, movimentos. Fervilhante de festas, músicas e escolhas terríveis no figurino. Aluguéis baratos, pessoas voando pelo transporte público. Dias de 72 horas. E, ironicamente, ou obviamente, muita tolerância. Ironia maior é andar pelo lado leste e oeste e descobrir que a Berlin Oriental é muito mais interessante, muito mais divertida, muito mais cheia de alma do que a outra. Uma vingança tardia do comunismo. “Ok! Vocês podem derrubar o muro, mas esperem só 20 anos para ver onde todo mundo vai querer estar.” Berlin Ocidental é como uma visão apocalíptica, uma síntese do que temos de pior no Ocidente. Todo o resto que você já ouviu falar de Berlin está no Leste. Eu ainda acho que todo adolescente um dia bate a porta do quarto na sua cara e grita “Eu te odeio! Eu não pedi para nascer!”. Mas existe uma beleza, um frescor na energia adolescente. A praticidade, o maravilhosa certeza. Ah! A certeza. A segurança impetuosa da certeza. Algo que só se tem quando somos adolescentes. Mesmo que os lençóis sejam sempre ásperos, os pães queimados e os cortes de cabelos duvidosos.

4 comentários:

Ana Carolina Avilez disse...

Que delícia de post!! Adorei tudo, inclusive a lembrança dos "nossos quartos" grunge rsrsrs!!
Um bjo da fãzinha :)

MH disse...

Aumenta a fonte que a tia ceguinha não tá mais dando conta de ler sem arder o olho!!! sniffff...

Tchau Berlin, tchau hostel, tchau adolescentes.

Ainda tenho alguns anos pra ter adolescente em casa, será que consigo me preparar psicologicamente até lá?

Anônimo disse...

-=∆∆∆†∆∆∆=-
Kal-El was here
-=∆∆∆†∆∆∆=-

Anônimo disse...

Eu preciso, PRE-CI-SO ter uma viagem como essa. Um encontro comigo mesma, assim como você fez. O nome disso é inveja, eu sei. É que simlesmente, amei essa aventura. Como uma menina romântica que sou, fico na torcida para que S. volte por aqui, mas entendo e respeito!
Bem, coragem! É pra frente que se anda!rs